Socialistas à beira de um ataque de nervos ameaçam o Conselho de Finanças Públicas

O que deixou os socialistas e seus anexos à beira de um ataque de nervos com as declarações da presidente do Conselho de Finanças Públicas, a prestigiada economista Teodora Cardoso?

Em maio a Comissão Europeia poderá propor ao Conselho Europeu, que analisará e decidirá sobre essa recomendação em junho/julho, que seja revogado o procedimento dos défices excessivos aberto em 2009 contra Portugal.

Digo poderá e até creio que é o que vai acontecer. Mas não é forçoso que aconteça. Não basta a um estado reduzir o défice para 3% do PIB ou menos para o conseguir. É preciso, para além disso, que a Comissão entenda que o estado em causa adoptou medidas correctivas que garantem uma redução duradoura do défice excessivo, que se possa presumir que ele não volta a furar o limite no horizonte mais próximo.

Ora: Portugal terá reduzido, vai dizendo o governo, o défice para 2,1%. Isso não é conclusivo. Como é que o fez? A minha estimativa muito prudente, muito prudente mesmo é a de que as medidas extraordinárias e irrepetíveis, como tal a serem classificadas pela Comissão Europeia, portanto sem real significado do ponto de vista da correcção do défice, ascenderam a cerca de 800 milhões de euros, o que equivale a 0,4% do PIB. Repito: trata-se de uma estimativa muito prudente. Joaquim Sarmento, em artigo que recomendo vivamente anteontem publicado no Observador, estima um pouco mais: 0,5% do PIB. O défice que conta já vai em 2,5/2,6%. O esmagamento do investimento público, para níveis totalmente insustentáveis, ascendeu, nas minhas contas, a 0,5% do PIB (0,6% segundo Joaquim Sarmento), o que, tendo em consideração que insustentável era já o nível em que o investimento público se encontrava (o investimento que tem sido feito não repõe, nem de perto, o consumo de capital), recomenda que se considere como normal um défice acrescido pelo menos em mais 0,5% do PIB. Neste momento, ainda a procissão vai no adro, e estamos já com um défice de 3,0% a 3,1%.

Como é óbvio, a consolidação orçamental em 2016 foi um embuste total. A Drª Teodora Cardoso, que é paga para dizer que é isso que se passa, quando é isso que se passa, veio dizer que é isso que se passa. Sucede que a opinião da Drª Teodora Cardoso não é uma opinião qualquer: é a opinião da Presidente do Conselho de Finanças Públicas, que tem por lei, entre outras missões, a de vigiar o cumprimento das regras orçamentais relevantes e a solidez da gestão orçamental. Ela disse implicitamente que Portugal não cumpre as regras e os resultados obtidos não valem um caracol.

A Comissão Europeia até pode, como tem feito, vazar os olhos, assobiar para o lado, fingir que não se passa nada. Mas ficou mais difícil, a partir das suas declarações de anteontem.

A ideia de que patrioticamente a Drª Teodora se deveria ter calado é uma ideia de pulhas encartados. Patriótico é reduzir o défice a sério, evitar o desastre que se aproxima. Patriótico é denunciar o que só pode contribuir para a ocultação grave do desmando orçamental que foi o ano de 2016, para evitar que ele se repita, ou tornar difícil a quem governa cometer a repetição.

A Portugal não interessa a ausência de vigilância e não interessa a falta de pressão dos mercados. Somos governados por bestas, que só conhecem a linguagem do chicote.

As reações do Partido Socialista são no mínimo alarmantes. Vivemos num ambiente que lembra bem a era dos saneamentos do PREC. Aparentemente, o Partido Socialista e os seus aliados não recuarão enquanto a totalidade das instituições que formam a arquitetura do regime não estiver sovieticamente alinhada com a facção que se instalou no poder.

Onde é que isto vai parar? Se a atual maioria se atrever a passar das ameaças aos atos, liquidando ou esvaziando ou limitando o Conselho de Finanças Públicas, podemos bem dizer que o regime entrou em nova e adiantada fase de decomposição.

Isto está realmente muito perigoso. Como não estava há 42 anos.

