Faz Sentido ser de Direita, mas não Liberal

483807_434310486657935_1488587293_nDepois de escrever o meu texto sobre o declínio da direita, o Rui Albuquerque escreveu um texto com uma posição contrária aos meus argumentos, apesar de não me mencionar no seu texto. Depois de ler o texto em questão optei por fazer alguns comentários que me parecem vitais em temas de filosofia política.

O Rui parece determinado em provar que o liberalismo clássico é uma ideologia de direita. Vale a pena lembrar que no meu texto eu não disse que este não era visto como de direita no actual momento. Perante a total rendição da direita ao liberalismo, o liberalismo clássico apresenta-se como uma forma menos igualitária do que o vigente liberalismo social. Mas, por todas as razões que expliquei no meu texto, é uma teoria com fortes elementos igualitários, anti-tradicionalistas e universalistas, que a afastam da direita tradicional. Uma coisa é certa, um liberal clássico no século XIX era de esquerda de caras. Foi a vitória da esquerda actual que os colocou na alegada “direita” sem que eles saíssem do mesmo lugar.

Seja como for, há pontos na argumentação do Rui que violam as bases consensuais da teoria política. O Rui alega que o que caracteriza a direita é o individualismo (por oposição ao que eu escrevi: que a direita é tradicionalmente anti-individualista, familista e tribal). Diz também que o indivíduo visto como parte de um colectivo é uma posição de esquerda. Nas palavras do Rui:

“Enquanto que a direita vê nele o indivíduo, a esquerda tem-no como cidadão. Nesta perspectiva, o homem é, para a direita, por si mesmo, sujeito e objecto de direitos face ao poder político, enquanto que, para a esquerda, ele existe essencialmente na sua relação com a coisa pública”

Obviamente, é possível subverter as bases da teoria política para colocar o liberalismo na direita, mas basta abrir uma enciclopédia para encontrar a definição básica de conservadorismo. Da Encyclopedia Brittanica:

“Conservatism, political doctrine that emphasizes the value of traditional institutions and practices.

Conservatism is a preference for the historically inherited rather than the abstract and ideal. This preference has traditionally rested on an organic conception of society -that is, on the belief that society is not merely a loose collection of individuals but a living organism comprising closely connected, interdependent members.”

O conservadorismo é tribal e comunitário, considera as tradições locais e particulares acima do indivíduo. E, claro, a não ser que achemos que o conservadorismo é de esquerda, a lógica “a direita vê o indivíduo antes do colectivo” não é válida.

O Rui escreve que “para a esquerda o homem nunca é, por si só, suficiente”. Podemos aceitar perfeitamente esta definição. Porém, à direita, aquilo que a esquerda pode chamar de cidadão, a direita tradicional chama de “pertença” (membership). Como diria Roger Scruton, que talvez, quem sabe, seja um “colectivista de esquerda”, todos nós precisamos de pertencer a um grupo para nos identificarmos e lutarmos juntos por objectivos; que a felicidade passa por essa submersão do eu num colectivo maior que nós.

Assim, é muito claro que a direita tradicional também não vê o homem como suficiente por si só. E nem precisamos de recorrer a teorias Hobbesianas para o verificar.

Depois há a questão da dominação e alteração do social pela via do poder. O Rui escreve:

“A esquerda entende que o “mundo” pode ser transformado por golpes de vontade e é o resultado de forças inteligentes e direccionadas.”

Aqui eu tendo a concordar parcialmente. A esquerda tende a preferir a ruptura porque num mundo onde a igualdade é uma utopia, é sempre preciso mudar algo mais. Onde eu discordo é que esta seja a única a agir com via a transformar o social. Todos os governos, da esquerda à direita, tentam gerir a sociedade no seu sentido, usando retórica, propaganda, valores ou espiritualidade. As elites, para o bem ou para o mal, lideram e modelam as massas. Mas mais, o mundo pode facto ser transformado com golpes de vontade das elites. Se à esquerda temos exemplos como a Escola de Frankfurt, à direita temos os conservadores/nacionalistas judeus que visualizaram e criaram um etno-Estado para o seu povo. Nietzsche, que é insuspeito de ser de esquerda, sabia bem que o mundo é transformado por “golpes de vontade” (the will to power) dos homens com grandes capacidades.

Por fim, o Rui escreve que a direita existe quando existem direitos negativos (universais e igualitários, suponho) protegidos por uma constituição liberal. Nas palavras dele:

“Os direitos naturais do indivíduo à liberdade e à propriedade, isto é, os direitos negativos sobre os quais o estado não poderá nunca dispor, reconhecidos por via da Constituição ou de outros instrumentos normativos que o protejam perante o poder público, é marca da direita.”

Com isto, (e em forma de caricatura) somos obrigados a concluir que a civilização ocidental viveu em esquerdismo durante milénios até que o constitucionalismo liberal foi inventado pelos pensadores do iluminismo. Os gregos clássicos, que na sua polis tinham um noção política tribal, distinguindo perfeitamente os cidadãos dos escravos, eram portanto esquerdistas. Esquerdistas estes que continuaram pelas monarquias divinas durante séculos até que se inventou o constitucionalismo liberal. É caso para dizer que a civilização ocidental foi inventada e vivida pela esquerda; isto claro, se aceitarmos que a marca da direita são direitos naturais à liberdade e propriedade pela via constitucional.

A meu ver, a distinção que ofereci de direita e esquerda no meu texto anterior continua a ser a distinção fundamental desta divisão. Tenho agora o prazer único de me citar; escrevi:

“Se há algo que difere a esquerda da direita é a perspectiva moral com que encaram a igualdade e a desigualdade. Enquanto que a esquerda faz do igualitarismo um deus intocável, um bem moral último, a direita vê a desigualdade humana como natural e respeitante da ordem humana e daí deriva a sua força moral positiva. Por outras palavras, a direita idealiza a qualidade (que implica desigualdade) e a esquerda idealiza a igualdade.”

Se a direita idealiza a qualidade, essa qualidade significa hierarquia; não só entre indivíduos, mas igualmente entre grupos.

Isto tudo, claro, para dizer que o que define a direita não poderá ser o seu individualismo moral e muito menos o liberalismo constitucional.

Leitura complementar: Roger Scruton: How to be a Non-Liberal, Anti-Socialist Conservative.

