Estado, estado e mais estado

Depois do devaneio de cunho estatista de Emmanuel Macron em carta aberta a todos os cidadãos europeus (aqui a versão portuguesa), esperemos que o raciocínio de Matthew Lynn apresentado neste artigo no The Spectator se verifique certeiro.

It is hard to believe anyone can seriously believe that yet more protectionism, state investment, expensive labour laws and intrusive regulation are any kind of a recipe for the European economy.

Mais um que não engana

Marinho Pinto em entrevista ao Observador:

Nós no PDR estamos a estudar a possibilidade de instituir um salário máximo nacional.
Admite que possa haver pessoas numa empresa e que ao fim do ano recebam dois milhões de euros? Um dos objetivos políticos fundamentais de um partido republicano é eliminar as desigualdades em Portugal. E o que é escandaloso nem é tanto os baixos salários que se praticam. O que é obsceno em alguns casos são os altos salários com que as elites se remuneram a si próprias.
Pessoas que recebem num ano o que as pessoas que recebem mil euros (ao mês) receberiam em 180 ou 200 anos. Eles não acrescentam valor que justifique essas remunerações.

Da minha parte, a resposta à primeira questão é sim, claro que sim. Mas só em empresas privadas, já que nas públicas não confio que o estado/governo assegurasse que o proveito extraído do trabalho dessa pessoa seria superior à remuneração paga. Em empresas privadas, esse controle é naturalmente exercido por accionistas/credores que, achando disparatado, não investem/financiam.
Para além de carregado de chavões populistas (as elites, o ganhar num ano o que os pobres trabalhadores ganham em 200), o discurso de Marinho Pinho não consegues esconder o socialismo/estatismo que consciente ou inconscientemente o guia. Ele está presente na vontade de eliminar as desigualdades nivelando por baixo, na preocupação com o que os privados fazem entre si de livre vontade e na arrogância com que se julga saber mais e melhor do que os envolvidos.

O Jorge Jesus que se cuide…

PS: Informo que segui à risca o referido pelo próprio no site do PDR: “Nunca acredites no que dizem que eu disse, mas acredita sempre, naquilo que me ouviste dizer…” (vírgulas de acordo com o original)

Crescimento vs política de crescimento

“O mal-entendido” de João César das Neves (Diário de Notícias)

É espantoso mas muitos dos que afirmam com clareza a urgência de promover o crescimento e criação de emprego, logo na frase seguinte se põem a falar de outro tema, propondo medidas e intervenções que não só pouco têm a ver com a dinâmica produtiva, mas até a prejudicam.(…)

Promover crescimento é, segundo eles, dar subsídios (que implica impostos que oprimem a economia), criar incentivos (que distorcem o dinamismo e rigidificam a estrutura), fazer planos (que estabelecem clientelas e prejudicam negócios), ajudar sectores (que perpetua favores e encarece produtos). Esta foi precisamente a política seguida pelos sucessivos ministérios que nos trouxeram à crise. Eles achavam saber melhor que a sociedade o que havia a fazer, e o resultado está à vista. A década perdida da economia portuguesa, que já se aproxima de década e meia, foi o mais intenso período de política de crescimento da nossa história. Isto não constitui um paradoxo pelo simples facto de que crescimento económico não é política, mas economia.

A razão deste mal-entendido não é distracção ou ignorância. O motivo é que grande parte daqueles que exigem crescimento têm uma agenda própria, que pretendem mascarar de progresso.(…) Esses, mesmo que o crescimento nunca chegue a ser promovido, já receberam o seu. O que eles querem não é crescimento mas política de crescimento.

Government failure

A propósito do gigantesco blacktout que ontem afectou cerca de 670 milhões de pessoas na India.

