Para quem tenha recuperado ou nunca foi contaminado pelo vírus, é perfeitamente evidente que existem diversas formas de religião laica. Os contaminados, precisamente porque estão possuídos irracionalmente por uma fé, têm problemas no uso da razão. Daí a grande dificuldade em manter um debate racional com eles. Pior, quando se trata de pessoas de inteligência, cultura ou autodisciplina fracas, a ameaça à fé suscita fúrias e excessos de linguagem impróprios de pessoas civilizadas.
Karl Popper explicou bem a natureza das teorias pretensamente científicas, tal como o marxismo, o freudianismo, a astrologia, etc. Popper conseguiu convencer grande parte da academia a aceitar a sua explicação da distinção entre teorias científicas e teorias não-científicas e enunciou o critério da falsificabilidade nos sehguintes termos. Qualquer teoria que não admite a possibilidade de existirem condições permitindo a sua falsificação não pode ser classificada como uma teoria científica. As teorias mencionadas, marxismo, etc. são circulares. Quem critica as teorias freudianas sofre de problemas reprimidos que não o deixam enfrentá-los. Assim o chamado homófobo é na realidade uma pessoa que sofre de impulsos homossexuais recalcados. Mais ele protesta, mais estará a confirmar que realmente sofre desse recalcamento.
O mesmo sucede com o marxismo. Quem critica as teorias marxistas assim faz porque a sua origem ou educação burguesa alimenta as suas atitudes classistas. Nenhum fenómeno, mesmo a implosão da União Soviética, pode infirmar as leis do socialismo científico. São sempre explicáveis em termos marxistas. O proletário que recusa seguir o ‘seu’ partido é vítima da consciência falsa e é um alienado. Mais ele protesta que não, mais está a confirmar a sua alienação.
Até indivíduos de vasta cultura podem ser vítimas destas fés laicas. António José Saraiva, mostrou-me uma vez um bilhete que tinha acabado de receber do seu colaborador e amigo Oscar Lopes. AJS tinha, poucos dias antes, enviado ao OL um recorte de jornal noticiando um dos mais recentes atropelos aos direitos humanos na URSS. Desde que AJS tinha recuperado do seu marxismo tentava em vão convencer o amigo a também abrir os olhos. O bilhete de OL, escrito à mão dizia simplesmente: ‘Não merece a pena insistir, António, não consegues abalar a minha fé.’ Foi essa a resposta do grande professor da literatura, ateu e ‘socialista científico’. A diferença entre Oscar Lopes e os pigmeus que poluem a blogosfera com as suas asneiradas é que o Professor Oscar Lopes era uma pessoa educada.