Esquizofrenias ou o (miserável) estado da oposição

Apesar de António Costa repetidamente afirmar que a austeridade não será a resposta à pandemia, os portugueses simultaneamente (i) não acreditam e (ii) pretendem reelegê-lo primeiro-ministro.



A ética republicana da geringonça e as casas ardidas que pagam IMI

Costa a abraçar uma contribuinte passiva cuja casa ardeu num incêndio florestal e que acaba de chegar da repartição das finanças, onde pagou o IMI.  A contribuínte não tem casa mas cumpiu o dever patriótico e cívico. Não tem nada a ver com os figurantes, a Aximage e o focus group. 

 

Ontem choquei de frente com este tweet da Margarida B. Lopes.  E pensei: mesmo para a evidente falta de nível político, ético e moral da geringonça, é mau demais para ser verdade. Erro meu.
Pelo menos 110 pessoas morreram, vítimas de incêndios florestais. Milhares ficarem sem sustento, sem nada. E o que fazem o PS, o BE e o PCP a propósito de uma iniciativa do PSD de isentar de IMI (referente a este ano e ao próximo) as pessoas que perderam as casas (prédios urbanos, rústicos e industriais)? Chumbam a proposta dos sociais-democratas, obrigando estas vítimas a pagarem IMI sobre imóveis que foram destruídos pelos fogos.
Por uma questão de higiene, vale a pena seguir a discussão na página da Margarida B. Lopes.
E para os mais distraídos em geral e em particular, aos deputados nacional-socialistas de rosto humano, a autora do tweet relembra que existem várias propostas da geringonça para isenções de IMI no OE 2018 e aprovadas na Assembleia da República.
Em resumo: a geringonça não aprovou a medida proposta pelo PSD porque entendeu não o fazer. Em jeito de conclusão: a decisão da geringonça mesmo levando em linha de conta os baixos padrões da geringonça, é monstruosa.
Às criaturas do PS, Bloco de Esquerda e do Partido Comunista que de livre vontade o fizeram, desejo que seja insuportavelmente pesada a terra que levarão em cima.

Que significa “se as eleições fossem hoje”? (2)

Convém relembrar o que “diziam” as sondagens cerca de um ano antes do governo PS levar o país à beira da bancarrota e ter de pedir um resgate (meus destaques). Em 2010:

Quase 60% dos portugueses acham que José Sócrates mentiu no Parlamento sobre o seu desconhecimento do negócio PT/TVI.

(…)

Mas nem essa “mentira” nem a alegada ligação de José Sócrates a escândalos recentes lhe retiram condições para governar. Aliás, se as eleições fossem hoje, o PS voltava a ganhar e reforçava mesmo a sua votação, ficando à beira da maioria absoluta.

As eleições afinal não foram naquele dia da sondagem. Acabaram por ter lugar no ano seguinte (2011) e PS nem esteve próximo da maioria absoluta.

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Que significa “se as eleições fossem hoje”?

«Se as eleições fossem hoje». Esta é a habitual introdução das sondagens sobre as preferências políticas dos inquiridos no momento. Nesta última o PS estaria próximo da maioria absoluta.

Porém, considerem o seguinte: uma legislatura tem duração de 4 anos. Ainda só passou 1 ano. Se as eleições fossem hoje algo teria acontecido para Governo de António Costa ter caído em desgraça. Com tal em mente, se as eleições fossem hoje acham que estaria mesmo PS próximo da maioria absoluta?

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Torturando os números

Os grandes meios de comunicação social e as elites comentadeiras tiveram um grande choque com a vitória de Donald Trump nas eleições da passada semana. O resultado não seguiu o guião martelado até à exaustão pelos próprios, cujo viés foi o maior de sempre. Efectivamente, estamos perante uma surpresa; não tanto pela vitória de um candidato republicano, partido supostamente em vias de se tornar inelegível pela demografia, mas pela derrota dos fazedores de opinião, que não conseguiram fazê-la.

Olhando para as estatísticas, pretendeu-se criar a ideia que Trump tinha um eleitorado branco, masculino, pouco educado e revoltado; e que tal eleitorado seria sempre insuficiente para a vitória. Este maniqueísmo impediu os analistas de ver que milhões de negros, hispânicos, mulheres, diplomados e cidadãos perfeitamente pacatos também votariam nele. Ou, possivelmente, em qualquer outro republicano.

As sondagens à saída das urnas realizadas pela Edison Research ajudam a perceber o que se passou. A maior parte das notícias que têm saído a esmiuçar a votação de dia 8 usam os dados da Edison Research para tirar conclusões. Exemplos no Washington Post e no Pew Research Center.

Tal como o saber convencional dos media afirmava, Trump teve mais apoio entre homens que mulheres, entre brancos que negros ou hispânicos, entre não-diplomados que diplomados. Mas no fim do dia, a visualização dos gráficos mostra de imediato que o resultado é a continuação de uma tendência. Barack Obama teve um resultado excepcional em 2008. Conseguiu tirar da abstenção milhões de votos de pessoas que nunca haviam votado. Em 2012, conseguiu menos e, em 2016, Hillary Clinton conseguiu menos ainda.

A tendência de queda dos democratas, presumivelmente desiludidos pela presidência de Obama, pela própria Clinton, ou simplesmente desmotivados depois do interesse passageiro que as eleições de 2008 proporcionaram, deveria ter levado a uma vitória ainda maior dos republicanos. O facto de isto não ter ocorido é que é a coisa interessante que se retira dos números.

A vitória republicana não foi maior pelo único efeito gritante contra-tendência que se verifica na sondagem da Edison Research: Mais mulheres votaram democrata em 2016 que em 2012. Se as mulheres tivessem seguido o ciclo político de forma igual aos homens, Trump teria tido uma vitória tão esmagadora como Obama sobre McCain. É possível que este efeito no eleitorado feminino resulte de Clinton ser mulher. Ou que a estratégia democrata de enfocar a propaganda nas alegações de assédio sexual sobre Trump tenha assustado o eleitorado feminino. Ou que as duas coisas tenham tido influência.

Independentemente das causas, a verdade é que este “efeito feminino” tem grande valor explicativo na evolução da demografia dos eleitorados republicano e democrata. Sendo certo que negros e hispânicos votam mais democrata que republicano, fizeram-no menos em 2016 que no passado. Já o aumento da votação democrata entre diplomados deve-se quase exclusivamente ao aumento da proporção de mulheres que assim votaram. Não é portanto uma verdade inquestionável que o eleitorado de Clinton seja mais educado que o de Trump* (embora até possa ser, marginalmente). Ele é, acima de tudo, mais feminino**.

* A título de exemplo: A proporção de negros licenciados a votar Trump é muito maior que a proporção de negros não licenciados que o faz.
** Dentro do eleitorado feminino há um efeito curioso: Mulheres casadas votam em Trump e Clinton de forma quase igual (49-47). É entre mulheres solteiras que a diferença se nota (62-33). É possível que esta diferença ajude a explicar parte da vantagem de Clinton no segmento jovem (18-29), se assumirmos que a proporção de mulheres solteiras é maior neste grupo etário.