Foi preciso chegar António Costa para a falta de vergonha em política bater novos recordes

António Costa diz que foi um erro “diabolizar” o investimento público

Segundo o primeiro-ministro, agora é necessário executar o quadro comunitário “e não desperdiçar um segundo, para recuperar o tempo perdido”. 

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Fonte: PIB: 1947-1953, Estatísticas Históricas Portuguesas, INE; 1953-1995, Séries Longas Banco de Portugal; 1995-2015, INE; 2016, Ameco; Investimento Público: 1947-1995, Séries Longas Banco de Portugal; 1995-2015, INE; 2016, Ameco.

História económica de um ponto de vista íntimo

Quando eu nasci, em 1959, Portugal (e Portugal era naquela altura muito mais do que o retângulo) tinha entrado há pouco, e assim prosseguiria até 1973, num período de crescimento sem paralelo em toda a sua história registada. A minha infância e princípio de adolescência foram vividos num país tomado de aceleração vertiginosa, pelo menos por comparação com qualquer outro período conhecido. Décadas como as de 50 (que eu não vivi) e 60 (até 73) nunca mais houve, e não é razoável esperar que volte a haver no horizonte antecipável.

Para se ter uma ideia gráfica: entre 1960 e 1972 – foi o princípio da minha vida – o PIB português duplicou.

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Lá em África, que é donde eu venho, retornado, a coisa era ainda mais acelerada. Mas fiquemo-nos com isto aqui: o PIB do retângulo duplicou em 12 anos. A média de crescimento anual nesse período foi de 5,9%. A média. Não houve um só ano de recessão.

1969 foi um ano cinzentíssimo nesta série: a economia cresceu apenas 2,4%. Uma marca extraordinariamente medíocre. Se expulsarmos esse ano, a nódoa, para esquecer, da série, a média é mais representativa da velocidade a que se andava: 6,4% ao ano.

Para o PIB voltar a duplicar, depois desses 12 anos sem paralelo – os do princípio da minha vida – seriam depois necessários 20 anos, até 1992. Houve ainda um sobressalto nos últimos anos destes 20, de 1986 até ao princípio dos anos 90. Tínhamos entrado na CEE, intensificado a abertura ao exterior e, sobretudo, enveredado por um intenso período de liberalização da economia, depois do ensaio de sovietização pós-revolucionário. Voltámos por uns poucos anos a crescer como nos anos 60. Mas depois acabou.

Não voltou a haver duplicação. De 1992 a 2015, e passaram-se já 23 anos, o PIB aumentou apenas 30%. Uma pessoa que em 2015 tivesse nascido em 2002, com 13 aninhos, os mesmos que eu tinha em 1972 depois daquela década de crescimento e mudança trepidantes – o PIB duplicara, crescera 100%! – viveu num país onde o PIB aumentou ao longo de toda a sua vida… 0,1%. Isso. 0,1%. Não é gralha.

É verdade: essa pessoa nasceu num meio incomparavelmente mais rico do que o meio em que eu nasci. Não tem comparação possível. Mas eu nasci num meio em que a melhoria constante, a abertura permanente de novas possibilidades, o enriquecimento ano após ano eram a regra. O jovem que nasceu em 2002 nasceu num meio em que a crise, a ameaça e o impasse são a normalidade. Acreditem: o socialismo não foi uma boa ideia. Valia a pena tentarmos outra coisa. Os nossos filhos não merecem este fiasco.

Impasse

O segredo do OE2017

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Não deve haver demasiadas ansiedades. Em 2017, vai haver uma contracção orçamental expansionista, ou seja, austeridade que desencadeia ato continuo aumento da actividade e do emprego que, sem essa austeridade, não haveria.

De modo que um aperto orçamental igual a 0,34% do PIB ou 645 milhões de euros (todo ele resultante de aumentos de receita, e sobretudo aumentos de impostos) vai dinamizar a economia tanto que ela acaba por devolver gratamente ao estado ainda mais impostos e impostos e impostos  no valor de 763 milhões de euros ou 0,44% do PIB, e assim vai tudo correr bem.