No New York Times

Surendra Rao, formerly India’s top electricity regulator, said the national grid had a sophisticated system of circuit breakers that should have prevented such a blackout. But he attributed this week’s problems to the bureaucrats who control the system, saying that civil servants are beholden to elected state leaders who demand that more power be diverted to their regions — even if doing so threatens the stability of the national grid.(…)

India’s power generation capacity also has not kept pace with growth. Demand outpaced supply by 10.2 percent in March, government statistics show. Continue a ler “Government failure”

#cpms – uma agenda

Sócrates afirmou hoje que a união civil registada é “uma discriminação ofensiva” pois “quase inútil nos seus efeitos práticos”, contrariamente ao projecto do PS que “repara, de facto, uma injustiça” e reconhece “direitos a cidadãos a quem eram negados”. Tendo em conta que a união civil registada confere a mesma protecção jurídica que o casamento entre pessoas do mesmo sexo (cpms) proposto pelo PS, Sócrates deve certamente estar a falar de outro tipo de ”direitos” quando se refere à discriminação que a união civil instaura. Sócrates e a esquerda em geral.

O tipo de críticas tecidas à proposta do PSD é apenas uma confirmação da intenção que guiou o debate sobre o cpms na comunicação social e na blogosfera. O que suporta as reivindicações dos que defenderam o alargamento da figura de casamento às pessoas do mesmo sexo não é, como foi publicitado, meramente a igualdade de apoio jurídico, o acesso a direitos que reconheçam uma plena comunhão de vida entre duas pessoas do mesmo sexo, em suma, a protecção do Estado (caso fosse esse o objectivo, não haveria razão para apontar o carácter discriminatório da união civil registada dado que esta nova figura jurídica resolve esses problemas). A luta não era por um estatuto jurídico, mas sim por um estatuto moral. Aceder ao simbolismo do casamento (ainda que, contra-senso, não à totalidade das suas implicações no que toca ao direito de filiação por adopção previsto na Constituição  – instaurando, aí sim, uma discriminação jurídica), é exigir, pela força da lei, que aquilo que é da esfera da moral se reduza à esfera do legal.

Esta diluição da sociedade no Estado explica também a aversão à ideia de que a questão pudesse ser referenciada: na lógica progressista a moral resume-se a um assunto sobre o qual cabe ao legislador decidir, não representando a sociedade civil mais do que um grande aluno que é preciso educar (e cujas convicções morais são desprezadas).

O problema é que, contrariamente ao que os defensores da lógica estadista pregam, o casamento enquanto instituição social não é meramente a possibilidade de união entre duas pessoas, mas sim uma união que goza de reconhecimento social, pelo simbolismo que acarreta, como fonte estruturante da unidade familiar que compõe as comunidades e, consequentemente, a sociedade. Em certo sentido, o casamento não é apenas um contrato entre duas pessoas mas sim entre um casal e a comunidade, ou a família alargada, numa lógica de protecção recíproca que serve a segurança da unidade familiar, sustentáculo da sociedade. No caso do casamento civil, o Estado apenas serve o propósito de assegurar que o contrato seja de facto cumprido. Assim sendo, legislar no sentido do Estado se imiscuir nas estruturas mais básicas que fundamentam essa instituição (erradicando a noção de família que se segue da possibilidade de filiação/adopção) é desvirtuar conceptual e moralmente a noção de casamento, transformando-a em algo que nunca foi: uma união solipsista.

O discurso de Sócrates na AR, que diz compreender e respeitar “os sentimentos de todos aqueles que não acompanham esta mudança. Mas quero assegurar aos que assim pensam que esta nova lei em nada prejudica os seus direitos, nem as suas crenças”, é mais um dos seus habituais exercícios de retórica falsamente sentimentalistas e essencialmente condescendente. Não é de todo verdade que as crenças dos portugueses ficam salvaguardadas pelo enfraquecimento da base conceptual que sustinha a ideia de casamento como associada à de família; e pode apenas interpretar-se como hipócrita o “respeito” que Sócrates nutre pela sociedade portuguesa, cujos “sentimentos” teriam ficado perfeitamente salvaguardados pela opção na criação de uma figura jurídica que solucionasse os problemas de direito e preservasse as crenças de moral.