Partilho neste post o texto absolutamente essencial do Carlos Guimarães Pinto, ex-presidente da Iniciativa Liberal, sobre as consequências da crise actual:
Têm-me perguntado algumas vezes a minha opinião sobre as consequências da crise. Vamos lá fazer uma análise o mais factual possível dadas as circunstâncias:
– Com a actual política de isolamento a capacidade produtiva do país está reduzida. Cálculos por alto, em cerca de 1/3. Ou seja, por cada dia de isolamento devemos estar a perder 0,1% do PIB anual.
– A queda do produto leva por definição à queda do rendimento. Não há como escapar à matemática. São menos 200 milhões de rendimento por dia de isolamento, 20€ por português.
– A questão é como essa perda será repartida.
1. Pode recair mais sobre os trabalhadores sob a forma de desemprego. Trabalhadores sem contratos fixos tenderão a ser dispensados. Aqui incluo aqueles que em teoria são empresários, mas que na realidade são apenas trabalhadores por conta própria. Isto exigirá uma rede de segurança importante porque muitos, especialmente os mais precários, poderão cair nas malhas da pobreza em pouco tempo.
2. Pode recair mais sobre as empresas. Isto pode parecer tentador politicamente porque as empresas não têm rosto. No entanto, se recair sobre as empresas perde-se capacidade de recuperação. Se obrigarmos empresas a manter empregos sem produzir, muitas irão à falência e outras ficarão sem capacidade de investimento. Isto afectará negativamente as possibilidades de recuperação.
3. Pode recair sobre a máquina do Estado, algo improvável dadas as condicionantes políticas e constitucionais. Mas se se prolongar por muito tempo duvido que essas condicionantes sejam suficientes.
4. Pode recair sobre aqueles que continuam a produzir sob a forma de impostos mais altos para subsidiar quem deixou de produzir. Parece-me provável que aconteça, mas também isto irá limitar a possibilidade de recuperação.
5. Podemos usar a almofada financeira que os superavites dos últimos anos ajudaram a acumular (ahahah, apanhei-vos, foi só para relaxar, este post estava demasiado sério)
6. Podemos ter a expectativa de recair sobre os nossos parceiros europeus. Uma parte certamente irá recair. Mas não nos podemos esquecer que eles irão atravessar crises semelhantes e dificilmente estarão disponíveis para grandes ajudas porque os povos de cada país irão questionar a conveniência de estar a ajudar outros países quando eles próprios estão a atravessar uma crise.
– No final não há boas soluções. Se recair mais sobre os trabalhadores teremos situações graves de pobreza. Se for sobre as empresas ou sobre a parte da economia que continua a produzir, a recessão demorará mais tempo e o rendimento irá cair mais. Os próximos tempos serão de muita luta política para distribuir estas perdas.
– A única forma de aligeirar o impacto é levantar o isolamento. Aqui há 3 considerações:
1. Temos que fazer uma análise de risco. Aqui não vale a pena ser lírico: não é só salvar vidas que está em causa. Se fosse já teríamos proibido os automóveis que matam centenas por ano. Se fosse, estaríamos em isolamento todos os anos para evitar as mortes pela gripe normal. Nós aceitamos que a vida tem riscos, que viver é a grande causa de morte e não deixamos de viver por isso.
2. A crise económica também tem um custo em termos de número de vidas. Isso está estudado. Entre stress, pior alimentação e negligência de cuidados de saúde, durante crises económicas a mortalidade tende a crescer.
3. Por outro lado, quebrar o isolamento também tem custos económicos. Quebrar o isolamento com o vírus à solta continuará a limitar a produção. Certamente não resolveria toda a perda de rendimento. Com ou sem isolamento, o turismo irá sofrer, por exemplo.
Até ser encontrada uma cura ou uma vacina, é esta a situação: perdemos 200 milhões de euros de rendimento por dia para diminuir o risco. Essa perda acabará dividida por todos. Esta não é altura de entrar em lirismos e deixar de fazer análises custo-benefício. Aliás, nunca houve uma altura mais importante para as fazer.