Tenho nisto, que é o segredo deste OE, a aplicação prática da austeridade inteligente, que é a austeridade da esquerda, visto que a da direita é burra e deprime a economia, apenas duas dúvidas: 1) se um aperto orçamental de 0,34% do PIB produz uma melhoria no saldo orçamental de 0,78% do PIB, não seria de aplicar o dobro, 0,68% do PIB, para obtermos uma melhoria do saldo de 1,56% do PIB? Ou mesmo, vá, um aperto de 1,02% do PIB para obtermos uma melhoria de 2,34% do PIB e assim resolvermos de uma vez por todas o problema do défice? e 2) no passado a simples hipótese de contracções orçamentais expansionistas era recebida pelo PS com manifestação pública de ultraje, insultos e ameaça de tumultos graves, como a expressão do mais doentio fanatismo doutrinário neoliberal criptofascista; a sua tolerância e até adesão à doutrina será influência do Bloco? Do PC? So Syriza? Do Professor Karamba? Da Alexandra Solnado? De Adão e Silva? Ficaria muito grato se alguém me ajudasse a esclarecer estes imbróglios. Antecipadamente.

Nicolau Baptista da Silva

Ignoro eu e ignora toda a gente o que virá a ser o défice este ano. O governo diz que, ajustado de medidas pontuais, será -2,5% do PIB. Para que não possamos dizer o que quer que seja a esse respeito, oculta num gesto inédito, ou tenta ocultar, a informação necessária à avaliação dessa possibilidade.

O indescritível Nicolau Santos, que parece que, desde o momento Artur Baptista da Silva, resolveu assumir-se como chefe de claque, já anda para aí ao disparate, a gabar um resultado que ainda não há, deleitado com a ironia que há em ser o «menor défice da história democrática» uma produção do PS apoiado no PC e no Bloco (um detalhe: se o valor projetado pelo governo, aí em cima citado, se concretizar, não será o menor défice da democracia coisa nenhuma).

Do Nicolau espera-se tudo, todos os disparates possíveis, todas as exclamações próprias do «idiota de babar na gravata», na maravilhosa expressão de Nelson Rodrigues, que a usa sempre que tem de falar de pessoas do calibre do diretor adjunto do Expresso.

Imagine-se que o PS tinha herdado uma economia a crescer e um défice de -0,1% do PIB. No ano seguinte, por virtude do aumento do PIB, o défice passava a excedente, um excedente de 1,0%, por exemplo, e isso apesar de o governo em funções baixar impostos, aumentar a despesa, ajudar todos os seus autarcas a lançar uma nova geração de rotundas, etc. O Nicolau havia de delirar: que deliciosa ironia, isto de o primeiro excedente democrático ter sido atingido com o PS apoiado em partidos revolucionários! E depois, como não usa gravata, lá inundava o laço de baba, uma verdadeira maré de baba.

Admitamos, apenas para facilitar o argumento, que o défice vai mesmo ser -2,5% este ano. Isso é muito, pouco, ou nada? Depende de onde tenha estado o défice no ano imediatamente anterior e de mais uma série de coisas, relacionadas com a evolução da economia. Se não dissermos mais nada, pode representar uma deterioração efetiva da situação orçamental, mesmo estando a diminuir. É a economia a bombar, como dizia um político reformado, criando uma aparência de melhoria.

Deixemos de lado estas questões, sem as quais, porém, não conseguimos medir o que efetivamente se está a passar no orçamento, e cinjamo-nos à evolução dos défices aparentes. Quanto melhora o défice aparente, visível, o chamado saldo orçamental global?

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Melhora 0,7 pontos percentuais do PIB. Ignoremos, repito, a questão de saber se é tudo efeito da evolução projetada da economia ou há alguma consolidação verdadeira. 0,7 pontos percentuais é muito ou pouco, comparando com o que se passou nos últimos cinco anos? Nos últimos cinco anos, em média, o saldo orçamental baixou 1,1 pontos percentuais em cada ano. Aquilo que põe o Nicolau em êxtase é algo como 40% menos do que a média anual dos últimos cinco anos. Ou dito ainda de outra maneira: para se chegar a um défice de -2,5% foi necessário reduzi-lo em 6 pontos percentuais do estado em que o PS o deixou no último ano em que nos arruinou. Para esse resultado, a contribuição deste governo foi de aproximadamente um décimo. Em condições incomparavelmente mais favoráveis.

