
Índice
- O que é o salário mínimo nacional?
- O SMN português é alto ou é baixo?
- Quem é a favor do aumento do SMN? E quem é contra?
- Mas o aumento do SMN não gera procura? E isso não é bom?
- Todos os países têm SMN?
- Qual é o impacto negativo do SMN?
- Porque é que o desemprego aumenta quando aumenta o SMN?
- Mas o novo Governo tem um estudo sério que o justifica!
- Mas os custos salarais só aumentaram 2.9%! Qualquer empresa o suporta!
- Mas 500€ não permitem uma vida digna!
- Mas uma transferência do «capital» para o «trabalho» é algo positivo!
1. O que é o salário mínimo nacional?
O salário mínimo nacional é uma medida legislativa que fixa o valor mínimo a que o trabalhador pode ser contratado por uma empresa. Foi criado na Nova Zelândia há cerca de dois séculos atrás, e visava proteger os mais vulneráveis, com menor poder negocial.
2. O SMN português é alto ou é baixo?
A maior parte dos comentadores e até alguns economistas fazem uma análise profundamente errada, que consiste em comparar directamente o valor absoluto do SMN entre países, não ajustando à diferença na paridade dos poderes de compra (PPP). Países em diferentes níveis de desenvolvimento têm preços e salários diferentes. Por exemplo, o nível geral de preços num país como a França ou a Suíça é muito superior ao registado num país como Portugal.
Uma comparação mais válida, ou menos grosseira, consiste em comparar o SMN com a mediana dos salários. Isto porque a mediana dos salários já reflecte o nível geral de preços, permitindo assim comparações relativas entre países, e é a melhor aproximação que temos ao preço de equilíbrio no mercado de trabalho.
E o que observamos quando comparamos o SMN em % do salário mediano com o de outros países? Que o SMN em Portugal é elevado.

Mais grave ainda, e como veremos adiante, o SMN afecta em particular trabalhadores menos qualificados e jovens. E o desemprego jovem é muito elevado em Portugal, cifrando-se actualmente nos 34,8%.
3. Quem é a favor do aumento do SMN? E quem é contra?
Os sindicatos, que se preocupam mais com quem está empregado do que com quem está desempregado, pois estes últimos estão menos disponíveis para integrar piquetes de greve, querem sempre o mesmo — que seja aumentado.
As confederações dos patrões, e ao contrário do que se possa imaginar, geralmente também concordam com o aumento. Isto porque as confederações, que integram grandes grupos económicos, não são directamente afectadas pelo aumento do SMN. A percentagem de trabalhadores a auferir o SMN nestas empresas é marginal, e em alguns casos mesmo inexistente (caso do grupo Jerónimo Martins). No entanto, o aumento do SMN afecta directa e negativamente as PMEs com quem estes competem. Portanto, é proveitoso para estes, pois beneficiam com o aumento da procura agregada, ainda que marginal, e não pagam os custos desse aumento. Estes serão suportados pelas PMEs, que, recordemos, representam 99.9% do sector empresarial português.
Os Governos, por regra, também são a favor, visto que não têm de o pagar. Adicionalmente, o SMN é um instrumento eleitoral eficaz, pois os seus efeitos negativos são desfasados no tempo (o aumento do desemprego não é imediato), mas os seus efeitos positivos são — quem aufere o SMN tem imediatamente um aumento salarial. As empresas pagam, os governos ficam com os louros.
E alguns economistas que acham que a procura por trabalho menos qualificado (aquele que é pior remunerado, ao nível do SMN) é inelástica, isto é, o efeito rendimento do aumento do SMN é maior do que o efeito de substituição. Contudo, e como veremos na pergunta 6, a elasticidade estimada para Portugal é negativa.
Não há ninguém contra? Há. Os economistas bandidos sem coração, que procuram abordar estes temas com a frieza e a racionalidade que se exige, e que evitam apelos à emoção daqueles que tentam justificar os aumentos de SMN como uma «questão de dignidade» ou de «bom senso». Esses, por regra, sabem que, pese embora os 20€ ou 30€ adicionais que certamente farão muito falta a quem aufere o SMN, o custo para quem agora receberá 0€ porque não conseguiu emprego é, ainda assim, maior. E esse é um risco muito grande para ser tomado de forma ligeira.