PS: Percebo que a minha posição seja anátema para muitos neste blogue, porém, eu sou da opinião de que quando algo não está a funcionar é preciso mudar e perceber as “causas da doença”. É assim que se vencem determinadas lutas e é a obrigação daqueles que percebem os problemas articulá-los perante a sua comunidade. Sei também que as comunidades sobrevivem à volta de certos axiomas e que se tornam colectivamente antagonistas quando esses axiomas são questionados. Se for esse o caso, então a parte mais fraca é o dissidente e não a comunidade. Isto é algo que temos de aceitar como uma evidência humana. Por isso, novas comunidades se formam.

A “Direita”: Causas do Declínio.

Greek 1Muitos que se dizem de direita queixam-se de que esta não tem representação no mainstream político e comunicacional. Tudo é de esquerda agora, variando apenas na intensidade do igualitarismo apregoado. Porém, o termo “direita” é usado em todo o lado e temos a sensação de que ela existe e que se move. Ela tem representantes na televisão a verbalizar coisas supostamente de direita; e mais, alegadamente há gente de direita a escrever na imprensa e em blogues. Na realidade, com as devidas excepções, não há direita no discurso mainstream político e tal explica-se com uma das mais ferozes críticas à postura conservadora: que esta se limita a conservar as revoluções dos outros (i.e. da esquerda).

Se há algo que difere a esquerda da direita é a perspectiva moral com que encaram a igualdade e a desigualdade. Enquanto que a esquerda faz do igualitarismo um deus intocável, um bem moral último, a direita vê a desigualdade humana como natural e respeitante da ordem humana e daí deriva a sua força moral positiva. Por outras palavras, a direita idealiza a qualidade (que implica desigualdade) e a esquerda idealiza a igualdade. Desta forma, talvez fosse mais correcto usar os termos “vertical (hierarquia) vs horizontal (igualdade)” em vez do clássico “direita vs esquerda” que saiu do parlamento francês durante a revolução francesa.

O problema daquilo que passa por direita hoje em dia é ter absorvido muitos dos valores das revoluções igualitárias do passado e defendê-los como se fossem seus. Muitos destes valores poderiam ser discutidos, mas para este artigo interessam particularmente 3: liberalismo, materialismo e racionalismo.

Liberalismo

O liberalismo fez-se contra a tradição, contra a autoridade religiosa, contra a aristocracia, ou seja, fez-se contra a ordem hierárquica natural que se tinha desenvolvido na Europa durante milénios. Fez-se a favor do indivíduo e da igualdade e liberdade do Homem. Do ponto de vista moral, o liberal considera que todos os homens são formalmente iguais e que no indivíduo e só nele reside a soberania última. Daí a crença liberal em “direitos”, sejam eles “humanos”, de propriedade ou de libertação. Esta foi uma revolução igualitária contra a autoridade da tradição e que a direita tentou combater desde sempre. Em Inglaterra, os liberais estavam à esquerda do parlamento e passaram o século XIX a lutarem contra a ordem tradicional hierárquica.

Hoje em dia, perante o esmagador triunfo do liberalismo no ocidente do pós guerra, a direita cedeu e abraçou o liberalismo. Regra geral, acredita em “direitos humanos”, no mercado, no universalismo do Homem, no secularismo de Estado, na democracia liberal, etc… Por outras palavras, acredita em todas as revoluções feitas pela esquerda igualitária e agora convence-se que estas são as suas causas.

Isto advém em grande parte da aversão patológica que a direita geralmente tem a ideias abstractas. O “direitista” médio diz-se um homem pragmático, desprovido de grandes utopias loucas, que gere o que a vida apresenta, mas sem saber tornou-se num escravo das ideias igualitárias; pior, convenceu-se que estas ideias são suas, mesmo que muitas vezes sinta que elas não funcionam, ele acha que elas são moralmente boas.

Ao abraçar o liberalismo a direita ignorou a sua posição tradicional anti-individualista baseada na família, nação, tradição, sangue, autoridade, hierarquia e espiritualidade. Aliás, tirando os mais eruditos, os “direitistas” médios não fazem ideia do que é a direita tradicional e acham que ser de direita é defender o indivíduo até ao infinito. Não é surpreendente que a esquerda tenha uma vida tão fácil e que mantenha a sua hegemonia, mesmo quando o seu modelo social igualitário vai colapsando a olhos vistos. Assim, perante a progressiva derrota da direita não é de admirar que o liberalismo clássico, outrora uma ideologia de esquerda, seja agora o último refúgio da direita que não tem coragem ou engenho para sair do actual paradigma; desta forma,  a luta ideológica fica limitada a 2 liberalismos: o clássico (de inspiração Lockeana) e o social de pendor ainda mais igualitário (de J. S. Mill a John Rawls).

Materialismo/Economicismo

Existe a ideia de que foi Marx quem nos trouxe o materialismo (histórico), onde o fenómeno social é explicado segundo as condições materiais existentes. Porém, tal como em tudo o resto, Marx limitou-se a seguir a lógica do liberalismo clássico que colocou o foco da moralidade no material quando fez da propriedade sinónimo de liberdade individual. A partir daí os “direitos” ganharam uma componente material.

Hoje em dia tudo é explicado em termos materiais: quanto cresceu o PIB? Qual a dívida pública? A política X cria ou não mais riqueza material? Outras considerações à “direita”, especialmente de índole cultural e particular, praticamente desapareceram do discurso político, permitindo à esquerda basear todo o seu discurso na igualdade material (i.e. justiça social). Isto baseia-se na assumpção de que se o problema do crescimento económico for resolvido, tudo está resolvido. Porém, o que vemos no mundo é a conquista demográfica de povos com culturas pouco materialistas, com práticas nada liberais e com mercados muito menos desenvolvidos; e como se costuma dizer: a demografia é destino. A resposta aqui está na cultura e no seu impacto. Nisto a “direita” calou-se, ou quando fala é para criticar práticas anti-liberais de outros povos (e.g. muçulmanos). Mais uma vez, a melhor defesa das revoluções igualitárias e anti-tradicionais vem da actual “direita”.

Racionalismo

A direita sempre foi céptica em relação ao racionalismo. Sempre assumiu que os homens são competitivos, instintivos e vítimas de paixões. Reagiu negativamente contra o iluminismo alegando que a crença na razão é simplesmente isso: uma crença infundada.