Imaginemos que alguém corria a maratona e dez metros antes de cortar a meta entregava o testemunho ao Rocha Andrade, que lá rebolava até à fita e ganhava a medalha de ouro. O Nicolau explodiria de alegria: a sensacional ironia que não há nisto de um indivíduo que pesa para cima de 150 quilos limpar uma maratona!

A queda de rendimentos abrandou e a igualdade aumentou durante o Programa de Ajustamento

Para quem quiser perceber porque é que o estudo sobre a desigualdade publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos – Desigualdade de Rendimento e Pobreza em Portugal: as consequências sociais do programa de ajustamento – da autoria de Carlos Farinha Rodrigues et al. é – vá, não polemizemos excessivamente pelos epítetos – um erro, a Fundação Francisco Manuel dos Santos disponibilizou-se para publicar as minhas notas de leitura crítica ao referido estudo.

Reproduzo aqui apenas algumas observações essenciais:

  • Um estudo que tem dois objetos muito distintos, a saber, (1) avaliar a evolução da «desigualdade de rendimento e pobreza em Portugal» entre 2009 e 2014 e (2) avaliar as «consequências sociais do Programa de Ajustamento», coisas assaz diferentes, não dispensa a segmentação daquele período em duas fases: 2009-2011 e 2012-2014.
  • A indistinção gera forçosamente uma enorme confusão, que ao invés de ajudar a informar o debate público, enviesa e obscurece o que se propõe esclarecer.
  • A distinção é indispensável, até mesmo porque há, sem surpresa, diferenças significativas – quantitativas e de padrão – entre os dois subperíodos, como mostrarei.
  • A maior parte da redução de rendimentos ocorre quando estão a produzir efeitos medidas orçamentais adotadas pelo governo do Partido Socialista.
  • Quando começa o Programa de Ajustamento, os rendimentos estão a cair, e a cair acentuadamente.
  • Em 2014, quando termina o Programa de Ajustamento, os rendimentos reais já estão a aumentar, tendo a curva descendente terminado em 2012.

 

grafico-1

 

  • A intensidade da redução de rendimentos diminuiu durante o Programa de   Ajustamento, relativamente ao período sob o efeito das medidas restritivas do governo socialista.
  • A diminuição da intensidade de quebra dos rendimentos sob o Programa de Ajustamento foi particularmente acentuada no caso das classes médias.
  • As classes médias foram, assim, incomparavelmente mais afetadas pelas medidas restritivas pré-Programa de Ajustamento do que depois.
  • A distribuição de esforço entre escalões de rendimentos, sob o efeito do Programa de Ajustamento, altera-se ainda noutro aspeto crucial: a classe de rendimentos mais elevados passa a figurar entre as mais afetadas, quando antes fora destacadamente a mais protegida.
  • No final do Programa de Ajustamento éramos um país globalmente menos desigual do que antes.
  • Além disso, antes, a desigualdade estava a aumentar.
  • Depois, a desigualdade esteve a descer, apesar da fortíssima pressão em contrário do mercado, particularmente acentuada desde 2011.

 

grafico-2

 

  • É logicamente impossível que, em tais circunstâncias, as políticas públicas pós-Programa de Ajustamento tenham tido globalmente um carácter regressivo, não protegendo setores de rendimentos mais baixos, como sugerem os autores.
  • Foi o desenho do conjunto das políticas públicas com incidência redistributiva, apenas e só no período pós-Programa de Ajustamento, que não apenas impediu que a desigualdade de rendimentos disparasse, como, inclusivamente, permitiu que se invertesse a tendência de subida anterior.

Por um fio

Alguém devia enviar ao Sr. Fergus McCormick a declaração ontem proferida pela D. Ana Catarina Mendes, estabelecendo peremptoriamente que para o ano é que é «o país está (…) a voltar a um ciclo de crescimento após um longo ciclo de políticas erráticas e de austeridade», e isto tudo a propósito dos dados mais recentes da economia portuguesa.

