
Em mais uma edição polarizada do Prós & Contras, habilmente rotulada de Prós & Prós por quem o contraditório tem valor não apenas retórico mas moral, emitido numa televisão que se diz pública, surgiram duas interessantes discussões que merecem continuidade. A primeira derivou da referência do Ricardo Arroja a uma possível inconstitucionalidade dos défices primários. A segunda, não menos importante, está ligada a um paradoxo económico que Ricardo Paes Mamede enceta e que é bem recebido pela ala canhota. A ideia de que não é a redução de impostos que incentiva o investimento, mas antes a expectativa da procura futura (aferida via inquéritos elaborados pelo INE).
Elaborada teoria do investimento esta que ignora que numa perspectiva macroeconómica o investimento é, antes de mais, função do rendimento disponível (ex post) e da taxa de juro, isto é, I = f(R, i). Ora, se é função do rendimento disponível, e dado que o rendimento disponível é função da carga fiscal, ergo, por transitividade, o investimento privado é função da carga fiscal. O que não é tão fácil perceber é como é que a procura agregada conjuntural afecta investimentos de médio e longo prazo. Ricardo Paes Mamede parece ter confundido, antes de mais, procura individual com procura agregada. Se decidir abrir um restaurante de pernil de porco em Israel ou no Líbano, obviamente que é importante antecipar a procura individual daquele bem. Que será provavelmente reduzida, fica a dica. No entanto, no agregado, num investimento com um prazo temporal de 5, 10 ou 15 anos atenta menos à procura agregada conjuntural, que acabará por convergir para a tendência, do que à procura individual que, para além de ser causa diminuta, era mesmo irrelevante para a discussão. Caso assim não fosse, nenhum país subdesenvolvido iria alguma vez crescer por iniciativa privada excepto exportando, dado que a procura agregada no período presente é reduzida. Mais a mais, o único investimento em que a procura agregada poderá ser relevante para o agente económico é aquele que Portugal tem em excesso — investimentos com payback curto, de bens não transacionáveis e de pouco valor acrescentado. Restaurantes e padarias. Adicionalmente, na variação de stocks, também pouco relevante.
Dado tratarem-se de académicos, deixo um working paper publicado no NBER com autores do Banco Mundial e de Harvard, intitulado “The Effect of Corporate Taxes on Investment and Entrepreneurship” e que sumariza bem o ponto: “For example, a 10 percent increase in the effective corporate tax rate reduces aggregate investment to GDP ratio by 2 percentage points. Corporate tax rates are also negatively correlated with growth, and positively correlated with the size of the informal economy. “
Quanto à questão da (in)constitucionalidade, parece-me que o Alexandre Abreu não percebeu o alcance do que estava em causa. Estava em causa — e está — que a Constituição é, mesmo entre juristas e constitucionalistas, um texto díspar, de dúbia e difusa interpretação que proclama direitos que exigem economia mas não requerem sustentação económica. Não é uma Carta Magna e não é a Constituição dos Estados Unidos que declara princípios que são, agradeçamos a Thomas Jefferson a inerência da Declaração de Independência, clarividentes.
Recordemos, pois, que a Constituição do Estado de Michigan declarou a falência de Detroit inconstitucional dado que implicaria uma redução nos benefícios dos pensionistas. Uma singular demonstração de que uma lei não tem de, mas deveria, obedecer — e a portuguesa não obedece certamente — a critérios económicos. E, assim sendo, talvez seja de reconsiderar o seu estatuto de plenário e reenquadrá-la, então, na prateleira de ficção política.