Porém, hoje a direita entregou-se de corpo e alma ao racionalismo, esquecendo a velha máxima de David Hume que a “Razão é a escrava das paixões”. Isto é particularmente evidente quando tenta convencer racionalmente as massas de que o que é preciso são “contas em dia”, “austeridade”, “procura e oferta” e mercado (mais ou menos) livre. Como a direita já devia saber, os seres humanos sentem primeiro e pensam depois (quando pensam). A “direita” postula que é preciso austeridade e continhas no sítio, mas como perdeu o lado do discurso que permitia ser convincente e persuasiva (a nação, Portugal, a cultura, a “raça” portuguesa), tornou-se na coisa menos apelativa de sempre … não admira que o povo seja todo de esquerda. Ao ignorar o tribalismo natural e o emocionalismo humano a direita entregou as cartas todas à esquerda. Ficando apenas com reivindicações de baixos impostos, mercado globalista e austeridade sem ter valores colectivos para oferecer. Isto, claro está, é a melhor receita para derrotas infinitas, quer na frente económica, quer na frente cultural.

Em suma, não se combate a esquerda do século XXI com ideologias de esquerda do século XIX.

Poderá José Sócrates ser Nietzscheano?

Para reabilitar a sua imagem pública, eis que depois do seu exílio em França o ex-primeiro ministro José Sócrates volta ao comentário político sob a indignação de muitos, especialmente daqueles que se dizem de direita. Ao ler o pequeno texto do André (Azevedo Alves) a sugerir que José Sócrates se transformou numa manipuladora personagem Nietzscheana que reavalia todos os valores, não pude deixar de pensar: poderá José Sócrates ser Nietzscheano em algum sentido?

À primeira vista, ao comparar a filosofia de Nietzsche com alguém como José Sócrates o veredicto é simples: praticamente tudo o que o autor alemão defende é contrário ao que José Sócrates representa. Senão vejamos: Nietzsche rejeita o igualitarismo moral e biológico, a moralidade de escravo (anti-excelência), o socialismo (que é moralidade de escravo sem Deus), o liberalismo (igualitarismo dos “cobardes”), o governo das massas (e.g. democracia) e o universalismo da moralidade. Tudo isto, podemos dizer, são valores que José Sócrates não só representa como fez deles a sua carreira.

Por outro lado, podemos argumentar que José Sócrates é apenas um produto do tempo em que vive, onde praticamente tudo o que Nietzsche rejeitava é hoje a norma (daí que o filósofo em causa tenha previsto a decadência niilista do ocidente). E é aqui que, no meu entender, a comparação do André se torna pertinente, pois apesar de Sócrates representar o oposto do que Nietzsche defendia, ele pode perfeitamente estar a usar o zeitgeist (espírito dos tempos) para atingir o poder, ou seja, a usar a célebre “vontade de poder” Nietzscheana. Por outras palavras, José Sócrates nega a realidade e tenta vender uma nova realidade sobre o que aconteceu durante o período em que foi primeiro ministro. Isto, claro, para se manter no poder político.  Assim, o real torna-se difuso, confuso e ambíguo, e o ex-primeiro ministro ganha um novo fôlego político através do relativizar da realidade. Se o conseguir, talvez seja um dos “homens superiores” Nietzscheanos. Será?

O homem superior, para Nietzsche, é aquele capaz de afirmar a vida e reavaliar (ou transmutar) os seus valores para sair da moralidade de rebanho e atingir os seus objectivos, sendo esses objectivos a superioridade e a excelência humana.

Aqui torna-se importante questionar se o que Sócrates está a reavaliar são os valores ou a realidade. Podemos admitir que ambos estão interligados, mas são conceitos distintos. Pessoalmente, parece-me que é a leitura da realidade que Sócrates está a tentar mudar e não tanto os valores. Ele continuará a representar a moralidade de escravo que Nietzsche abomina (i.e. o igualitarismo e a promoção da mediocridade de massas).

Podemos complicar a questão ao perguntarmos se Sócrates realmente acredita nesta moralidade que apregoa diariamente. Ao contrário dos mais fervorosos defensores do “egoísmo” da escolha racional, a resposta aqui, parece-me que é positiva. A esmagadora maioria dos políticos acredita ou acaba a acreditar no que diz e auto-motiva-se com esse motor psicológico. Talvez sofram do que Marx apelidou de “falsa consciência” e no fundo estejam mesmo só a procurar o seu interesse, mas na sua mente consideram que o seu auto-interesse está confluído com o do povo.  José Sócrates não será excepção.

Porém, Nietzsche sempre foi um pensador complexo e imprevisível  que surpreendia com a sua subtileza. Por exemplo, Nietzsche considerava Jesus um desses homens superiores que foi capaz de transmutar os seus valores (tal como os da sua época) e revolucionar criativamente o mundo à sua volta.  Mas, tal como nós já desconfiávamos, José Sócrates não é Jesus, e como tal, provavelmente não iria ser poupado pelo pensador alemão. Porquê?

As características que Nietzsche revelou como intrínsecas aos homens superiores são a capacidade para afirmar a sua vontade através da imposição da vontade (pela via bélica se for necessário) e a capacidade para criar construtivamente, ser original e virtuoso sem nunca ceder à moralidade que favorece a mediocridade e a vida fácil dos que não sabem ou conseguem mais. Em suma, o homem superior é um aristocrata no mais profundo sentido clássico do termo.

Certamente, este “homem Nietzscheano” precisa de saber adaptar-se ao contexto, coisa que Sócrates sempre fez maravilhosamente. Contudo, tal não se torna suficiente, pois a adaptação a um contexto medíocre para manutenção desse mesmo contexto é o oposto da superioridade; estando mais próximo do oportunismo. José Sócrates nunca revelou qualquer capacidade para criar ou alterar o trágico rumo europeísta, igualitário e de endividamento que herdou dos anteriores governos da 3ª República. Chegou a primeiro ministro e limitou-se a levar o país e o actual regime para a sua consequência lógica: a bancarrota moral e financeira. Não criou, não mudou, não inovou e não repensou, limitou-se a aproveitar o espírito dos tempos para viver em facilitismo político. Desta forma, o Über nunca esteve ao alcance deste homem.

A Ideia da “União” Europeia: Kant vs Nietzsche

Por norma, os intelectuais contemporâneos do ocidente gostam da União Europeia e há razões fortes para isso. Com o insucesso do marxismo económico (que foi substituído pelo sucesso do freudo-marxismo) e com o antagonismo compulsivo ao nacionalismo que decorreu da infelicidade das 2 guerras mundiais, o liberalismo foi a ideologia vencedora e hegemónica do pós guerra. Este liberalismo, claro, coloca a tónica no valor da igualdade como valor essencial para suportar a liberdade individual, daí ser apelidado de liberalismo social ou igualitário, sendo o liberalismo clássico/libertário apenas uma voz minoritária e crítica do que devia ser o liberalismo (questão que não vou agora discutir). Assim, quem conhece os meandros universitários e intelectuais sabe que a maioria se revê no paradigma liberal (normalmente de carácter igualitário) e mesmo os simpatizantes do marxismo já se sentem confortáveis no liberalismo igualitário, visto que este absorve muitas das ideias radicais de Marx.