O Sr. McCormick, para quem não esteja a par, é o vice-presidente da DBRS e responsável directo pela área da avaliação de risco dos soberanos.

A DBRS é a única das quatro agências de rating que avaliam periodicamente Portugal que conserva uma notação para dívida pública portuguesa acima do «lixo».

No caso de a DBRS se juntar às outras três, o BCE, quer dizer, o Banco de Portugal por sua conta e risco exclusivos deixa de poder continuar a comprar as montanhas de dívida pública portuguesa que vem comprando, as taxas de juros disparam, o governo converte-se à austeridade, a geringonça muito provavelmente estala, nós muito provavelmente somos ejectados dos (odiados) mercados e, com sorte, somos resgatados, eventualmente por uma troika que, legitimamente desconfiada deste manicómio que não se governa nem deixa governar de Portugal, só avança com a massa contra uma revisão constitucional que permita pôr termo ao deboche financeiro em que vivemos há 43 aninhos fazer consolidação orçamental a sério. «Ai sim? Quem manda aí são vocês? Pois ide ao Totta».

Vejo já uma série de pessoas honestas e verdadeiramente patrióticas a esfregar as mãos, a torcer para que venha a troika. A sério: duvido que o sistema político aguente um novo resgate. Mas passemos.

E a que propósito vem a DBRS numa tarde amena de Agosto?

Vem, porque o Sr. McCormick quis ser amigo de Portugal e decidiu avisar que «os dados do PIB do segundo trimestre revelados na sexta-feira aumentaram a nossa preocupação relativamente às perspectivas de crescimento, que parece continuar a abrandar no terceiro trimestre».

Ora, a dívida pública portuguesa está de momento com um outlook estável, «mas», com o crescimento a desaparecer, «estão a aumentar as pressões vindas de várias frentes».

Várias, além da falta de crescimento em si?

A 21 de Outubro, lembra o Sr. McCormick, a DBRS reverá a sua avaliação de risco à dívida pública portuguesa e, não por acaso, isso acontecerá seis dias após o prazo para Portugal apresentar a Bruxelas medidas adicionais de consolidação no valor de 460 milhões de euros (0,25% do PIB), capazes de garantir uma «correcção duradoura do défice excessivo». Esse compasso de espera será suficiente para a DBRS avaliar a natureza das medidas apresentadas e o impacto da sua adopção na geringonça.

Saber-se-á por essa altura também já se os contribuintes portugueses serão chamados arcar com os custos de novos reforços de capital na banca, incluindo o anunciado mas ainda não explicado aumento de capital previsto para a CGD.

Apoiarão os partidos da extrema-esquerda essas duas iniciativas? – interroga-se o Sr. McCormick. Não é claro, responde.

Várias, portanto.

Por partes: primeiro as primeiras coisas. E para resolver o primeiro dos problemas que afligem o Sr. McCormick – o do crescimento – talvez pudesse servir a declaração da D. Ana Catarina, onde ela, esquivando, é certo, o problema de fundo, garante, porém, que pode não haver crescimento, mas a taxa de desemprego está muito baixa, não há investimento, mas vai haver, a economia não mexe, com diz o PR na sua linguagem patusca, mas o povo está carregadinho de confiança e a única pessoa que destoa é Passos. (Para os mais cépticos, que julgarão que eu estou a inventar, é abrirem o link lá em cima e lerem a declaração do PS apresentada pela D. Catarina.)

O resto logo se verá, que isto não há como um dia atrás do outro com uma noite pelo meio. E se o Outono que aí vem for quente de escaldar, já estamos prevenidos. Melhora? Não. Mas é o que se pode.

De mau a pior

Os números do PIB são cada vez piores.

PIB

Mas, pior do que isso, é o que o INE nos diz na nota breve da Estimativa Rápida, de resto perfeitamente antecipável.

