Os dias que correm poderão muito bem significar uma era sem precedentes – do caos e catástrofe. Caminhamos para uma segunda grande crise no pequeno espaço de 10 anos, podendo esta ser o capítulo final do modelo social e económico que conhecemos nos últimos 150 anos.
O país, perdido em discussões folclóricas sobre desfiles do 25 de Abril, e o mundo, arrebatado pelo pânico pandémico, não estão a ser eficazes na criação da narrativa (ou no mínimo da preparação da mesma) que irá proteger as suas instituições do flagelo que seguirá a estes tempos: a inflação.
A subida generalizada (e galopante) dos preços configura-se como o maior desafio a enfrentar no contexto da saída desta crise sanitária. Isto é, de forma a mitigar os efeitos económicos dos lockdowns mundiais, os governos e bancos centrais de todos os continentes preparam pacotes de estímulo e de apoio financeiro que, apesar do apoio substancial nesta primeira fase, criaram uma massa monetária sem precedentes. Aliás, essa criação é consubstanciada pelos níveis recorde da liquidez (principalmente americana e europeia), bem como pelo já elevado aumento dos índices de preço dos produtores. Dito isto -consciente da análise simplista inerente a uma rúbrica destas – o consenso sobre estas causas e sintomas já existe entre os técnicos superiores das instituições financeiras e monetárias – para lá da desvalorização irritante de Lagarde em sede da última grande reunião do BCE.
Como se não bastasse, faltará ainda acrescentar a este cocktail letal uma pequena porção de estupidez humana, exponencialmente catalisada pela estupidez política. Sim, as comunidades políticas organizadas por este mundo cometerão grandes erros nos tempos de resposta à crise que surge no horizonte – como sempre acabaram por cometer.
Aliás, a classe política (executivo ou oposição), na sua constante necessidade de curto prazo condicente com ciclos políticos, irá enveredar por um caminho de desglobalização – sendo casos paradigmáticos o americano e o europeu. Na verdade, o caminho para o protecionismo já era discurso de muitas bocas, mas as estruturas mundiais ainda não lhes permitiam plena implementação. No entanto, a pandemia poderá muito bem constituir uma validação dessas teses, tornando necessário o apelo a menos integração tanto por razões políticas e sanitárias como económicas (proteger empregos nacionais, consumir produtos nacionais, “o que é nacional é que é bom é” – e muito mais jargões parecidos com este).
Ora, o encapsulamento de oportunidades externas poderá parecer tentador e provavelmente granjeará de apoio popular, mas a história (bem como a lógica económica) prova que o contrário se prefigura como a resposta a dar. Também noutras eras, o poder político (e sua red tape) se arreigaram em culpar agentes exteriores, movendo assim a esfera de culpas para fora das fronteiras. No entanto, e apesar de ter sido essa direção política inicial, a fome de 1840, a depressão de 1929 e a estagflação de 1973 só se resolveram verdadeiramente com mais integração, com mais comércio e com mais globalização.
Estes exemplos viram na abertura do comércio uma possibilidade de baixar preços e, desse modo, combater a inflação galopante. No entanto, os sinais que temos vindo a receber são os contrários – ao que parece será mais aceitável pagar 5€ pelo par de meias produzida no Minho do que 20 cêntimos pela dúzia produzida em Xinjiang – e não poderemos cair de modo algum neste engodo, nesta tentação, neste grande perigo. Porém, falará, pensará ou preparará o país político este cenário? Estaremos munidos de respostas ou estaremos preparados, sequer, para combater uma outra visão do estado de coisas? Não. O Twitter da bolha, que alimenta os partidos e o governo nas decisões e estratégias, não tem caracteres suficientes para este debate e, na verdade, menos interesse tem ainda.