Ensaio sobre a cegueira

Marx-is-blind

Quando o Grande Passo em Frente de Mao causou cerca 45 milhões de mortos entre 1958 e 61, eles culparam os reacionários, os direitistas e os mercados.

Quando a fome que se seguiu à colectivização dos meios de produção e dos terrenos agrícolas promovida por Mao conduziu ao canibalismo e à transação de carne humana no mercado negro, eles culparam os mercados.

Quando a União Soviética sucumbiu, quando os pequenos agricultores, os kulaks, transacionavam por comida os poucos pertences que ainda lhes restavam, eles culparam os mercados.

Quando Portugal se aproximou da insolvência em 2010 e se viu incapaz de emitir dívida, eles culparam, imagine-se, os mercados. E alguns, que brincam aos mercados, culparam quem? Os mercados!

Quando Detroit, após 50 anos de governação do Partido Democrata, uma dívida acumulada de $20bi e uma Constituição estatal que impede o pedido de insolvência por reduzir os benefícios dos pensionistas públicos, solicita proteção contra credores, eles voltam a culpar os mercados.

Quando, não se sabe bem onde ou porquê, surgir uma III Guerra Mundial, Mário Soares antevê que a culpa será dos mercados.

Eles culpam os mercados por convicção, por dogma. Uns, porque crentes na economia política, normativa, preterem o que é em função do que deve ser. Mas na dicotomia “é-deve ser”, ainda ninguém resolveu o problema colocado por Hume. O que deve ser não é uma dedução lógica. A conclusão não deriva das premissas. Daí que essa tal economia normativa só possa ser, com efeito, metafísica. O materialismo dialético que sustenta o marxismo é uma evolução histórica, de constante atrito interno, que avança do que foi para o que deve ser. Para um qualquer ideal. Mas não é o que é. O que é, pode ser observado e testado, falsificado se necessário. Já o que deve ser, não. Uma pretende ser ciência económica, a outra, ficção, mas sem a escrita envolvente de Tolkien. É o que, eventualmente, de tese em antítese, terá de ser. Consta que não foi.

Já os keynesianos fazem-no por suspeição. Não que Keynes duvidasse do equilíbrio Walrasiano, mas duvida de um mercado que esteja em equilíbrio. Vê rigidez nos salários e nos preços no curto-prazo, vicissitudes que o impedem de convergir para o seu equilíbrio de longo prazo. Ora, falhou!, clama ele. Admitamos tal como verdade. Ainda assim, a sua prescrição não cura a doença. Não é o Estado, o investimento público, que torna o mercado eficiente ou que reanima a economia. São os mercados, Keynes. Bastava recomendar que os mercados fossem reformados no sentido de serem mais flexíveis, menos rígidos. Reformas que o permitissem convergir para o tal longo prazo, em que o desemprego é próximo da sua taxa natural. Ao invés, sugere precisamente o contrário. Mais intervenção, mais burocracia, mais rigidez.

O curioso é que, ao contrário do que se possa assumir, a defesa do mercado por parte dos liberais não é um dogma, um juízo moral do que pode ser, uma concepção metafísica ou mística do que deve ser, porque tem de ser, porque a história o conduzirá lá. Os mercados são o mecanismo económico mais eficiente de troca de bens e serviços e alocação eficiente de recursos, e é nisso em que os liberais acreditam. Seja por concepção apriorística e praxeológica, seja por concepção Marshalliana da lei da oferta e da procura, seja por individualismo metodológico ou seja pelo positivismo, a filosofia que norteia o liberalismo não depende dos mercados, mas sim da liberdade alicerçada na eficiência económica que, até à data, é melhor alcançada através da livre troca de bens e serviços — nos mercados. Mas que poderia ser em roulottes. De vestido cor de rosa. Ocorre que o mercado livre é, não por dogma ou por convicção, o mais eficiente dos mecanismos. É o que é.

Quando surgir uma outra estrutura que respeite a liberdade individual e que promova mais eficiência económica, os liberais adoptá-la-ão. E veremos os marxistas ainda agarrados ao que deve ser, os keynesianos preocupados com o que gastar, e ambos em uníssono a criticarem o que entretanto surgir que suplante os mercados. E se nada entretanto surgir, a culpar, claro está, os mercados.

A Economia Austríaca e a Matemática

Já por diversas vezes ouvi dizer que “Vós Austríacos têm a Praxeologia e não querem saber da Matemática – e é por isso que eu não sou Austríaco!”

