É uma questão de estilo

20150404_133027Ao regime tradicional, sucedeu o do individualismo económico, ou capitalista, o da chamada liberdade de trabalho, que mais propriamente devia denominar-se o do Capitalismo desenfreado e da exploração do trabalho pelos judeus da finança. Neste regime, o fim único do trabalho que deve ser o sustento pessoal e familiar do operário, foi inteiramente sacrificado à preocupação do lucro do capital.

Daqui resultou que o operário — o proletário, como a Revolução lhe chamou — não passaria de um indivíduo proclamado livre pela lei, mas cujo direito à vida não se encontrava garantido por qualquer título jurídico. O operário, entregue, de futuro, aos caprichos deshumanos da oferta e da procura, sem laços profissionais nem organização a que se acolhesse, viu-se reduzido à mais tenebrosa escravidão.

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A solução positiva do problema social, a única solução — que não agrada aos saltimbancos da política, porque não lhes serve as ambições — está no sindicalismo orgânico, numa nova organização económica que coloque a Produção sob a fiscalização directa dos seus elementos, associados nos diferentes agrupamentos profissionais.

Ao agregado de Sindicatos de operários e de emprezários do mesmo ramo de produção é que chamaremos Corporação, ou Federação. O conjunto das Federações de todo o país é o que virá a constituír a Confederação Nacional.

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Trabalhadores de Portugal! Camaradas!

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Um panfleto do MES? Um manifesto do MDP/CES? Não, apenas um artigo em “Nação Portuguesa — Revista de Cultura Nacionalista”, uma revista onde contribuiam, entre outros, Rolão Preto, fundador do partido de extrema-direita Movimento Nacional-Sindicalista. Outros colaboradores faziam parte de um movimento nacionalista mais abrangente, o Integralismo, tendo posteriormente ingressado, imagine-se, na Causa Monárquica. No fundo, o que separa a extrema-esquerda da extrema-direita é mera questão estilística, maquilhagem internacionalista ou nacionalista que esconde o totalitarismo e a obliteração do desígnio do indivíduo.

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A Ordem, a vida, o futuro, estão no Nacionalismo orgânico!

Ordem velha

REVISTA-ordem-nova

Dez anos antes da Revolução Francesa concretizava-se no novo mundo aquilo que vinha a ser teorizado no velho. Precede ao ensaio da beligerância os ensaios de uma formidável revolução intelectual. De um lado, os conservadores e tradicionalistas, passe a redundância, condignamente inspirados em Edmund Burke. Do outro, os radicais: os românticos contratistas, seguidores de Rousseau; os utilitaristas, guiados por Bentham e mais tarde pelos dois Mill; e, enaltecimento desnecessário, um dos percursores do individualismo, da lei natural, também contratista, John Locke, que inspirava então grandes pensadores como Voltaire, Hume, Smith. Todos eles emergidos do iluminismo europeu com algo em comum: a razão como método de teorização.

Principiava-se sem príncipe aquilo que Paine viria a escrever e descrever como a Idade da Razão. Aquele território, antecâmara de um projecto que havia de inspirar a humanidade, assistiu ao gladiar de duas destas correntes: de um lado, a ala conservadora, filiada nos Federalistas e encabeçada por Randolph, Calhoun e John Adams. Fazia fé na Providência enquanto instrumento de acção política, fazia fé nas tradições, destilação por vezes etílica de séculos de experiência, também ela por vezes ébria; e fazia fé na coroa britânica. Ou, não fazendo fé, não lhe fazia ré. Do outro, os republicanos, Jefferson aos ombros de Locke, Paine e Bacon; e percursor de Madison e Jackson. É necessário recuar vinte séculos até à República de Sócrates e Platão e à Política de Aristóteles, talvez com excepção da república clássica romana a que Cicero não fez jus e do calculismo político de Machiavelli, para encontrar período tão fértil quanto este. Vindicou-se Jefferson: quebrava-se de uma só assentada aquilo que Disraeli considerava ser o crux da acção política conservadora: coroa, aristocracia e igreja. Fecha-se uma janela, abre-se um mundo. Começava a emergir a verdadeira liberdade.