I. Kant

A União Europeia é um projecto feito neste espírito liberal individualista, onde os colectivos identitários que denominamos de nações devem ser diluídos em troca de uma “pacífica” colecção de indivíduos sob o mesmo Estado federal. Esta é uma visão influenciada pela moralidade universal Kantiana, ou seja, pelo imperativo categórico de que devemos tratar igualmente todos os indivíduos (independentemente da origem) como se quiséssemos que tal tratamento se tornasse uma norma universal. A paz eterna de Kant baseia-se nesta moralidade, que é a base filosófica do pacifismo da União Europeia. Por outras palavras, só acabando com o particularismo filosófico (i.e. o “nós” vs “eles” identitário) será possível atingir o almejado modelo Eurocrata. Ao optar pelo universalismo, a União Europeia almeja ser, como diria Hans-Hermann Hoppe, apenas um passo para um futuro governo mundial. Assim, esta União Europeia não é “de facto” Europeia porque não tenciona representar Europeus; tenciona sim representar os valores da universalidade Kantiana, a humanidade, o liberalismo e os direitos do Homem promovidos pela revolução francesa.

Dado o hegemónico clima intelectual igualitário, individualista e universalista da actualidade ocidental, não é difícil de perceber o porquê de existir tanta simpatia pela União Europeia entre intelectuais; ao ponto de alguns chegarem a trocar o antigo “socialismo ou morte” pelo novo “federalismo europeu ou morte”.

F. Nietzsche

Porém, se este modelo de União Europeia tem por base a moralidade Kantiana,  há entre os colossos da filosofia ocidental outras ideias de “União” Europeia que seriam anátema para os actuais euro-federalistas. Estou a referir-me ao Pan-europeísmo de Nietzsche.

Apesar de o seu nome ter sido usado com esse fim, Nietzsche era contra o nacionalismo de pequena escala e escreveu ostensivamente contra o nacionalismo alemão. Ele considerava que os nacionalismos intra-europeus destruíam a vitalidade europeia e como tal defendia o pan-europeísmo. Era assim um europeísta convicto, um patriota europeu, um “civilizacionista” ocidental que defendeu intransigentemente o conceito de “bom europeu”.

No entanto, o que separa a UE de Nietzsche da actual UE Kantiana é a moralidade subjacente. Toda a filosofia Nietzscheana está baseada na desigualdade natural entre os homens; e “afirmar a vida” significa abraçar essa desigualdade através uma moralidade positiva e aceitar o desafio da superação humana.  Isto, claro, implica a rejeição absoluta de valores igualitários como os “direitos do Homem”, a democracia liberal, tal como as quotas niveladoras ou a redistribuição compulsiva, entre outros conceitos centrais para a actual UE. Para ele, todas estas expressões são apenas variações da mesma moralidade de escravo; onde os homens fisiologicamente e culturalmente com mais valor são puxados para a mediocridade pelas massas, provocando o declínio progressivo da civilização ocidental.

Segundo este pensador alemão, qualquer grande civilização ou império só se sustenta se o governo for de carácter aristocrático e resistir a tentações igualitárias como o liberalismo, socialismo ou a democracia; isto implica uma vontade de poder e autoridade por parte dos homens de valor (“aristos”), assim como o respeito pela tradição hierárquica geracional.

O próprio objectivo desta União Europeia teria de representar a “vontade de poder” do “Homem Europeu”, presente na apreciação que Nietzsche tinha de Napoleão quando escreveu que o líder francês era uma força de génio com capacidade de levar a Europa a uma união política e económica que poderia “dominar o mundo”.

Poucas dúvidas restam que entre estas 2 visões de União Europeia foi a Kantiana que venceu. Porém, ao abraçar o universalismo como credo político, o actual projecto federalista desafiou a identidade europeia e o seu particularismo; por outras palavras, desafiou a ideia tradicionalista de sangue e civilização. Com isto, conseguiu diminuir a força e o potencial de acção colectiva interno das nações europeias. Contudo, se o filósofo Roger Scruton estiver correcto (como eu penso que está) quando escreve que todas as sociedades políticas dependem do sentimento de pertença, a actual UE de carácter universalista e individualista é um projecto falhado à partida.

No século XIX, Nietzsche previu que antes de a Europa estar verdadeiramente unida, iríamos passar por uma fase intensa de guerras, democratização, igualitarismo e crise moral, o que de facto se passou e se está a passar. Ironicamente, com ou sem intenção, esta União Europeia Kantiana arrisca-se a unir os europeus, que nunca estariam tão próximos como começam a estar perante este “ataque” às suas tradições e identidades; em última instância, poderão inclusive chegar ao ponto (impensável em condições normais) de se identificarem como Europeus contra este inimigo comum. Se tal acontecer, o actual universalismo Kantiano será provavelmente substituído por um europeísmo mais Nietzscheano e veremos uma “vontade de poder” assumida.

Nessa altura, as ideias hegemónicas serão outras… e os intelectuais médios também.

Sobre as Contas Politicamente Incorrectas de Ricardo Arroja

Quando, em plena capital londrina, o Ricardo me falou das ideias que ele tinha veiculado no seu novo livro “As Contas Politicamente Incorrectas da Economia Portuguesa”, percebi que a sua abordagem económica era distinta. Agora que o li, não tenho dúvidas: este é um livro muito recomendável, mesmo aos que acham que já conhecem bem a situação económica portuguesa.

Claro que um céptico dirá que eu teria necessariamente de dizer bem deste livro, visto ser amigo do autor. Por certo, uma acusação justa. Porém, neste caso, a minha impressão não seria diferente se não o conhecesse. Deixem-me apresentar as razões.

Há pelo menos 2 fortes razões veiculadas neste livro que justificam o seu título e a sua relevância, pois estas chocam frontalmente contra o que os donos da 3ª República veiculam há quase 40 anos em defesa do seu regime. A primeira razão apresentada é que a economia portuguesa do período do Estado novo era comparativamente superior à do actual período democrático. A segunda razão é que a União Europeia e o mercado único foram, nas palavras do Ricardo “uma prenda envenenada” para Portugal. Ambas estas ideias são anátemas para o actual regime. Durante décadas, os portugueses foram “educados” na ideia de que tudo é melhor em democracia e de que a União Europeia é o presente e o futuro que nos levará ao nirvana da prosperidade e modernidade.

