Meu artigo sobre John Nash para o IMB:
Autor: Claudio Andrés Téllez Zepeda
A ver navios
Quando um navio naufraga, é importante afastar-se rapidamente, para não ser puxado para baixo. O navio chinês já começou a adernar. O que acontecerá com o bote brasileiro, que insiste em não sair de perto? Aguardemos…
Mises: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
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Black Friday
Alguém ainda acredita em Black Friday no país da “malandráááji”? Black Friday Brasil: tudo pela metade do dobro!
O Bárbaro Vitoria e os Intelectuais Civilizados
Em uma palestra proferida no dia 16 de maio de 1944, Leo Strauss discorreu acerca de como estudar filosofia medieval. Na ocasião, Strauss deixou claro que o papel do historiador do pensamento é tentar entender os autores do passado exatamente como eles entendiam a si mesmos. Ora, entender um autor tal como ele entendia a si mesmo não é uma tarefa fácil. Afinal de contas, já é extremamente difícil colocar-se no lugar do outro quando estamos frente a frente e tentamos compreender as ideias de nosso interlocutor para o bom andamento de um debate. É mais difícil ainda quando a separação, além de espacial, também é temporal. No entanto, não há outra saída: ou tentamos entender os autores do passado tal como eles se entendiam, ou, ainda de acordo com Leo Strauss, abandonamos o único critério praticável de objetividade.
Considerar que recorremos ao passado para validar, sustentar ou legitimar nossas ideias do presente já é uma postura preconceituosa: é a afirmação, implícita ou explícita, de que o presente é melhor do que o passado. É o que ocorre quando alguém considera-se capaz de interpretar um autor do passado melhor do que ele entendia a si próprio, já que, no espaço de tempo que nos separa daquele autor, nosso pensamento teria necessariamente avançado, conceitual e culturalmente. Mais ainda: quando um teórico ou acadêmico do presente está plenamente convicto da Verdade presente nas ideias que defende (ou em favor das quais milita), então ele passa a ver tudo o que nossos antecessores produziram como meras etapas inferiores em um processo evolutivo-progressivo que chega ao ápice na sua própria ideologia e conjunto de concepções. Dessa maneira, por exemplo, quem interpreta o mundo à luz de uma inevitável dialética de luta de classes, termina interpretando os filósofos gregos do período clássico a partir desse marco conceitual; ou quem considera “óbvio” que identidades são necessariamente constituídas por diferenças, conseguirá enxergar esse movimento teórico presente até em historiadores da antiguidade, como Heródoto.
A postura arrogante de que nós somos mais “esclarecidos” do que nossos antecessores leva, ainda, à preguiça intelectual. Se alguém já considera que seu arcabouço teórico-conceitual é mais avançado do que o de autores do passado, então por que dar-se ao trabalho de tentar colocar-se no espaço e no tempo de tais autores? Em situações como essa, a motivação para estudar a história do pensamento não decorre de um compromisso com o conhecimento, mas sim do comprometimento com uma ideologia. Tal posicionamento leva a inevitáveis abusos interpretativos, a distorções conceituais e à perpetuação de mitos.
Não é exagero dizer que o século XVI é um marco para o início da modernidade. É um longo século que compreende a descoberta e colonização de vastos territórios até então desconhecidos pelos europeus. Além disso, é o século que compreende também a Reforma protestante e os primórdios da Revolução Científica. Podemos ainda acrescentar a conclusão da Reconquista e o desenvolvimento do Humanismo. À luz de tantos acontecimentos históricos, sociais e culturais, o contato com seres de aparência humana, porém de hábitos muito distintos dos povos europeus, colocou a “questão indígena” em posição de destaque nos debates intelectuais do Renascimento ibérico. A partir das disputas em torno do tema da humanidade dos ameríndios, lançaram-se as bases para o ulterior desenvolvimento do direito internacional e surgiram as primeiras teorias modernas da guerra justa.
