O que a Greve dos enfermeiros nos ensina sobre as outras greves?

Os Enfermeiros estão em greve. Não sendo eu favorável a greves, algo que eu não aceito é a campanha de desinformação espalhada pelo governo, pela comunicação social que age como cão de guarda ao governo, e por uma certa parte da classe médica que apoia o actual entendimento político.

O curioso desta greve é que, para atacar os enfermeiros, um dos vectores de ataque escolhidos pela esquerda no poder pode ser usado para criticar muitas outras greves. Afinal, se os enfermeiros são “selvagens” e “assassinos” (na verdade nunca se fizeram tantas cirurgias urgentes como durante esta greve!), então…

… os médicos grevistas serão o mesmo que acusam os enfermeiros de serem.

… os juízes grevistas serão criminosos, pela não aplicação da lei ou pelo menos pelo atraso desta, e ainda pelo benefício ao infractor.

… os polícias grevistas serão criminosos e ladrões, senão de forma directa, pelo menos como cúmplices.

… os pilotos da TAP e os funcionários da CP grevistas odeiam os respectivos utentes e serão mesmo sociopatas porque impedem as famílias de se reunirem.

… os professores grevistas odeiam as crianças, não têm paixão pela educação, e serão contra o futuro do país – certamente não devem querer receber reformas.

Greve.jpeg… os estivadores em greve serão obviamente contra as exportações do país em geral e contra trabalhadores como os da Autoeuropa e respectivas famílias em concreto.

… os funcionários públicos em greve serão contra o serviço público – incluindo o SNS – e os cidadãos que é suposto servirem.

… obviamente então as inter-sindicais e os comunistas e bloquistas serão selvagens, assassinos, pelo atraso do país, pela perda de empregos, criminosos, ladrões, sociopatas, odeiam as crianças e cospem em muitos dos pratos que lhes dão de comer.

Se a lógica da geringonça contra os enfermeiros se aplica, então tudo isto é verdade.

Os pulhas

Chicago Teachers Go On Strike For First Time In 25 Years

A respeito ou despeito do 10 de Junho fala-se de um pulha, pulha esse nunca sufragado, votado ou vetado que atenta e ridiculariza contra uma figura institucional de um Estado de Direito e passa com ofício mas sem arte por uma espécie de Ministro da Educação oficioso, é momento oportuno para falar daquilo em que o pulha se especializou. Greves.

Ora, uma hora antes do embarque sou informado pela TAP que o voo tinha sido cancelado. Porquê? Greve em Itália. Consultando os noticiários italianos é fácil constatar que, à semelhança das greves diárias-binárias (dia sim, dia não) de transportes em Portugal, esta é apenas mais uma, à qual os italianos não dão grande importância. Se cá nós nos desenrascamos, eles lá ci arrangiamo, eles lá se arranjam. O que, com grevistas profissionais, é manifestamente pouco.

Entretanto, porque os trabalhadores unidos jamais serão vencidos, os taxistas de Londres entraram, também eles, em greve. Porquê? Extrapolemos. Porque a câmara de Londres aprovou uma nova taxa de circulação no centro de Londres? Porque o preço do combustível subiu? Porque os impostos sobre o transporte de passageiros foram alterados? Não. Porque alguém decidiu criar uma aplicação móvel que permite gerir o car pooling, que consiste em partilhar lugares vagos numa viatura particular. Uma dádiva para os cidadãos, que assim poupam dinheiro, e ainda uma pérola para os ambientalistas, que assim se regozijam com menos emissões.

Tudo muito bem, excepto para os taxistas que agora urgem que o Estado intervenha e os proteja, apanágio diário do vigário que se quer servir do Estado, servindo-se ele próprio dos restantes contribuintes. Eu estou servido, uma viagem que duraria umas parcas horas irá durar um dia inteiro. Perante isto, só posso exigir greve contra os grevistas e, com especial relevância, contra os cabecilhas que delas vivem e que delas se alimentam. Os pulhas.

P.S. – Curiosamente, ou não, a greve dos taxistas fez com que o registo na nova aplicação aumentasse 800%.