Para consubstanciar estas ideias, o Ricardo oferece inúmeros dados “politicamente incorrectos”. Vejamos alguns em relação ao Estado Novo vs Democracia:

“No índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, que mede a qualidade de vida dos países em 2011, figurávamos no 41.º lugar. Em 1975, um ano depois de Abril de 1974, estávamos em 24.º” (p. 30).

Politicamente incorrecto? Sim; mas apenas para quem não tem tomado atenção aos números da economia portuguesa. Continuemos:

“ O Estado Novo foi um período de enorme convergência para os padrões de vida de uma Europa mais rica, tendo o PIB per capita português passado de 30% da Europa rica em 1930 para mais de 50% imediatamente antes do 25 de Abril. Desde então, no espaço de outros 40 anos, a convergência não foi além de 10 pontos percentuais, de 50% para 60% do norte da Europa. E desde 2000 tem sido até uma história de divergência económica, ao ponto de hoje estarmos pouco melhor que em 1974” (p. 150).

Este período de divergência com a Europa coincide, claro está, com a entrada de Portugal no euro; e sobre a União europeia em geral o Ricardo tem muito a dizer, principalmente sobre a forma como o mercado único e as políticas de Bruxelas foram determinantes na destruição do nosso tecido produtivo, quer no sector da industria, como nos sectores das pescas e agricultura. Como resultado, diz-nos o Ricardo:

“O défice na balança de bens é esclarecedor: entre 1996 e 2008, ano em que se atingiu um défice recorde de  (…) cerca de 14% do PIB, a diferença entre importações e exportações aumentou 200%” (p. 35).

A destruição produtiva destes campos é tão pronunciada que, no sector das pescas, Portugal importa agora 60% do seu pescado, sendo um país com o mar à sua frente. Parece que até a República Checa, sem tradição piscatória, consegue produzir 3 vezes mais que nós. Com as limitações de produção impostas por Bruxelas, os resultados na agricultura são semelhantes.

Já os efeitos da aventura “Europeísta” na indústria portuguesa foi igual: A indústria emprega hoje menos de 15% da população activa quando em 1970 representava mais de 30%. Ademais, na década do euro, a desindustrialização acentuou-se, tendo o emprego na indústria diminuido ao ritmo de 2.7% ao ano (p. 49).

Resumindo, Portugal tem hoje um sector produtivo debilitado que não consegue servir as ambições dos portugueses. Para compensar esta falta de produção, Portugal endividou-se tanto ao nível privado como ao nível público, respondendo aos incentivos perversos do crédito barato e fundos europeus com que a União Europeia seduziu o país. Assim, terminámos endividados e governados pelo exterior.

Juntamente com o período de Marques de Pombal, o Estado novo foi dos períodos onde as contas nacionais estiveram em ordem e a economia teve boas prestações. Períodos não-democráticos com certeza. O que nos leva a considerar que as pressões democráticas das massas contribuíram consideravelmente para o actual descalabro. Porém, o Ricardo não advoga o fim das liberdades políticas, apesar de não desenvolver soluções políticas para este problema.

Já no campo económico, há soluções apresentadas. O Ricardo considera que Portugal tem de reaver os seus instrumentos de soberania para poder defender a economia nacional (tal como aconteceu nos períodos áureos supracitados). Nomeadamente, que são precisas medidas de protecção de determinados sectores nacionais em competição no comércio internacional, visto que este último tem-se mostrado destruidor da nossa actividade produtiva. No campo monetário, advoga que é necessária uma desvalorização a curto prazo para restabelecer o investimento nacional e relançar a economia, apesar de, a longo prazo, uma moeda forte ser um objectivo primordial.

Isto, podemos dizer, implica em larga medida a saída do euro e do mercado único, ou pelo menos implica a renegociação de medidas que tragam de volta determinados instrumentos de soberania.

Independentemente do que se possa pensar em relação às propostas apresentadas neste livro, há uma viragem importante em relação ao pensamento universalista e globalista que a esmagadora maioria das análises económicas das últimas décadas nos trouxeram. O foco de preferência altruísta do Ricardo não é o mundo, ou a Europa, mas sim os portugueses. O objectivo não é que todos fiquem melhor, mas que os portugueses fiquem melhor. Tal como o filósofo Michael Sandel argumenta, nós como indivíduos com identidade temos legitimidade moral de dar  preferência à nossa comunidade, aos que nos estão directamente relacionados.

Este livro aponta para a tradição como o melhor indicador das soluções para os problemas actuais. A tradição de sucesso portuguesa, é-nos dito, passa por uma abertura gradual ao comércio internacional, mas sempre com as protecções necessárias que garantem a coesão e sustentabilidade produtiva nacional.

Os teóricos económicos irão discordar ou concordar com tais soluções, mas o que este livro nos relembra é que a política faz-se de escolhas e prioridades; ou seja, depois da febre internacionalista do pós-guerra, está na hora de voltar a moralidade política para a nação.

Em direcção ao oriente

A ideia é sobejamente conhecida e desenvolvida por inúmeros teóricos políticos: o ocidente está em decadência e a civilização de referência irá passar a estar na Ásia. Mais especificamente, este farol civilizacional será produzido pelos asiáticos de leste (i.e. chineses, coreanos, japoneses).

Sobre a decadência do ocidente, já conhecemos as razões tradicionalmente apresentadas. Apaixonado pela igualdade e pelo individualismo universal, o homem ocidental continua a fabricar o seu próprio inferno de Dante. Sem conseguir enfrentar as causas do declínio, o ocidente vai-se debatendo com a insustentabilidade dos seus modelos de providência social, com o relativamente baixo crescimento económico, com a incapacidade de se perpetuar em termos populacionais (i.e. de existir no futuro), com o falhanço do multiculturalismo, com projectos burocráticos europeus desastrosos (i.e. União Europeia), com os EUA a darem os primeiros sinais de desagregação civilizacional, etc… Em suma, o ocidente parece ter ficado preso no seu niilismo igualitário, pelo menos desde que a revolução francesa “implantou” o liberalismo contra a tradição e ordem.

Porém, que razões temos nós para pensar que a civilização de referência do futuro será a asiática?

A resposta tradicional é a do espírito dos tempos, isto é, materialista e de carácter económico. Os tigres asiáticos (Hong Kong, Singapura, Taiwan, Coreia do Sul) há muito que deslumbram os economistas com os seus índices de crescimento económico explosivos e prosperidade inigualável. O Japão, apesar dos altos e baixos, continua a ser uma referência mundial e a China, com os problemas inerentes a um país com dimensões continentais, vai-se revelando uma potência económica muito distinta dos demais BRICS. Sem surpresa, inúmeros prognósticos económicos prevêem que a economia chinesa irá ultrapassar todas a outras no mundo dentro de algumas décadas.

