Aproveito a visita do Presidente do Colégio de Pediatria ao Insurgente para tentar esclarecer umas dúvidas sobre a forma como a vacina contra a gripe A escolhida por Portugal está a ser aconselhada.
Diz o próprio: «É também uma questão de cidadania vacinar as crianças para controlar a epidemia.», acrescentando mais adiante que «O facto de eu pessoalmente não ter tido ainda acesso aos dados de fármaco-vigilância que sustentaram esta decisão [de optar pela vacina Pandemrix em crianças e grávidas], não me permite duvidar da sua justeza.»
A explicação para o facto de o Presidente não ter tido acesso a esses dados é simples: eles não existem. É a própria GSK (o laboratório que produz a vacina) que afirma que «there are currently no data available on the use of Pandemrix™ (H1N1) in pregnancy» [and] «no experience in children less than 3 years of age».
A decisão tomada pelo Infarmed de usar a Pandemrix não pode então basear-se em dados empíricos, mas sim num cálculo indutivo de aproximação com a realidade do H5N1, como é aconselhado pela EMEA (Agência Europeia de Medicamentos): «the decision to use Pandemrix (H1N1) in each age group defined below should take into account the extent of the clinical data available with a version of the vaccine containing H5N1 antigen and the disease characteristics of the current influenza pandemic». (Não consegui encontrar nenhuma informação sobre o uso da vacina contra o H5N1 em Portugal, a não ser a notícia de um protocolo entre a Agência Portuguesa para o Investimento (API) e o laboratório Medinfar no sentido da produção nacional da vacina, num investimento global de cerca de 26,6 milhões de euros cujos resultados deveriam ter sido tornados públicos em 2007.)
Quando se fala em “dados de fármaco-vigilância” não se fala então de algo que antecede a decisão, e assim a justifica, como é sugerido pelo senhor José Manuel Lopes dos Santos, mas sim de algo que se lhe segue: falamos dos dados recolhidos a posteriori de modo a corroborar que se tomou uma boa decisão. O boletim de Fármaco-Vigilância do Infarmed quanto à vacina data aliás do 4º trimestre de 2009.
O problema é que no caso das grávidas e das crianças a conclusão a favor do uso seguro da pandemrix é de fraca fiabilidade devido ao facto de a grande maioria dos governos internacionais estarem a usar uma vacina sem adjuvante (a pandemrix contém adjuvante), o que diminui a legitimidade da generalização. Claro que, agora, com os estimados 8% de grávidas portuguesas que já aceitaram tomar a vacina, será possível chegar a algumas conclusões sobre os efeitos da mesma através dos tais dados de fármaco-vigilância. (Ainda assim convém referir que a fármaco-vigilância se efectua apenas durante o período fetal e neonatal, não cobrindo possíveis efeitos apenas observáveis ao longo do desenvolvimento neuronal do bebé). A própria GSK avisa que, devido à falta de estudos, a vacina só deve ser administrada a esses grupos em caso de real necessidade.
Tendo em conta a fragilidade da induçao que permite às autoridades de saúde portuguesas aconselhar a pandemrix como segura para grávidas e crianças, impõe-se compreender que tipo de benefícios entram na relação benefícios-riscos traçada pelo Infarmed. Claro que se estivermos a falar dos benefícios sociais que advêm do controlo da epidemia, a relação compreende-se melhor.