  1. O consumo privado abranda. Aqui não há problema algum. Problema haveria se o consumo privado acelerasse. Significaria muito provavelmente uma nova diminuição da taxa de poupança das famílias e, aí, sim, estaríamos em piores lençóis do que estamos.
  2. Grave mesmo é o investimento ter acentuado a queda. Em cadeia, contraiu -1,0% no 1.º trimestre; em termos homólogos contraiu -2,0% no 1.º trimestre. Quanto terá contraído no 2.º trimestre? (Vamos ter de esperar pelo final do mês para sabermos). Há um ano, no mesmo trimestre, o investimento aumentou em cadeia +1,4% e em termos homólogos +5,2%.
  3. O problema do investimento é que sem ele não apenas o crescimento corrente fica comprometido, como também o crescimento futuro. Estima-se que a quantidade de investimento que vem sendo feita não seja suficiente para compensar o consumo de capital fixo, pelo que é a estrutura de toda a economia vai esclerosando e a sua capacidade definhando, definhando, definhando…
  4. O problema do investimento é que o investimento é a assunção de risco e se o risco e a incerteza estiverem a aumentar, ou, estando a incerteza a diminuir, o que se espera não for exatamente favorável à atividade económica, o investimento para. Escolham qual das duas caracterizações define melhor o contexto em que vivemos.
  5. As exportações abrandam.
  6. As importações abrandam mais do que as exportações (pudera! com o investimento a cair a pique!) e, por isso, mas só por isso, as exportações líquidas de importações melhoram o seu contributo para o crescimento.
  7. Em suma: temos o que resta de crescimento a ser dinamizado exclusivamente pelo que resta do consumo privado, que não podia, como é óbvio, manter-se a crescer acima do PIB e até mesmo do rendimento disponível das famílias por muito mais tempo.
  8. Mas é com o consumo privado que o governo conta para ganhar eleições para estimular o crescimento e é para o estímulo do consumo privado que o governo usa a margem de manobra de que dispõe para ganhar eleições alimentar o crescimento. Ou contava.
  9. Conservando-se o crescimento registado nos últimos 3 trimestres, teremos um crescimento anual de +0,8% em 2016, um poucochinho abaixo do pressuposto do OE2016 (ou seja, menos de metade). A probabilidade de o abrandamento prosseguir não é, pelo que se disse atrás, negligenciável. Qualquer redução marginal na taxa de variação em cadeia nos próximos dois trimestres reduz o crescimento anual para +0,7%.

Há nisto tudo fortíssimos danos auto-infligidos. Vamos pagar bem caro todo este desvario.

A austeridade trouxe mais desigualdade? Sim. Ou melhor: não

Todos os partidos tentam ler os dados da maneira mais favorável aos seus argumentos. Com o PS de Sócrates, a manipulação foi levada a uma espécie de paroxismo. Com efeito, não se tratava já de argumentos, mas de «narrativas», como Sócrates, o mentiroso por antonomásia, gostava de dizer: o que ele dizia não eram aldrabices, eram as suas «narrativas», diferentes das «narrativas» dos seus adversários, que por seu turno não deveriam ser confundidas com verdades.

Neste quadro mental, a verdade é que é uma mentira. De facto, não há verdades nem mentiras. Há apenas narrativas que, porém, só têm uma hipótese de funcionar: é a de haver otários que acreditem que há verdades e mentiras, para poderem tomar uma narrativa pela verdade. Este bacanal de relativismo acaba mal, como se vê, não sem antes revelar toda a má-fé que o anima.

Vem tudo isto a propósito de uma das «narrativas» mais propaladas dos últimos anos: a austeridade aumentou muito a desigualdade. 

O que eu penso ou deixo de pensar sobre a desigualdade, estando subentendido que nos estamos a referir à desigualdade na distribuição de rendimentos, deveria ser indiferente para o que se segue. Para que não sobrem equívocos, porém, e até mesmo porque não é excessivamente difícil de enunciar, aqui fica um primeiro princípio: nada tenho contra a desigualdade na distribuição de rendimentos, se ela corresponder à remuneração dos factores nas transações de mercado, isto é, se resultar da troca livremente consentida entre as partes, e tenho tudo, se resultar da extorsão ou de qualquer forma de apropriação ilícita, como é o caso da corrupção nos cargos públicos, bem ilustrado por um célebre primeiro-ministro do Partido Socialista, que aguarda em liberdade vigiada a formação da acusação. Era mais simples dizer que aquilo a que me oponho é à extorsão e a qualquer forma de apropriação ilícita, sendo óbvio que a sua prática institucionalizada tem como subproduto aquilo a que se chama desigualdade na distribuição dos rendimentos.