Outra análise importante é aquela que vem do campo das ciências comportamentais. Há muito que os estudos cognitivos revelam consistentemente que as populações dos asiáticos de leste são as que apresentam o QI médio mais elevado no globo; apresentando em média mais 5 pontos de QI do que as populações nativas europeias e sendo ultrapassados apenas por esse grupo minoritário que são os judeus Ashkenazi (que são o grupo étnico com resultados mais elevados ao nível do QI).

Mesmo quem nunca perdeu tempo a analisar estes resultados no campo das ciências cognitivas já desconfiava que algo de semelhante se estivesse a passar; afinal de contas, basta passear pelos departamentos académicos das universidades de topo no mundo ocidental nos campos das ciências naturais, engenharias, etc… para perceber que os asiáticos de leste compõem uma percentagem desproporcionalmente grande dessas comunidades académicas. Isto é particularmente evidente nos EUA, Canadá, Austrália ou no Reino Unido. Eu próprio já tive a oportunidade de o confirmar pessoalmente em Cambridge, no Imperial College London e noutras universidades britânicas.

Assim, perante a evidência de que o QI está fortemente correlacionado com prosperidade económica (com a excepção de casos como a Coreia do Norte onde o regime político não permite a criação de riqueza), está montado o cenário para a aceitação do futuro domínio civilizacional da Ásia oriental.

Contudo, uma das críticas mais prementes a esta ideia de que a tocha da civilização irá passar do ocidente para a Ásia é a de que, apesar do seu índice médio de inteligência ser ligeiramente mais elevado do que nas populações ocidentais, os asiáticos parecem ser menos criativos e menos inovadores (condição relevante para a expansão civilizacional e material). Afinal de contas, nos últimos séculos, foi o ocidente que gerou praticamente todas as inovações relevantes e os asiáticos simplesmente foram eficientes da sua produção e reprodução. A explicação tradicional do porquê de tal fenómeno prende-se com a cultura de obediência asiática (e não de irreverência) e com os sistemas políticos com base na autoridade. Tal, é nos dito, impede que os asiáticos atinjam o seu potencial criativo. No entanto, esta resposta é apenas a explicação de parte do enigma. Os geneticistas Harpending e Cochran sugerem que a possível resposta para este fenómeno está no facto de um determinado gene associado à impulsividade estar praticamente ausente nas populações orientais. Isto, tal como nos é sugerido, é o resultado da selecção natural evolutiva num ambiente onde as normas sociais são implacáveis na punição de transgressores da autoridade. Um país enorme como a China não se sustentaria durante séculos sem o enorme grau de homogeneidade que possui e principalmente sem esta tendência natural para a aceitação de autoridade.

De qualquer forma, a ideia de que os orientais não são inovadores não é totalmente corroborada pela história. Não só inúmeras inovações vieram do oriente no passado, como o próprio Adam Smith escreveu que o mercado na China era na altura muito mais evoluído e eficiente do que na Europa.

Mas mais importante do que todas estas análises é o impacto cultural que um domínio oriental teria no mundo. Com base na cultura social e política oriental, é fácil de inferir que o seu modelo do futuro assenta em 3 bases: 1) Autoridade/tradição, 2) Economia de mercado 3) Etnocentrismo.

O filósofo marxista Slavoj Zizek já identificou o sucesso deste modelo de uma forma bem mais sagaz do que a generalidade dos analistas capitalistas ocidentais. Para ele, a actual crise económica que se vive no ocidente, que leva tantos a culparem o mercado pelo que se passa, não irá significar o fim do mercado. O mercado gera demasiada riqueza para ser abandonado. Irá significar sim o fim da democracia liberal e dos valores liberais de igualdade e liberdade individual que a sustentam.

Zizek não deixa de ter razão, na prática, a democracia liberal faz-se contra o mercado e não a favor deste. Por outras palavras, em vez de serem 2 faces da mesma moeda como muitos liberais julgaram (haaa Fukuyama!), são processos antitéticos que criam forças em sentidos contrários.  A democracia liberal, ao tentar satisfazer os valores centrais do liberalismo que domina o ocidente, acaba por afectar a exequibilidade do liberalismo clássico de moralidade proprietária; de igual forma, as pressões igualitárias das massas, juntamente com as pseudo-elites eleitas à sua semelhança, transforma o liberalismo clássico no liberalismo social Ralwsiano dominante. Este último é já uma forma autoritária e estatizante do liberalismo em agonia, ao ponto de, para manter a liberdade e igualdade do “Homem”, precisar de restringir a liberdade de expressão com “hate speech laws” ou redistribuir mais de 50% do PIB dos países.

Por outro lado, no Oriente, o liberalismo é rejeitado. Nem o maoísmo conseguiu quebrar a lógica do etnocentrismo, respeito pela tradição, identidade e autoridade. São estes os famosos “valores asiáticos” que representam cerca de 1/3 da população mundial e que no caso chinês representam uma união política e identitária sem paralelo.

Como escreveu Roger Scruton, é impossível pensar em “nós” sem nos separarmos do “eles”. Se se verificar  o domínio oriental no globo, isto significará a ascensão do poder desta moralidade tradicional no mundo e o fim do liberalismo como referência mundialista que hoje em dia é imposta pelos EUA. O fundador de Singapura e famoso líder Lee Kuan Yew foi muito claro sobre o futuro do oriente quando proferiu: “os asiáticos não têm dúvidas  de que uma sociedade comunitária onde os interesses da comunidade precedem o interesse do indivíduo serve-os melhor do que o individualismo da América”.

Concluindo, a economia de mercado não está em perigo, mas o mesmo não se pode dizer do liberalismo e dos seus valores. Estes irão ter uma forte competição de valores muito distintos vindos do oriente. Contudo, a curto prazo, o ocidente ficará preso nos conflitos que preparou para si mesmo e nas utopias que teima em não largar … isto, claro, até que o céu lhe caia em cima.