4. Mas o aumento do SMN não gera procura? E isso não é bom?
Quem defende a medida tende a contar a seguinte história: o aumento dos salários leva a que os trabalhadores tenham mais rendimento. Como estes trabalhadores consomem tudo o que auferem, pois não conseguem poupar, o rendimento é imediatamente transformado em consumo, que faz com que as empresas vendam mais, invistam mais e empreguem mais, num círculo virtuoso. E o país foi próspero para sempre.
Se a história se resumisse a isto, estava encontrada a fórmula mágica para o crescimento económico — aumentar o SMN para 2000€ em todos os países pobres. Infelizmente, a história está incompleta, e padece de várias falácias, que são repetidas ad nauseum, incluindo por economistas. Ou melhor, especialmente por economistas.
Não coincidentemente, o exemplo que é frequentemente dado nos livros de macroeconomia para explicar este círculo despesa -> rendimento -> consumo -> despesa começa com uma nota de 20€ que alguém encontrou na rua. Depois, vai ao café e gasta-os. O dono do café tem agora mais 20€, que usa para comprar mais café. E assim sucessivamente, até que do café nascem células fotovoltaicas e robôs biónicos, que orgulhariam Keynes. Esta história não parece algo estranha?
Parece e é. Os 20€ que alguém encontrou na rua não surgiram do nada. Alguém os perdeu. Isso significa que essa pessoa agora já não vai comprar nada com os 20€. Ou seja, o senhor do café tem mais 20€, mas o alfarrabista deixou de vender uma edição antiga do livro Eusébio Macário ou de Amor de Perdição. Transpondo isto para a empresa, o aumento do SMN é um custo directo para a empresa, pelo que esta terá agora menos disponibilidades de capital para fazer outro tipo de investimentos, incluindo comprar mais aos seus próprios fornecedores, e poderá mesmo ter problemas de tesouraria. É importante recordar que muitas empresas dependem de contas caucionadas, sujeitas a elevadas taxas de juro, que os bancos têm reduzido unilateralmente nos últimos anos. Mas o maior efeito nefasto nem é o aumento dos custos, é o impacto do nível de emprego, situação que analisamos na pergunta 6.
Não. Países como a Áustria, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Chipre ou Itália, e mesmo a Alemanha até 2014, não têm SMN. Alguns destes países, contudo, negoceiam o salário mínimo região a região, sector a sector, sendo que muitas vezes ele até desce porque o crescimento estimado será negativo.
Este regime é muito menos lesivo para todos. Diferentes sectores e diferentes regiões têm uma capacidade diferente para pagar o SMN. Como o SMN é pago pelas empresas locais e não por uma transferência do Estado, o impacto será, também ele, local. Ora, se o SMN quase não tem impacto em regiões como Lisboa, cujo salário médio está muito acima da média salarial do país, terão particular impacto em regiões mais pobres, como o Norte ou o Alentejo (cf. P6 – Qual é o impacto negativo do SMN?).
6. Qual é o impacto negativo do SMN?
Do ponto de vista da teoria económica, e excepto em casos muitos particulares em que o o mercado laboral tem características de um monopsónio, os efeitos são claros: o aumento dos preços gera uma diminuição na quantidade procurada. Aplicado ao mercado laboral, isto pode ler-se como o aumento do salário (mínimo) diminui a quantidade procurada. Efeito prático? Aumenta o desemprego. Existem ainda outros spillovers que não estão directamente relacionados com o mercado de trabalho. Por exemplo, um SMN elevado é um incentivo a que muitos jovens desistam do ensino e procurem trabalho, pondo em causa a sua formação.
Existem diversos estudos empíricos que procuram atestar isto para o caso português. Alguns desses estudos são da autoria do actual Ministro das Finanças, Mário Centeno, que enquanto economista e investigador sempre foi muito claro a apontar os efeitos nefastos do aumento do SMN.
Em “The impact of the minimum wage on low-wage earners”, da autoria de Mário Centeno, Cláudia Duarte e Álvaro Novo, os autores olham para o efeito dos aumentos do SMN, entre 2002 e 2010, e observam que por cada aumento do SMN existe uma diminuição do emprego. As conclusões são claras: o aumento do SMN prejudica a estabilidade do trabalho especialmente daqueles que auferem SMN — um resultado previsto na teoria —, compensado apenas com ganhos marginais em termos de salários.