Mas a questão aqui é mesmo, deixando de lado a natureza da desigualdade, a de tentar saber se a «narrativa» que afirma que ela aumentou muito nos últimos anos, em resultado da austeridade, é verdadeira, como será levado a crer quem leia e ouça apenas as notícias e o que a esquerda toda em coro estentoricamente proclama, ou simplesmente mais uma «narrativa» dirigida a otários.

Googlando apanha-se logo uma orgia de notícias de jornalistas ultrajados com o aumento das desigualdades. Algumas são de antologia. Esta, por exemplo.

DN

 

É do Diário de Notícias, do dia 25 de maio de 2015. O engraçado que é, uma notícia cujo título é imediatamente negado na entrada (lead).

Ou esta, com uma pedante qualquer no Expresso a dar lições de moral e estatística ao então primeiro-ministro Pedro Passos Coelhos, com direito a epígrafe erudita e tudo.

Expresso

 

Trouxe ou não trouxe? A resposta não é nada fácil, ao contrário do que a veemência de grande parte dos jornalistas e da totalidade das esquerdas faria supor.

Os dados não são inequívocos. Há dois tipos de métricas comumente usadas para tratar a desigualdade na distribuição dos rendimentos. O primeiro tipo envolve a comparação entre extremos. Por exemplo: pega-se na quantidade total de rendimento anual dos 20% mais ricos e divide-se pela quantidade total de rendimento anual dos 20% mais pobres. O quociente do primeiro total sobre o segundo é uma medida padrão da desigualdade. Se é muito elevado, há grande desigualdade. Se aumenta, aumenta a desigualdade. Em Portugal é maior que a média europeia (5,2), mas está muito longe de ser o mais elevado. Além disso, aumentou em 2010, 2011, 2012 e 2013, tendo caído já em 2014, e previsivelmente terá caído também em 2015.

S80:S20

Aqui impõe-se um esclarecimento. Os dados são do INE. O INE tem o cuidado de informar em nota na página de onde eles são extraídos:

Os dados referentes ao ano n são recolhidos pelo ICOR realizado em n+1. 

Já o Eurostat usa os dados do INE, mas refere-os ao ano da recolha de dados, isto é, a um ano sempre à frente do que está nas tabelas do INE. Naturalmente que esta diferença pode induzir erros de análise, tratando-se de uma série de dados no tempo. A série que reporto é a correta, do INE.

Em todo o caso, sim, os dados parecem sugerir que a desigualdade na distribuição de rendimentos aumentou pelo menos em parte dos anos de austeridade (2011, 2012,2013), embora tenha também aumentado no ano de orgia financeira de 2010.

Sucede que este tipo de métrica enferma de um defeito: generaliza para a totalidade da população a partir de uma observação que na realidade respeita apenas aos extremos dessa população, isto é, à relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres.

E porque esta medida está afetada pelos extremos, recorre-se quase sempre a uma métrica complementar, mais rigorosa, embora menos intuitiva: o Coeficiente de Gini.

O cálculo do Coeficiente de Gini mede a relação entre as todas as quotas acumuladas de população ordenada pela escala crescente do rendimento e as respetivos quotas de rendimento.

Quando se está a calcular o Coeficiente de Gini fica a saber-se, por exemplo, que percentagem de todo o rendimento vai para os 1% mais pobres, para os 10% mais pobres, para os 20% do meio da tabela ou para os 1% mais ricos; que percentagem de rendimento vai para qualquer segmento da população ordenada. Todos esses valores são dispostos numa curva – a curva de Lorenz – com esta forma.

lorenz

Na horizontal, temos dispostas quotas acumuladas de população, que está, como se disse, toda ordenada segundo a escala crescente do rendimento: assim as percentagens devem ser lidas como os 0% mais pobres da população, os 25% mais pobres, os 50% de menores rendimentos, etc. Na vertical, está a respetiva percentagem do rendimento total.