Posto isto, um pouco de estória moderna: a menina que gosta de sardinhas e o rapaz que afogava a Bélgica umas três vezes (falha as duas primeiras) para que a menina possa continuar a comer o peixe. A estória da menina das sardinhas é parte integrante de um texto que, crê o autor, em sentido literal de crença, figurar uma recensão crítica, crítica essa à minha réplica a Pacheco Pereira. Recuperando o original, porque o diabo está nos detalhes: o propósito era alertar que nem toda a direita tem de ser “patriota”, pelo menos na definição subjacente à de Pacheco Pereira, que é a de Portugal contra a Europa, Portugal contra a Alemanha, Portugal contra os mercados financeiros, Portugal contra a China porque produz mais barato e “rouba empregos” a portugueses de Portugal, a do Portugal proteccionista, a do Portugal habitada pelo português que compra português porque é de Portugal, porque o que é português é bom e o resto é mau. Enfim, a do Portugal defunto e definhado que de tão depauperado só tem as memórias das origens e os símbolos e os brasões como recordação e, no caso do autor, decoração. E de um ou dois velhos do Restelo a dar pálrea.

No sentido trôpego que Pacheco Pereira lhe deu, o patriotismo constitui a prerrogativa de que o proteccionismo, o isolacionismo e tudo o que aparente proteger um país é, de facto, para o seu bem. É aqui que discordamos. É contra o nosso interesse a imposição de medidas mercantilistas que protejam o mercado interno, como é também contra o nosso próprio interesse não cumprir o expediente orçamental que “a Alemanha nos impõe”. Tal como, aparentemente, a Corn Law protegia o Reino Unido, era contra o seu próprio interesse lei tão déspota e nefasta, não obstante a aparência de “patriótica”. Aqui, ser patriótico é não ser patriota. Nesses termos, declarei-me apatriota. Mas se ser patriota é apenas proteger o país do seu estado, e já agora dos outros patriotas, como gizou Paine, então sou um irredutível e incomensurável patriota.

Como se cruzam a estória e a história? A estória da menina das sardinhas é, para lá de tirado de um clube de leitura promovido pela Verlag Franz Eher Nachfolger, contra-ideário ao meu assumido libertarianismo, e perde-se no meio de iguais iguarias de retórica simples e muito pouco aristocrática: eu sou um tal de, quem quer que eu seja, que sou um poeta, viajado e ainda um poeta viajado, que nem Neruda a escrever cartas de apreço a Stalin a bordo do trans-siberiano. Sou da “Direita Angelina Jolie”. E sou-o porque estou do lado do racionalismo, em prol de Jefferson, do lado daqueles que renegam a coroa, a aristocracia, a providência e a tradição como forma de fazer política, embora respeite a liberdade religiosa e todas as monarquias parlamentares que assim o desejam ser. Não respeito todas as tradições mas respeito os indivíduos que as defendem. Porque descreio o nacionalismo e porque, mais grave de tudo, encontro no indivíduo e não na nação, no rei ou no roque a expressão mais bela deste universo, deste Deus, do outro ou de nenhum, seja o indivíduo português, francês ou marroquino. Porque para mim Edward Snowden é um herói e para Manuel Rezende um criminoso, um revoltoso de Ipiranga.

Esta direita que não é “Angelina Jolie” e este “patriotismo” conhecemos bem, e o autor ainda melhor. Está lá, na Ordem Nova, eternizado por Marcello Caetano: “é anti-moderno, anti-liberal, anti-democrático, anti-burguês e anti-bolchevista [valha-nos isto!]. É contra-revolucionário, reaccionário, católico, apostólico e romano, monárquico, intolerante e intransigente, insolidário com escritores, jornalistas e quaisquer profissionais das letras, das artes e da imprensa”. E, permitam-me acrescentar, é bafio, é velho e ultrapassado.

Termina o Manuel Rezende com a certeza que afogaria três vezes a Bélgica, o que confirma o meu temor inicial: para além de Estado e estatismos, esse patriotismo também conduz a despotismo. Sorte a nossa que em Waterloo tombou um deles. E creiamos e queiramos que muitos se erguerão, para além de mim, para impedir que um outro a quem as vestes não auguram bom presságio afundasse a Bélgica três vezes (pelo menos). A bem da Nação.

Resultado final

Nem sei bem como qualificar o entusiasmo da Prof Maria do Carmo Marques Pinto com a união política e da democratização da instituições comunitárias. Uma contas simples. Os 6 maiores países da UE somam 71% da população. Que margem julgam que existirá para os restantes 21? Preferem instituições paritárias ou eleitas segundo métodos proporcionais?

No seu delírio chegou a aventar a hipótese de se eleger o Ministro das Finanças europeu. Acham que os maiores contribuintes irão colocar o seu dinheiro sem exigir em troca o poder de controlar o seu destino? Só se forem parvos.

Para além de um eventual desastre financeiro este novo “passo em frente” da UE irá plantar a semente de perigosos nacionalismos na Europa com consequências mais que previsíveis.