O estudo objetivo do pensamento do século XVI é, ademais, um excelente começo para desmistificar crenças contemporâneas a respeito dos acontecimentos na época colonial. O processo de conquista e colonização das Américas envolveu, obviamente, a participação direta de representantes do Clero. Mas como foi essa participação? Não há sombra de dúvida de que a Igreja Católica enviava missionários para destruir as culturas indígenas e forçar os nativos à conversão, não é mesmo? Somente alguém muito ingênuo defenderia a ideia de que não havia uma exploração sistemática do trabalho dos índios, com apoio da Igreja, não é? Vejamos…
O processo de conquista não foi incruento. O autor Lewis Hanke conta que, em 1511, os ameríndios eram escravizados, roubados e assassinados em Hispaniola. Antonio de Montesinos, frei dominicano, indignou-se com a situação e defendeu os indígenas, afirmando que eles possuíam almas racionais e que seria um dever dos espanhóis amá-los como a si mesmos. Mais ainda, posicionando-se explicitamente contra a escravização dos indígenas, em 1537 o papa Paulo III proclamou a Bula Sublimus Dei, na qual estabeleceu que os índios não podiam ser tratados como “brutos a nosso serviço” e deixou claro que, tanto os índios americanos quanto quaisquer outros povos que pudessem ainda vir a ser descobertos não poderiam ser privados da liberdade e das suas propriedades, e jamais poderiam ser escravizados, mesmo que permanecessem fora da fé de Jesus Cristo.
O pensador mais representativo do Renascimento espanhol que se posicionou a respeito da questão indígena foi o teólogo dominicano Francisco de Vitoria (1483–1546). Vitoria estudou na França, onde voltou-se para o pensamento tomista. Ao levar o tomismo para a Espanha, fundou a Escola de Salamanca, ou Escola Espanhola da Lei Natural. Vitoria e os demais pensadores católicos da Escola de Salamanca utilizaram o pensamento tradicional e os ensinamentos de Sto. Tomás de Aquino para lidar com as transformações políticas, econômicas e sociais do início da modernidade. Já que eles aplicaram o pensamento tomista aos problemas de seu tempo, ao invés de adaptarem o tomismo para as suas necessidades contingenciais, é mais correto referir-se a eles como “tomistas tardios” e não como “neotomistas”.
Um erro grosseiro que ainda se propaga a respeito de Vitoria é a ideia de que ele teria defendido que, caso os indígenas não aceitassem a conversão ao Cristianismo, isso já seria, por si só, motivo suficiente para uma guerra justa contra eles. Afinal de contas, os espanhóis levavam o Evangelho àqueles povos bárbaros e, quando eles rejeitavam a Palavra, tornavam-se inimigos da Cristandade. Como não exterminá-los ou escravizá-los diante de tal afronta aos esforços de evangelização?
O problema com o “argumento” do parágrafo anterior é que Francisco de Vitoria, como qualquer bom teólogo católico, jamais atropelaria o livre-arbítrio dos nativos. Os espanhóis tinham, sim, o direito de pregar o Evangelho aos índios. Mas os índios também tinham o direito de rejeitá-lo. Enquanto seres humanos dotados de razão natural, os indígenas não eram moralmente inferiores aos europeus. A razão natural permitia-lhes distinguir entre o certo e o errado, e a lei natural conferia-lhes o pleno direito de escolha. Logo, já é uma aberração – sem nenhuma base teológica! – afirmar que a não-conversão teria sido razão suficiente para massacrar ou escravizar os nativos americanos… e mais grotesco ainda é afirmar que um teólogo tomista do século XVI teria defendido tal posição.
Há, ainda, uma outra interpretação contemporânea do pensamento de Vitoria, bem mais sutil e menos grosseira do que a que acabei de expor (mas não menos distorcida). Ela consiste na ideia de que Vitoria substituiu a escravidão natural aristotélica pelos rudimentos do que viria a ser, no período moderno, uma teoria do desenvolvimento, de acordo com a qual os indígenas, por estarem situados em um estágio anterior da humanidade, deveriam ser tutelados pelos espanhóis. Dessa maneira, os espanhóis, justamente por estarem mais próximos da Verdade, e por já viverem na civilização (em contraste com a barbárie), teriam a obrigação moral de guiar os indígenas para o caminho correto. Isso evitaria a interpretação ingênua de que as guerras contra os indígenas eram justificadas pela rejeição do Evangelho, colocando em seu lugar a ideia de que o desenvolvimento e a modernização seriam a solução, na época, para o problema da diferença.
Sob essa ótica interpretativa, Francisco de Vitoria caracteriza sistematicamente os indígenas em um patamar inferior de uma hierarquia graduada na Criação, vivendo em um estado de desordem social e religiosa, decorrente de uma falta de sintonia com a Lei Natural. O objetivo de Vitoria, para esses autores, seria encontrar uma justificativa moral e teológica para a conquista da América. Para isso, a separação horizontal/ôntica entre os europeus e os ameríndios seria substituída por uma separação vertical/temporal: em vez de escravos naturais, os nativos americanos seriam como crianças, a serem ensinadas e preparadas para a vida “civilizada” pelos colonizadores cristãos. No centro dessa análise, temos a transposição, da contemporaneidade ao século XVI, da ideia “inquestionável” de que identidades são constituídas por diferenças. Como o próprio Ius Gentium de Vitoria torna difícil sustentar uma separação “Self-Other” em termos espaciais, já que ele entendia o mundo como uma reunião de povos distintos a serem respeitados em suas particularidades, então essa separação “Self-Other” deveria existir necessariamente no tempo. É a única dedução possível a partir do axioma da relação constitutiva entre identidades e diferenças.