Num outro artigo, “The Impact of the Minimum Wage on Match Stability”, datado de Dezembro de 2014, os mesmos autores estudam o efeito do SMN na rotatividade dos trabalhadores que ganham o SMN em Portugal, e derivam as seguintes recomendações em termos de políticas:
- Aumentar o SMN desincentiva as empresas a criarem postos de trabalho para trabalhadores menos qualificados (i.e., baixa o nível de emprego e trabalhadores sem qualificações são particularmente afectados);
- O efeito de desemprego do SMN pode ser maior do que o seu efeito directo nos salários;
- Rotação excessiva dos trabalhadores, resultado de aumentos do SMN, poderá originar uma redução na formação e experiência dos trabalhadores
O Pedro S. Martins, economista especializado em mercados de trabalho, também chega a conclusões similares no seu artigo “30,000 Minimum Wages: The Economic Effects of Collective Bargaining Extensions”. Ele analisa os efeitos de contratos colectivos de trabalho, incluindo a fixação estatutária do SMN, e conclui que existe uma diminuição na procura de emprego (no mercado de trabalho as empresas procuram trabalho e as famílias oferecem trabalho), um aumento do encerramento de empresas, assim como um aumento do emprego informal.
Finalmente, um outro artigo recente, que resultou de uma cooperação entre a Universidade do Porto e Universidade do Minho, intitulado “Estudo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida em Portugal”, conclui também que os efeitos negativos suplantam os positivos no caso de Portugal. Em particular:
- O efeito sobre o emprego das mulheres é cerca do dobro do encontrado para os homens (i.e., o aumento do SMN agrava desigualdades de género)
- O efeito sobre o emprego dos trabalhadores menos qualificados é particularmente adverso, ultrapassando os 3% (em valor absoluto) em 2009 na categoria de Praticantes e Aprendizes, e de 2% no caso dos Profissionais não Qualificados (resultado que vem em linha com os obtidos por Centeno et al)
- A diminuição do emprego na região Norte devida ao aumento do SMN tenha sido, em 2009 e 2010, superior a 1%;
- Os jovens com idade inferior a 25 anos e, especialmente, os jovens entre os 16 e os 18 anos, sejam os mais penalizados pelo aumento do SMN, sofrendo perdas de emprego muito significativas – acima dos 5% desde 2007;
7. Porque é que o desemprego aumenta quando aumenta o SMN?
Ao contrário do que muitos imaginam, o aumento do SMN não é no desemprego, isto é, as empresas não despedem porque o SMN aumentou, mas sim no nível de emprego, isto é, as empresas contratam menos porque o SMN aumentou. Obviamente que ambos acabam por se cruzar, e a redução na criação de emprego tem como efeito o desemprego.
Porque é que isto acontece? Imagine que tem uma empresa que produz atum em conserva. Um trabalhador pouco qualificado consegue produzir aproximadamente 550 latas por mês, que no final serão vendidas a 1€ cada. Se o SMN estiver fixado em 500€, então ainda lhe compensa contratar este trabalhador, pois o benefício (o que produz) é maior do que o seu custo (o salário). De forma simples, 550€-500€ > 0. Imagine agora que o SMN aumenta para 550€. Continua a compensar contratá-lo? Para esta empresa não.
O que faz então a empresa quanto isto acontece? Substitui os trabalhadores menos qualificados por máquinas (capital). Quando o preço de um dos factores aumenta, a empresa opta pelo outro factor para o substituir. A isto chama-se a taxa marginal de substituição técnica, e explica porque é que países muito desenvolvidos usam muito mais capital do que trabalho (o capital é mais barato do que o trabalho) e países pobres usam mais trabalho do que capital (o trabalho é muito mais barato do que o capital). O que acontece quando o SMN sobe é que o preço do factor trabalho também sobe, pelo que muitas empresas irão comprar mais máquinas.
Mas isso é óptimo, dir-me-ão. É, no longo-prazo e de forma natural. É bom que as empresas adquiram máquinas e consigam produzir bens com mais intensidade tecnológica, assim acrescentando mais valor e obtendo melhores margens. É péssimo se essa transição for administrativa, como com a fixação do SMN, pois as empresas ainda não produzem esses produtos de valor acrescentado, e a transição forçada gerará desemprego.
8. Mas o novo Governo tem um estudo sério que o justifica!
Infelizmente, o que o novo Governo tem não parece ser nem um estudo, nem sério. Pelo que é reportado, o «estudo» tem como base um outro estudo coordenado por Carvalho da Silva, ex-líder da CGTP, a maior central sindical do país, a par com a UGT. Não é o facto de um líder sindical coordenar o estudo e ser parte interessada no processo que o descredibiliza, é o «estudo» em si. Nas 14 páginas do estudo, onde não consta uma única regressão econométrica para tentar quantificar efeitos económicos do aumento do SMN, apenas um exercício de contabilidade simples, a palavra «desemprego», que é o maior efeito gerado pelo aumento do SMN, aparece referida amiúde, e nunca com uma referência directa ao aumento do SMN. Não é, portanto, um «estudo» credível, que contraponha, por exemplo, os anos de trabalho de Mário Centeno na área, que apontam no caminho oposto — o aumento do SMN poderá ter efeitos muito negativos em Portugal.