No país da linha azul, reina a mais completa igualdade. Os 1% iniciais da população ordenada ficam com 1% do rendimento, os primeiros 2%, os primeiros 3%, os primeiros 4%, etc., ficam com idêntica porção de rendimento. Igualdade absoluta. É uma ideia a que só consigo associar sítios desconfortáveis para viver, como um cemitério, por exemplo.

Na linha um pouco mais abaixo, já não é bem assim. Enquanto por definição no país da igualdade absoluta 50% da população fica com 50% do rendimento, na linha laranja os primeiros 50% da população ordenada só recebem 26%. Na linha verde, a desigualdade rendimentos começa a ser gritante: os primeiros 50% da população, ou os 50% menos ricos, só recebem 7% do rendimento.

Mas o que vem a ser o misterioso Coeficiente de Gini? É um número que sintetiza toda a informação contida naquelas curvas. O número é igual à área que fica a baixo da reta da igualdade, até à curva que se quer medir, a dividir pela totalidade da área abaixo da reta da igualdade.

Parece muito artificioso, mas não é. Começa até a ser intuitivo, a partir daqui. O quociente que se obtém para a linha laranja é evidentemente menor do que o quociente que se obtém para a linha verde. Quanto mais distante for a linha da reta da igualdade maior será o quociente, quer dizer, o Coeficiente de Gini. Quando no extremo oposto da igualdade o rendimento vai todo para um só indivíduo e o resto da população tem conjuntamente um rendimento nulo, atingindo-se o máximo do Coeficiente de Gini, o valor só pode ser igual a 1, pois as duas áreas são rigorosamente idênticas. No ponto de partida da igualdade absoluta o valor só pode ser igual a zero, pois a área do numerador é igual a zero.

O país da linha laranja tem um Coeficiente de Gini igual a 0,392…, ou 39,2, se o exprimirmos numa escala de 0 a 100 em vez de 0 a 1. É um valor mais elevado mas ainda assim da ordem do português. De facto, é um valor bastante próximo do português em 2003. O país da linha verde tem um valor de 66,2. Um pouco superior, não muito mais, ao valor estimado para Angola, a África do Sul ou o Botswana.

Esta forma engenhosa de medir a distribuição do rendimento é mais exata do que a primeira, visto que sintetiza informação sobre o rendimento de toda a população, e não apenas de sub-grupos nos extremos, mas muito difícil de comunicar. Eu tive de me socorrer de 9 parágrafos e um diagrama. Muito longe da simplicidade da primeira métrica, que admite paráfrases curtas como: os 20% mais ricos recebem seis vezes mais do que os 20% mais pobres. E, porém, é uma medida mais completa e mais precisa.

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Se recorrermos a ela, não, no final do ajustamento, no final do período de austeridade Portugal era um país mais igual do que antes.

Orgulhosamente sós

No último ano, Portugal é o único país da Área do Euro que viu aumentar o nível das suas taxas de juro de longo prazo. Todos os outros estão sob o efeito anestésico do QE. Em Portugal, não chega. Seria preciso dose aumentada.

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Faltam aos países do gráfico a Grécia e a Estónia. A Grécia porque foi o país que maior redução registou na taxa de juro a 10 anos (351 pontos base), de modo que incluí-la levantava problemas de escala na construção de um gráfico com um mínimo de leitura. A Estónia porque, segundo a fonte dos dados, o BCE, não tem títulos de dívida conformes à definição de «taxa de juro de longo prazo».

O gráfico supra, sendo muito interessante, esconde alguma informação, pois não nos mostra o que se passou dentro do intervalo entre junho de 2015 e junho de 2016. De modo que deve ser complementado com o seguinte.

Vidas

Uma vez mais, excluem-se neste caso 5 países, para não carregar demasiado o gráfico. Atrás já se evidenciou que o único onde as taxas de juro de longo prazo estão agora mais elevadas do que há um ano é Portugal. Agora interessa sobretudo ver que foi a partir de janeiro que nos separámos da Europa. Nem países como a Itália, que transpiram saúde financeira, ou a Espanha, que vai vivendo sem governo, nos acompanham.

Isto é absolutamente inédito. Nem em 2010/2011 foi assim. Vá-se lá saber porquê.