Visionamento recomendado: “Understanding the rise of China”

Obama: “A Mudança Em Que Podemos Acreditar”

O melhor que pode acontecer hoje é a vitória de Barack Obama. Não que vá fazer uma diferença substancial em termos de políticas internas ou externas, mas porque em política o simbolismo é de enorme importância. Considero que os EUA estão em progressivo declínio, isto é, estão a entrar no “verão indiano” da sua existência como projecto e ideal social. Os americanos, um produto de europeus que se juntaram e formaram um ideal noutra terra foi sustentado devido às suas características intrínsecas como povo com um desígnio de construção. Esse desígnio teve tanto sucesso que os levou a pensar que eram os valores e não as pessoas específicas que criaram esse mesmo sucesso. Assim, tornaram-se o polícia militar e ideológico do mundo, e ao mesmo tempo declararam-se universalistas internamente. Disseram que a América não era mais um projecto de um determinado povo (europeu), era sim um projecto universal, para todos, individualista e sem barreiras. Os efeitos fizeram-se sentir na demografia: nos anos 60 os euro-americanos eram mais de 90 porcento da população; agora são apenas 60 e pouco % da população e estima-se que serão uma minoria populacional em breve. OS EUA estão mais divididos e segregados que nunca e os milagres dos valores americanos que fizeram o sucesso americano já não conseguem colar estas novas pessoas com afiliações tão díspares. Esta lógica, diz-nos a história, irá terminar com a fragmentação etno-cultural da America em regiões, e com isto virá o fim da ideia de “América excepcional” que todos nós conhecemos.

Como europeu que observa um projecto falhado e irrecuperável, considero que esta fragmentação deve vir preferencialmente antes do que depois. O simbolismo de um não-europeu no poder poderá ser a melhor forma de acelerar o processo.

O Adeus ao Liberalismo?

Nas últimas semanas, dois eventos profundamente relacionados ocorreram no continente europeu: A União Europeia ganhou o prémio Nobel da paz e um grupo de jovens franceses lançou uma declaração de guerra ao actual sistema político que se difundiu pela internet e chegou a todo o mundo.

Para mostrar o quão “inclusiva” e “tolerante” é, a comissão europeia tem em exposição uma campanha promocional. O lema é “Europe for All” (Europa para todos). Esta consiste de um poster onde se pode ver todas as religiões do mundo juntas numa grande estrela, assim como todas as ideologias. Bem, todas as ideologias não; apesar de a UE ser constantemente acusada de ser uma nova URSS em potência, o Marxismo não envergonha a eurocracia; muito pelo contrário, o comunismo até teve lugar de destaque ficando no topo da estrela; contudo, nenhum símbolo nacionalista/independentista teve direito a constar no poster (muito menos o do famigerado alemão dos anos 30/40).  É fácil de perceber porquê, o slogan “Europa para todos” é a antítese dos slogans nacionalistas que seleccionam como alvo do seu altruísmo um povo específico. “Portugal para os portugueses”, ou “País Basco para os bascos” ou, neste caso, “Europa para os europeus”, seria um clássico slogan nacionalista.

Porém, como eu escrevi há algum tempo, a União Europeia está empenhada em centralizar o poder através do enfraquecimento das nações, promovendo a inclusão dos povos do mundo inteiro na Europa de forma a quebrar as afiliações identitárias das nações. Desta forma, o que a UE quer veicular com este poster é simples: a Europa não é para europeus, não é para indivíduos com identidades tradicionalmente europeias; é sim um território para todos, sem identidade ancestral, atomizada e burocratizada. Por outras palavras, a Europa deixa de ser uma civilização e uma colecção de nações para passar a ser um sítio para onde simplesmente se vai.

O facto de a União Europeia aceitar o comunismo como legítimo mas rejeitar o nacionalismo advém da ideologia liberal universalista que persegue. O nacionalismo não é universalista, pois vê o seu povo como uma família e, como tal, prioritário em relação aos demais. Na sua essência, o comunismo é internacionalista (“trabalhadores do mundo unam-se” disse Marx) e desta forma encaixa na mundividência eurocrata. Ademais, assim como o comunismo, a União Europeia também considera que é preciso partir alguns “ovos” para atingir o seu ideal universal.

Devia ser óbvio para qualquer um: desde o pós guerra que a única ideologia vigente nas elites políticas ocidentais (liberais e progressivas) é o anti-tradicionalismo/nacionalismo. “Extrema”, “radical” são apenas alguns dos epítetos com que as posições mais tradicionalistas são brindadas pelo establishment. É isso que os une. Mais até, precisam desse fantasma para se legitimarem. E mais uma vez este poster mostra-o, excluindo-o das posições “aceitáveis”. Quem não ama a humanidade como todo mas sim os seus em particular não merece crédito político e talvez nem mereça andar por cá, parecem sugerir.

Este universalismo, claro, é a conclusão lógica da vitória do liberalismo saído da revolução francesa, onde a igualdade e a liberdade tornaram-se sinónimo de universalidade e da família do “Homem”. Os grupos tornaram-se “construções sociais” e o individualismo universal tornou-se soberano; é esta a lógica liberal subjacente, reforçada pelo construtivismo e pela revolução cultural gramsciana.

Contudo, na mesma altura em que a União Europeia ganha o Nobel da paz, um grupo de jovens franceses declara guerra contra a filosofia universalista da União Europeia e, especificamente, das elites francesas. O vídeo em si (que vale a pena ver antes de continuar a ler o resto deste texto) contém os preceitos filosóficos que almejam: a defesa da autoridade, da hierarquia, da tradição, do saber clássico, da ancestralidade genealógica, da tribo, do território, da nação, etc… revelando que não acreditam já no preceito liberal de que a humanidade é a nossa família e de que o mundo é a nossa vila.

Mais do que lançarem uma guerra às elites, esta “geração identitária” declarou guerra ao liberalismo, ou seja, declarou guerra ao paradigma liberal que vingou depois da revolução francesa. No fundo, declararam guerra à França e à influência que a França teve sobre o resto do mundo ocidental. Estão em guerra com os erros do passado.

Isto não devia surpreender ninguém. Quer vejamos a questão por uma perspectiva histórica de conflitos identitários no mundo, ou quer vejamos a questão por uma perspectiva evolutiva (inclusive fitness, selecção de grupo, etc…), conhecemos a tendência para os humanos formarem grupos identitários de forma a defenderem os seus.

A utopia liberal do individualismo soberano sempre foi precisamente isso… uma utopia. E os seus efeitos estão-se a fazer sentir cada vez mais à medida que, um pouco por todo o mundo ocidental, a insatisfação, a instabilidade a divisão social aumentam. Parafraseando Roger Scruton, toda a gente possui um sentimento de pertença, de querer pertencer; de sacrificar o eu pelo grupo.

Certamente que o liberalismo sofreu metamorfoses nos seus valores durante o tempo, passando de um liberalismo mais clássico onde a igualdade era formal e a liberdade era negativa (livre de constrangimentos de outros) para o liberalismo social que hoje domina e que é baseado na igualdade de resultados e na liberdade positiva (livre para atingir tudo o que se quer porque se tem meios para tal).

