Este post é inspirado no conto do escravo de Robert Nozick e descreve a evolução em quatro estágios do sistema de governação de uma determinada população.
Estágio 1: Num simpático lugar junto ao oceano existe a Portugalândia, um espaço geográfico contíguo onde habitam um conjunto de pessoas que partilham a mesma língua, uma certa história e uma certa cultura. As pessoas vivem pacificamente, sem governantes e sem governados, respeitando os direitos fundamentais de todos os seres humanos: vida, liberdade e propriedade. Todas as relações – pessoais, profissionais e comerciais – são estritamente voluntárias e apenas se estabelecem quando ambas as partes entendem que existe um benefício para elas. A solidariedade existe de forma espontânea e é também voluntária.
Moralidade do sistema: completa e absoluta. Aceitação do sistema: elevada, embora algumas pessoas se sintam injustiçadas porque outras pessoas através do seu trabalho, engenho, empreendorismo e risco são mais bem sucedidas.
Estágio 2: Algum tempo depois, um Gangue, auto-intitulado Stad proclama-se dono da Portugalândia e passa a cobrar coercivamente um Tributo de 10% sobre o rendimento de todos os cidadãos. A quem resistir e se opuser, o Gangue confisca o Tributo recorrendo à violência. O Gangue recomenda a quem não concorda com o sistema a sair da Portugalândia.
Moralidade do sistema: nenhuma. Aceitação do sistema: muito elevada por parte dos membros do Gangue e nula por parte da restante população.
Estágio 3: Passados uns anos, o Gangue numa acção de marketing muda o seu nome para Estado e muda também o nome de Tributo para Imposto. Para aumentar a aceitação da população, declara que a finalidade da existência do Gangue é o interesse geral e o bem-estar da sociedade. Com a receita do Tributo, perdão – dos Impostos – que aumentam para 50% sobre o rendimento dos cidadãos, o Gangue constrói estradas, ferrovias, portos, aeroportos, escolas, hospitais, tribunais, centros culturais e passa a garantir também uma renda na velhice a que dão o nome de Pensão. Para defender o interesse da sociedade como um todo, o Gangue define um conjunto de regras que se passam a aplicar a todas as relações comerciais e profissionais; e também no interesse das próprias pessoas, o Gangue define um conjunto de leis que limitam a liberdade individual dos seus cidadãos. Grande parte da população apercebe-se do Estado por aquilo que ele é – uma entidade que não cria riqueza, que apenas vive da cobrança coerciva de impostos que aloca de acordo com o chamado “interesse geral”. Quem não concordar com este sistema, é convidado a abandonar da Portugalândia que é entretanto declarada um país soberano.
Moralidade do sistema: nenhuma. Aceitação do sistema: existe alguma aceitação sobretudo das pessoas que se apercebem que recebem mais de volta do Estado do que aquilo que lhe pagam; e também por outras pessoas que sentem um certo conforto na segurança e conforto que o Estado lhes proporciona. Algumas pessoas abandonam a Portugalândia, outras pessoas sentem um elevado nível de desconforto, mas não ao ponto de emigrar para outro país.
Estágio 4: Uns anos mais tarde, surgem vários Gangues rivais, todos com a mesma finalidade – o “interesse geral” da sociedade embora o conceito de “interesse geral” tenha interpretações distintas. No entanto, estes Gangues que entretanto mudam o nome para Partidos, defendem meios diferentes para o mesmo fim. Uns querem cobrar mais impostos e impostos de natureza diferente (sobre o consumo, sobre a propriedade, sobre as heranças …) e distribuir mais benefícios; outros querem um Estado mais interveniente na economia, outros querem aumentar o número de regras a aplicar às relações profissionais e comerciais e também aos seus cidadãos – sempre com o “interesse geral da sociedade” em mente. Como desejam evitar guerras entre si, de forma diplomática os diversos Gangues – perdão Partidos – subscrevem um acordo a que chamam de Constituição e que determina algumas regras básicas, incluindo o modo como os Partidos chegam ao poder. Para o efeito, de quatro em quatro anos, a população pode votar no Gangue que fica com o monopólio de gestão do país, claro está – sempre no interesse geral da sociedade. A este sistema dão-lhe o nome de “Democracia”. Algumas corporações e grupos de interesse descobrem que é muito mais rentável fazer lobbying junto do Gangue que governa do que competir num mercado livre concorrencial; e com um investimento relativamente baixo, conseguem muitos benefícios e privilégios à custa da população como um todo. Quem não concordar com este sistema, pode sempre sair do país ou então é lhe aconselhado que forme um Gangue rival e que tente chegar ao poder para alterar o estado (pun intended) das coisas, afinal de contas, vivem num sistema democrático.
Moralidade do sistema: fica a questão para os leitores. Aceitação do sistema: na prática parece ser muito elevado, afinal de contas parece ser “o pior sistema com a excepção de todos os outros”.
Leitura complementar: Sobre a Democracia.