Para responder a esta crítica, gostaria de começar com um exemplo protagonizado por um grande Econometrista. Perguntaram-lhe uma vez:
– Em que direcção corre o Rio Mississipi?
Ao que o Econometrista sorriu e correspondeu:
– Para que direcção quer que corra?

Passo a explicar. É sabido que o Rio Mississippi, como a grande maioria dos rios do seu porte, corre de Norte para Sul. E que muito dificilmente correrá ao contrário. (1) Mas imaginemos por momentos que era relevante a direcção da corrente para um político. Imaginemos então que era criada uma comissão de econometristas para analisar a questão. (2) Imaginemos então que, por exemplo, e escolhia uma secção particularmente ventosa do rio em que o vento era contrário à corrente e se colocava um barco à vela. Ou que se escolhia uma secção em que, entre duas curvas o sentido era naquele troço o pretendido. (3) Colocavam-se depois os medidores da posição de GPS mais precisos (e caros, claro) disponíveis. Os dados eram gravados em tempo real e num detalhe nunca antes alcançado. (4) Era depois feita uma análise em super-computadores para determinar se de facto o barco tinha andado na direcção pretendida. Por exemplo, usando não só a posição, mas também a distância face ao centro teórico da Terra. Matematicamente, estava provado – e com modelos inquestionáveis pois seriam imperceptíveis para o comum dos mortais – que o rio fluía como o político dizia!

Repare-se que as partes fundamentais são:

  1. Determinar o sentido desejado;
  2. Arranjar um método para provar esse sentido;
  3. Medir exaustiva e ad nauseum cada detalhe;
  4. Realizar uma análise por especialistas para especialistas.

Claro: medir com um barco à vela ou numa secção particular do rio é inválido e mesmo estúpido. Mas esta é a parte assustadora: quantas vezes acha que esta falácia é usada? Para medir a Inflação. Para medir o PIB. Para medir o Desemprego. Para comparar Salários entre grupos. Para punir preços monopolistas, predatórios ou de conluio. Para impor uma regulação num sector. Para…

Os Austríacos acham a matemática útil. É uma ferramenta e é para ser usada. Mas cuidado com ela: ela só mede a realidade. Ela não a explica. Não a modeliza. Não estuda os pressupostos. Não questiona a lógica dos dados inseridos. Não explica porque um determinado praticou uma determinada acção. Para isso, para nos guiar na direcção correcta e nos questionarmos que dados medir, temos a Praxeologia.

Ligações adicionais: Canal YouTube PraxGirl, PraxGirl no Fb e no TwitterPeter Schiff dá vários exemplos práticosMétodo da Economia pelos Austríacos, Paradoxo da Água e do Diamante, Dualismo Metodológico.

Dualismo Metodológico

Há muita gente que confunde o método de científico das ciências naturais – onde o isolamento das condições necessárias para verificar a ocorrência de certo fenómeno é possível – com o método científico das ciências sociais, onde tal isolamento NÃO é possível.

Qualquer ciência social, como a Economia por exemplo, tem de fazer face a esta limitação e adaptar-se a ela. Surge assim o dualismo metodológico que é um pouco difícil de descrever com exactidão, pelo que me vou aqui socorrer da Mises Wiki no artigo concreto sobre este tema.

Transcrição:

Methodological dualism is an epistemological position which holds that it is necessary, based on our current levels of knowledge and understanding, to utilize a different methodology in our attempts to analyze the actions of human beings than the methodology used in the physical sciences (i.e. physics, biology etc…) to study external events.[1] This position is based on the presupposition that humans differ fundamentally from other objects in the external world in that humans act, or in other words use means to achieve ends, while other objects in nature, such as stones, planets, molecules and atoms do not.[2] Furthermore, we do not at present know how external events affect an individual’s “thoughts, ideas, and judgements of value”[1] and this ignorance forces us to adopt a dualistic approach to the two classes of phenomena.

This view was emphasized by Ludwig von Mises and formed the central basis of his epistemology. Methodological dualism, especially in Mises’s case, was a reaction to the notion held by groups such as the logical positivists that the study of human action, and as such economics, should utilize the same experimental scientific method as the physical sciences, a view that has been referred to by Mises, Friedrich Hayek and others as scientism. The alternative methodology that Mises developed and utilized for his study of human action was praxeology, which formed the basis for his work in economics. The use of praxeology differs from the neoclassical approach to economics which utilizes the same methodology as the other sciences in an attempt to develop economic theories and predict future economic events.

Espero que tenham percebido melhor. A Mises Wiki e a Wikipedia normal permitem-vos seguir a exploração do tema, continuando com os conceitos de Praxeologia e outros relacionados. Boas navegações, mas ficam avisados que o tema é pesado…