Dificilmente existirá outro cronista tão distinto quanto Alberto Gonçalves. Opositor voraz ao gang do politicamente correcto, lúcido e eloquente nas palavras, os seus textos reportam escritos, contrastante com as banalidades, frequentemente alarvidades, oferecidas por aí. Mas porque todos somos diferentes, a concordância e o consenso, posicionamento do qual Alberto Gonçalves terá tantas dúvidas quanto eu, creio, é somente possível na extensão das pequenas semelhanças que num universo de desigualdades nos unem.
E como essas semelhanças são espúrias, contrariamente ao que os igualitários possam sonhar ou desejar, não será de estranhar que um dia surja um, ou mais, pontos de discórdia. Este artigo suscitou-o.
Recordemos, em resposta ao artigo em epígrafe, que o povo que outrora habitara a Foz do Douro, o Porto, o Norte de Portugal, os callaecos — conjectura-se que fossem helénicos os primeiros a visitar a região — deram nome a Gallaecia, assim lhe chamaram os romanos, onde mais tarde haveria de nascer, separado pelo Douro, as cidades de Portus e Cale. Daqui surgiu o galaico-português, fortemente influenciado por um substrato celta. Daqui deriva a troca dos ‘v’s pelos ‘b’s. Ou melhor, daqui se trocaram os ‘b’s pelos ‘v’s, servindo isso para remoque e desdém de alguns emproados em Lisboa. Basta ter o infortúnio de passar por determinados programas televisivos para se perceber o provincial arcaísmo com que se descaracteriza toda uma região que deu nome, origem, pátria, língua e lição a Portugal.
Foi a Norte, entre Braga e Guimarães, que D. Afonso Henriques decidira ir a Sul resgatar Lisboa dos mouros. Ou os mouros de Lisboa. Quase sete séculos mais tarde, foi no Porto, terra de burgueses onde nunca assentaram muitos fidalgos, que os Ingleses fizeram comércio. De Valongo saíra ouro e do Douro uvas não menos preciosas. Foi no Porto que Portugal se tornou um país de comércio, de importação e de exportação.
Não é preciso recuar oito séculos para fazer jus ao Porto e ao Norte. Basta avançar seis para perceber o declínio que começa a ser delineado por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. A política do centralismo, que se reflecte no controlo estatal sobre o comércio do vinho do Porto através da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (mais tarde a Real Companhia ou Companhia Velha) é a demonstração da suspeita. O declínio do Norte e a ascenção de Lisboa não foi fruto da circunstância, foi resultado de um projecto político que pretendia centralizar para daí controlar. Salazar, que de Viseu (quiçá D. Afonso Henriques tenha lá nascido) deveria saber melhor, perpetuou e sedimentou esta extrema dependência de Lisboa.
Como portuense, como Nortenho, como confesso e orgulhoso bairrista, não posso senão repudiar a acusação de que o declínio do Norte fosse não menos do que obra, ou falta dela, das gentes do Norte. Que fosse a sua afectuosidade para com o futebol ou o gosto pelo ócio. Não. Em terras do Norte trabalha-se como sempre se trabalhou, de alvorada à aurora, da aurora à alvorada, o tempo que for preciso, com garra e convicção. Porque não fomos a Lisboa por acaso. E, se o fizemos, pedimos somente respeito. Respeito e, se possível, que o Estado centralista saia da frente. Não é preciso mais do que isso para que o equilíbrio seja reposto e o Norte volte a ser, como aliás sempre foi, o motor de Portugal.
Créditos: foto retirada da página do Facebook “Norte de Portugal“.