9. Mas os custos salarais só aumentam 2.9%! Qualquer empresa o suporta!
Outro argumento frequentemente usado para justificar o aumento do SMN é que isso representa um aumento marginal da massa salarial para as empresas. Estimam que um aumento do SMN para 600€ representaria um acréscimo nos custos totais da empresa de de 2.9%. Isto porque, argumentam, a massa salarial representa, em média, 20% dos custos que uma empresa portuguesa tem. A tese é defendida aqui, mas pode ser encontrada também no relatório do Governo e do «estudo» do CES.
Se leu as respostas às perguntas anteriores a esta sabe perfeitamente porque é que este argumento é uma enorme falácia. Se não leu, comecemos com uma analogia. Imagine o caro leitor que se atira de uma ribanceira de 100 metros. A morte é certa, resultado de múltiplas fracturas e traumatismos. Os defensores desta tese, constatando o acontecimento, diriam: «Atentai! A perna direita continua intacta!». Quem usa o argumento do custos da massa salarial ignora olimpicamente os mecanismos através dos quais o aumento do SMN gera desemprego, optando por se focar no menos importante: na perna partida.
Recordando, os efeitos mais nefastos do aumento do SMN não resultam do aumento dos custos salariais. A vasta maioria das empresas terá capacidade para absorver tal aumento. O problema é o efeito agregado na taxa de crescimento do emprego, tal como explicado na resposta à pergunta 7 — “Porque é que o desemprego aumenta quando aumenta o SMN?“.
No entanto, ainda assim poderão não ser desprezíveis, principalmente em sectores exportadores onde os custos unitários do trabalho representem um parte significativa da estrutura de custos destas empresas. Por exemplo, no sector do têxteis ou da hotelaria. Seja como for, a mensagem a reter é que o problema do aumento do SMN não se prende com o aumento dos custos salariais.
10. Mas 500€ não permitem uma vida digna!
Em 2014, o salário médio líquido mensal foi de 984€. A renda de um apartamento T2 no Porto é cerca de 500€ mensais e em Lisboa é ligeiramente superior. Sobrariam, então, 484€ para tudo o resto — despesas de alimentação, vestuário, etc. Tal salário permite «uma vida digna»?
Isto serve para ilustrar que o problema não é o SMN, que aliás reflecte a realidade portuguesa. O problema é a economia portuguesa como um todo ser pouco competitiva e produtiva, não gerando rendimento suficiente para um aumento generalizado das condições de vida dos portugueses. E esse crescimento e prosperidade não se alcança com fixações administrativas de salários nem com soluções milagrosas decretadas em Diário da República. Quando lhe disserem que a solução é simples e que basta «devolver rendimentos aos portugueses», desconfie sempre. Das duas uma: ou o país produz esses rendimentos ou tem de pedir emprestado ao exterior. Não existe uma terceira opção.
11. Mas uma transferência do «capital» para o «trabalho» é algo positivo!
Existe um enorme equívoco sobre entre que agentes económicos se dá a transferência de rendimentos quando o salário mínimo aumenta. Muitas pessoas acham que a transferência ocorre das empresas (o capital) para os trabalhadores (trabalho). A nível micro isto é inteiramente verdade. Atente-se à seguinte figura:
No entanto, o efeito macroeconómico é diferente. É aliás irónico que tenha sido Keynes o primeiro economista a alertar para a falácia da composição: efeitos micro podem ter resultados diferentes quando agregados, isto é, numa perspectiva macro.
O que efectivamente acontece quando agregamos este efeito é que a transferência mais significativa não é entre capital e trabalho, mas sim entre trabalho e trabalho, em particular daqueles que agora não conseguirão obter o emprego (e que, como tal, terão um salário de 0€), para aqueles que agora terão um aumento ou para aqueles que farão horas extra para evitar contratar um novo trabalhador. Note-se que também existe uma transferência para os detentores de máquinas (capital), no sentido em que os empresários procurarão agora adquirir mais capital para substituir o factor trabalho, tal como explicado na pergunta 7 da FAQ sobre o Salário Mínimo Nacional.