Mais ainda, interpretar a questão indígena do século XVI como uma “teoria do desenvolvimento” cai no problema do recurso ao passado para legitimar posturas teóricas do presente, consideradas mais avançadas e mais esclarecidas do que o pensamento do fim do período medieval e do início da modernidade. É no mínimo divertido constatar que grande parte dos autores contemporâneos, em áreas tais como Filosofia, Teoria Política ou Relações Internacionais, condenam com convicção, em nome do politicamente correto, toda e qualquer postura evolucionista, devido ao espectro do “darwinismo social” (que de darwinismo não tem nada!); mas, ao mesmo tempo, consideram um sentido evolutivo progressivo no pensamento: os problemas e as soluções dos nossos antepassados intelectuais eram pueris e ingênuas, enquanto o que se pensa atualmente representa o esclarecimento e o progresso. Em termos de ideias, os autores medievais e do início da modernidade são tratados como verdadeiros bárbaros intolerantes, pois a tocha do progresso e da civilização intelectual está nas mãos dos autores representativos do movimento pós-virada linguística, esclarecidos arautos do relativismo moral como princípio inquestionável e inabalável de tolerância e fraternidade. Isso é, no mínimo, irônico, pois já em Vitoria existe a ideia de tolerância como base para as relações entre os povos, e isso mais de cem anos antes de Westphalia.
Mais do que nunca, estamos diante da necessidade de acatar o conselho de Leo Strauss e devemos fazer um esforço para tentar entender os autores do passado tal como eles se entendiam. Vitoria não pensava em termos de identidades e diferenças. Vitoria tampouco enfrentava o problema de tentar legitimar a conquista espanhola dos territórios americanos. Ao abordar a questão indígena, o fundador da Escola de Salamanca tinha por objetivo analisar, à luz da doutrina de Sto. Tomás de Aquino, os abusos que eram denunciados pelos missionários a respeito do tratamento dos ameríndios, bem como suas implicações morais.
Ao contrário de considerá-los moralmente inferiores ou atrasados, Vitoria afirmava que os indígenas americanos faziam uso da razão e eram perfeitamente capazes de distinguir entre o certo e o errado. Mais ainda, Vitoria comparou os indígenas com os europeus, e fez questão de esclarecer que, mesmo na Europa “civilizada” não havia poucos indivíduos que se comportavam de maneira deplorável: “Por lo que creo que el que nos parezcan tan idiotas y romos, proviene en su mayor parte de la mala y bárbara educación, pues tampoco entre nosotros escasean rústicos poco desemejantes de los animales” (“pelo que acredito que o fato deles parecerem tão idiotas e estúpidos deriva, em grande parte, da sua educação precária e bárbara, pois tampouco entre nós faltam os rústicos que são pouco dessemelhantes dos animais”).
Quando os indígenas estivessem em pecado, e fora do estado de salvação, aí sim os europeus cristãos teriam a obrigação apostólica de orientá-los, porém “si solamente de ese modo se propone la fe a los bárbaros y no la abrazan, no es razón suficiente para que los españoles puedan hacerles la guerra, ni obrar contra ellos, por derecho de guerra” (“se somente desse modo propõe-se a fé aos bárbaros e eles não a abraçam, isso não é razão suficiente para que os espanhóis possam ir à guerra contra eles, nem agir contra eles por direito de guerra”). Ora, essa orientação não deve ser interpretada como o exercício de um direito de tutela sobre seres incapazes, dado que Vitoria deixa bem claro que os indígenas são seres humanos plenamente dotados de razão natural, capazes de distinguir entre o certo e o errado e, mais ainda, totalmente livres para fazer suas escolhas, pelo inviolável direito ao livre-arbítrio. Vitoria não afirma a superioridade moral dos espanhóis. Ele defende, sim, a vocação apostólica e a necessidade de anunciar o Evangelho aos ameríndios, mas isso não deve ser confundido como a afirmação de um “direito de tutela” e menos ainda como a defesa de uma superioridade civilizacional dos espanhóis sobre os ameríndios.