Função Pública no seu habitual

Baseado em informação recolhida no Facebook:

Para que possam programar atempadamente as vossas viagens/migrações pendulares aqui fica o registo das paralisações previstas nas semanas mais próximas:

  1. CTT: 25 de Outubro
  2. Metro de Lisboa: 31 de Outubro
  3. CP: 1ª semana de Novembro, dias a definir
    (sublinhe-se: salário médio superior a 400% da média nacional)
  4. Transtejo: 3 a 9 de Novembro, 3 horas/dia (versão li
    ght, portanto)
  5. Soflusa. 3 a 9 de Novembro, 3 horas/dia (versão light, outra vez)
  6. Transportes colectivos do Barreiro: 6 de Novembro
  7. Refer: 6 de Novembro
  8. Carris: 7 de Novembro (só das 9:30 às 15:30, para plenário… em horário laboral)
  9. F.P.: 8 de Novembro
  10. Manif geral do sector dos transportes: 9 de Novembro

Eu já nem sei para que existe o sector estatal de transportes públicos. Alguém pode depender deles para fazer a sua vida? Este sector deve ser privatizado e depressa!

Conversas com professores

Transcrevo aqui uma conversa verídica tida ontem com uma professora de ensino especial (crianças com deficiência) a leccionar no ensino público que, tanto quanto sei, é uma excelente profissional. Teve recentemente de leccionar em Sintra (reside no Norte) na sequência do regime de mobilidade especial.

— “Eu acho muito bem que os professores se estejam a manifestar! É inaceitável o que está a acontecer. Acho muito bem esta greve!”
— MAL: “Então? O que é que reivindicas?“
— “As 35 horas e o regime de mobilidade especial. Mandar os professores de um lado para o outro!”
— MAL: “As 35 horas é uma questão de equidade entre funcionários públicos. À luz da lei deveremos ser, efetivamente, iguais. Mas vocês só trabalham 35 horas?”
— “35? Trabalhamos bem mais do que isso. Temos aulas para preparar e exames para corrigir.”
— MAL: “Então, na verdade, isso não vos faz qualquer diferença. Se já trabalham mais de 35 horas, certamente que a alteração para 40 é meramente estética. É uma questão de princípio. De equidade.”
— “É… mas o regime de mobilidade especial é inaceitável!”
— MAL: “Eu concordo contigo. Até vou mais longe. O atual sistema público de educação é inadequado, antiquado e injusto. O sistema deveria ser descentralizado, experimentalista, e as escolas deveriam ter total autonomia, podendo decidir que professores contratar e despedir, como leccionar as aulas e ainda que conteúdos leccionar, com algumas bases em comum, naturalmente. Mais, o financiamento seria entregue aos encarregados de educação e não às escolas, permitindo assim que alunos pobres possam ter as mesmas oportunidades de acesso às melhores escolas. Hoje em dia, eles são obrigados a frequentar uma determinada escola, por muito má que ela seja. Não me parece justo. E assim diminuíam também os mismatches na mobilidade. Um professor que vai de Lisboa para o Porto ao mesmo tempo que um do Porto vai para Lisboa, quando ambos poderiam provavelmente permanecer na sua cidade.”
— “Oh, mas isso demora muito tempo a implementar. Não seria para agora.”
— MAL: “Ok. No curto prazo. Coloca-te no papel do Nuno Crato. Que farias? Existem três hipóteses. 1) Despedir mais uns milhares de professores; 2) Continuar a atribuir horários zero; 3) Transferir professores para onde eles são necessários.”
— “Horários zero, nem pensar. Deprime ficar sem fazer nada.”
— MAL: “Então, que farias?”
— “Pois, não sei.”

A conversa terminou subitamente, tendo-se desvanecido o tom exasperado com que se iniciara. Não sei se a convenci, mas tentei transmitir a perspectiva de quem está de fora. É compreensível que os professores — e qualquer outra pessoa, especialmente pais e alunos — estejam descontentes com as recentes reformas da educação. Mais burocracia e mais trabalho improdutivo que acrescenta zero à formação dos alunos. O objectivo do brilhantismo estatístico, para que Portugal figure num percentil bacano nas estatísticas europeias. Uma enorme entropia introduzida no sistema, que mina o trabalho dos professores, a aprendizagem dos alunos e a paciência dos pais. Pais que não podem escolher o futuro dos seus alunos. Em boa verdade, todos deveriam estar a fazer greve, mas por outros motivos.