Não, a Frente Nacional não tem nada ar de ser coisa passageira

Chamaram-me a atenção para o (suposto) facto de se estar a dar talvez demasiada importância ao resultado da Frente Nacional nestas últimas regionais francesas; que os bons resultados da Frente Nacional são episódios recorrentes, a que se seguem invariavelmente quebras de impulso; que a Frente Nacional, esse híbrido repulsivo de ideologia económica e social próxima do PC e de racismo (pelo menos na sua origem), jamais governará a França onde impera em última instância a «barragem republicana», e, se vier a governar, mudará, domesticará o seu discurso anti-europeu, etc.

Ignoro se a Frente Nacional (FN) algum dia virá a governar a França ou não. Espero bem que não. O que já me parece de todo contestável é que o resultado de domingo seja uma história recorrente.

Não é, como um olhar de relance para o gráfico de todas as participações da Frente Nacional em eleições presidenciais, legislativas, europeias e regionais evidencia.

FNHist

Pontuais são, como se vê, os momentos de recuo (com a excepção do período que vai de 2004 a 2007), sendo a tendência geral, a partir de 1984, claramente de ascensão. Essa tendência ganhou um elã absolutamente inédito desde 2007 até à actualidade, com a FN a superar-se quase sistematicamente em todas as eleições.

Nestas últimas regionais, além de ter obtido o maior número de votos de sempre – exatamente 6.820.336 -, conseguiu ir buscar, da 1ª para a 2ª volta, mais 800 mil votos, ao contrário de eleições regionais anteriores, onde perdia votos na 2ª volta.

Triplicou o seu resultado em termos de votos face às regionais anteriores (2010) e triplicou o número de conselheiros nas assembleias regionais, de 118 num total de 1880 para 358 num total de 1910, o que lhe confere uma forte representação nas 12 regiões do continente (menos expressiva mas também presente na Córsega), sendo em 4 delas a principal força de oposição, e em 2 (Nord-Pas-de-Calais-Picardie e Provença) a única força de oposição.

Negar a evidência de que a Frente Nacional está em marcada ascensão em França, acentuando uma tendência de longo prazo, talvez sossegue (temporariamente) os espíritos, mas não corresponde nem aproximadamente à realidade. Até onde poderá ir? Não tenho uma bola de cristal, mas se a constelação de factores que pode explicar a sua progressão não for removida, não há razão para pensar que chegou ao limite das suas possibilidades.

Continuar a tratar já cerca de 30% dos eleitores franceses como uma anomalia e ignorar as suas razões é a via mais direta para estender a muito mais França o resultado do departamento de Vaucluse, onde a Frente Nacional recebeu mais de 50% dos votos, círculo por onde em 2012 foi eleita pela primeira vez Marion Maréchal-Le Pen deputada à Assembleia Nacional, com 22 anos apenas, a mais jovem parlamentar de toda a história da França moderna.

Um programa eleitoral de extrema-

Sem quaisquer reservas, acusa Merkel de ser «a directora da prisão que é a Europa», ou Durão Barroso de ter sido o «guarda prisional». Acredita que estamos numa ditadura, a «euroditadura». A culpa? Do Euro, da União Europeia. A mesma «euroditadura» que tem subjugado a Grécia, dizendo a um país soberano «o que deve fazer e como o deve fazer». Clama pelo «fim do Euro», pois só assim poderão acabar as grilhetas que espartilham os países. Deseja a nacionalização dos principais bancos, pois o «Estado-estratego deve defender o interesse dos seus compatriotas». A Troika? Define-a como uma «hidra com três cabeças cujo único objectivo é defender os interesses dos bancos, das grandes instituições financeiras, dos credores dos países». É contundente quanto ao seu posicionamento: «não sou por menos Estado, não sou por mais privatizações, não sou pelo ultraliberalismo, não sou por essas leis do mercado que eu considero deverem ser controladas porque, caso contrário, conduzem ao esclavagismo». É naturalmente contra o acordo transatlântico, o TTIP, cujo objectivo é criar «mercado único mundial», onde «os fracos morrerão». A respeito do conflito ucraniano? A culpa é da UE, que «se imiscuiu voluntariamente na esfera de influência da Rússia». Finalmente, e quanto à geopolítica europeia: «os países do Norte tratam os do Sul como parasitas, gastadores, preguiçosos».

Alexis Tsipras num comício interno? Pablo Iglesias numa manifestação do Podemos? Poderia ser qualquer um dos dois, pois qualquer um subscreveria todas as posições suprarreferidas. Mas não é. É Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, o partido de extrema-direita francês, numa entrevista ao Expresso (edição em papel). Não fosse a reposição da pena de morte ou o fim da imigração, e seria um autêntico programa eleitoral da extrema-esquerda. Este episódio recorda-nos que nacionalismo e socialismo sempre andaram de mãos dadas, pelo menos no que a assuntos económicos diz respeito.

«Sou de extrema-direita, mas bem podia ser de extrema-esquerda».
«Sou de extrema-direita, mas bem podia ser de extrema-esquerda».