A interpretação do pensamento de Vitoria como uma tentativa de justificar a conquista da América por outros meios, através do estabelecimento de uma separação temporal que situa os indígenas na infância da humanidade, ao mesmo tempo em que afirma aos espanhóis a obrigação moral de tutelá-los e conduzi-los à civilização cristã, é, portanto, uma descaracterização do seu pensamento, que somente faz sentido para quem aplica dogmaticamente, ao século XVI, as teses historicistas, economicistas, perspectivistas e desenvolvimentistas do presente. Além disso, tal interpretação caracteriza o pensamento contemporâneo como o apogeu de uma pretensa civilização intelectual, estabelecendo assim um sentido evolutivo e progressivo que situa os autores do passado na infância do pensamento e os autores contemporâneos na maioridade civilizada e esclarecida.
O tomismo tardio da Escola de Salamanca foi um movimento intelectual que, no século XVI, lançou as bases para o desenvolvimento intelectual da modernidade. Não é exagero afirmar que a Economia Liberal, o Direito Internacional e as Relações Internacionais modernas nasceram naquele momento, a partir das reflexões de autores como Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Luis de Molina, Martín de Azpilcueta Navarro, Diego de Covarrubias y Leyva e muitos outros. Interpretá-los através das lentes contemporâneas, tingidas pelo marxismo desenvolvimentista e desfocadas pelo pós-estruturalismo perspectivista consiste em um verdadeiro ato de violência intelectual. Aos que defendem que o avançadíssimo pensamento contemporâneo, tolerante em seu relativismo, relativo em sua tolerância, é o supra-sumo do progresso do pensamento, ao passo em que a Escolástica tardia representa a intolerância e a barbárie da reação católica à modernidade nascente, recomendo uma meditação mais atenta sobre a obra original de Francisco de Vitoria, em especial o seguinte trecho: “… tampoco entre nosotros escasean rústicos poco desemejantes de los animales”.
(Publicado também em http://www.claudiotellez.org)
Bibliografia:
HANKE, Lewis. (1965). The Spanish Struggle for Justice in the Conquest of America. Boston: Little, Brown and Company.
INAYATULLAH, Naeem; BLANEY, David L. (2004). International Relations and the Problem of Difference. London: Routledge.
LIGGIO, Leonard P. (2000). “The Heritage of Spanish Scholastics”. Religion & Liberty, v. 10, n. 1, p. 8-10.
STRAUSS, Leo. (1996). “How to Study Medieval Philosophy” [1944]. Interpretation, v. 23, n. 3, p. 319–338.
VITORIA, Francisco de. (1934) Relecciones Teológicas del Maestro Fray Francisco de Vitoria. Tomo II. Madrid: Imprenta La Rafa.
O tamanho do buraco
“A dívida federal, que contabiliza os endividamentos do governo nos mercados interno e externo, avançou 1,69% em outubro ante setembro, para 2,023 trilhões de reais, o maior da série histórica, informou o Tesouro Nacional nesta segunda-feira. A dívida chegou ao patamar de 2 trilhões apenas uma vez, em dezembro de 2012, segundo a série do Tesouro. Mas ainda ficou abaixo dos 2,02 trilhões verificados em outubro. A série mostra ainda que a dívida pública dobrou entre 2004 e 2013, nos governos Lula e Dilma.” Dívida pública atinge maior patamar da história em outubro.
Agora, com licença… vou lá trabalhar mais para pagar essa dívida…
Are governments capable of evil?
“Are governments capable of evil? Yes, of course they are. All institutions are. But they’re more capable of incompetence.” (Sherlock Holmes, da série Elementary, S02E03)
Acordo com o Irã (ou Irão)
Cá no Brasil, dizemos “Irã”. Em Portugal, diz-se “Irão”. Mais uma vez, constato o quanto meus amigos d’além-mar estão corretos (ou correctos). Afinal de contas, para onde “irão” as relações internacionais depois desse passo? De acordo com Obama, abriu-se o caminho para um mundo mais seguro; já Netanyahu afirma que trata-se de um erro histórico. Caso o acordo final venha a confirmar-se, o maior de todos os desafios não será acomodar o ceticismo de Israel com uma pretensa “boa vontade” iraniana; será avaliar o quanto vale o Direito Internacional em uma região onde pouca importância se dá à ideia de uma sociedade internacional regida por normas e valores. É esse o principal sentido do termo “histórico” na advertência de Netanyahu. Teremos a corroboração de que o Médio Oriente (ou Oriente Médio, como dizemos cá no Brasil) segue uma lógica própria? Será mais uma confirmação da “sabedoria eterna” do realismo? Ou realmente estamos a testemunhar uma adequação do Irã à “globalidade” contemporânea? Agora é esperar para ver…