É ainda importante lembrar que o liberalismo começou como uma filosofia interna, destinado ao Homem europeu, como forma de garantir liberdades sociais internas (o próprio John Stuart Mill escreveu que outros povos teriam de ser tratados de formas distintas), mas rapidamente evoluiu para a sua conclusão lógica, isto é, para o individualismo universal.

É igualmente relevante apontar que o dito liberalismo económico não significa o abraçar dos valores liberais, tal como muitos países asiáticos mostram. Países como a Coreia do Sul, Japão, China, entre outros abraçaram economias de mercado mantendo visões tradicionalistas e preservacionistas de si mesmos.

Por fim, os tempos de crise em que vivemos e os 2 eventos mencionados neste texto apontam para uma crise do liberalismo universalista. Isto não tem de ser fatal, durante os últimos 200 anos o liberalismo passou por muitas crises e ainda está em vigor, estando até cada vez mais radical nos seus fundamentos. Sem surpresa, este precisa de se radicalizar para sobreviver (como mostra o poster da União Europeia). Mas pode também ser o canto do cisne e este poderá ser o princípio do paradigma pós-liberal.

Localismo, Tradição e Democracia

Este é um texto que tinha prometido ao Ricardo (Arroja) e que visa analisar os efeitos do localismo por comparação ao conceito democrático. O Ricardo escreveu há pouco tempo um artigo onde analisa a história económica portuguesa recente e chegou à conclusão que existiram períodos onde Portugal conseguiu ter as contas em dia; desses períodos, destaca Salazar e Marquês de Pombal. Em comum, escreveu o Ricardo, está o facto de ambos terem centralizado a “vida financeira do Estado”.  O seu pai, o Pedro Arroja, complementou o texto do Ricardo escrevendo que é necessário ter em consideração as tradições dos povos para se perceber o que funciona ou não; e no caso português, o que funcionou foi a centralização.

Neste ponto da importância da tradição eu concordo com o Pedro Arroja, que aliás, considero um dos escritores mais interessantes da blogosfera (e que tal como eu foi dos primeiros a advogar a saída de Portugal do euro). De facto, sem se perceber as tradições das comunidades não é possível encontrar soluções eficientes para a organização política.

O Ricardo tem objectivamente razão nos dados que apresenta. Mas isto leva a questões mais profundas. Neste caso específico, foi a centralização financeira que deu resultado no passado ou foi a centralização financeira juntamente com a ausência de democracia? Será que ter centralização financeira juntamente com democracia gerará bons resultados? O Ricardo escreveu que perdeu a fé na democracia representativa. Sei igualmente que o Ricardo já apresentou várias vezes a democracia directa como uma hipotética forma de resolver vários dos problemas que a actual democracia liberal representativa portuguesa apresenta.

Perante este cenário o que seria lógico seria talvez advogar a centralização financeira do país ao mesmo tempo que se advogava mais democracia directa e alguma descentralização administrativa. Neste cenário entra a questão da tradição. Se, como foi alegado, Portugal não tem tradição de localismo (que implica descentralização fiscal) também é verdade que não tem tradição de democracia directa. Um crítico desta solução facilmente apontaria para a Califórnia falida onde há elementos de democracia directa num Estado unitário mas onde as pessoas votam “irracionalmente” a favor de um maior Estado providência e a favor de menos impostos. Decididamente, parece que a democracia directa não é um remédio para todos os males. Não é difícil de imaginar que algo semelhante fosse acontecer em Portugal.

Mas claro, há sempre o caso Suíço, onde a “democracia directa” parece funcionar, limitando o socialismo descontrolado e gerando prosperidade. Porém, a democracia directa gera os resultados conhecidos porque opera numa lógica de descentralização fiscal e governativa (localismo). Os cantões Suíços são largamente auto-financiados com a tributação a ser feita a 3 níveis: federal, cantonal e comunitário. O governo central (federal), por exemplo, só cobra cerca de 11.5% em impostos directos sobre o vencimento e boa parte dos impostos pertencem aos cantões e comunidades. A competição fiscal e governamental é real.

Assim, a explicação para este fenómeno parece evidente: quando as pessoas votam em comunidades pequenas elas estão em larga medida a votar sobre a sua propriedade e o seu estilo de vida, visto que o espaço para a redistribuição a larga escala fica severamente limitado. Quando se vota num grande bolo e em rendimentos de pessoas que nunca vimos, a tendência para aproveitar a situação de forma a obter dividendos via redistribuição aumenta consideravelmente. Havendo uma radical autonomia fiscal e administrativa, os suíços votam muitas vezes num sentido que mantém o país economicamente liberal.

Tal faz sentido de um ponto de vista dedutivo, mas mais uma vez a tradição tem um papel fundamental. Já desde os tempos em que a Suíça inspirava Rousseau que os suíços funcionavam numa base comunitária e com índices de cooperação elevados.

Porém, em relação ao caso nacional, há algo que me parece mais importante do que a tradição portuguesa de centralizar as finanças para obter bons resultados, que é o facto de Portugal ter a tradição quase karmica de terminar em entropia económica e política quando opta pela via democrática, como o exemplificam a primeira e a actual república. Seria a democracia directa uma solução?

O que me parece importante de salientar é que não há modelos universais que sirvam a todos os povos, o que provavelmente implica que a democracia (independentemente do tipo de democracia) não é um sistema viável para todas as populações do mundo. Cada povo tem o seu temperamento, capacidades e tendências médias que geram tradições e normas sociais que não podem ser ignoradas na altura de se escolher um sistema político. Perante esta desigualdade natural humana, na realidade, há tradições e normas sociais (de moralidade) que não são compatíveis com a democracia (e.g. autoridade natural colocada permanentemente num representante grupal/tribal).

Até a própria democracia representativa liberal, que eu considero um mau sistema de governação, revela resultados diferentes mediante os povos em causa. Apesar de revelar em média uma tendência para o socialismo de mercado, as democracias representativas liberais mostram-se financeiramente insustentáveis em países como os EUA ou Portugal, mas relativamente sustentáveis em países escandinavos. Os povos e a sua natureza fazem a diferença até quando lhes é aplicado um sistema político de baixa qualidade.

Portugal é um país de matriz europeia, como tal, não me parece absurdo alegar que transpor o sistema político suíço para Portugal teria efeitos positivos, principalmente em relação ao actual sistema. Contudo, se não existe esta tradição, pode ser uma tentativa infrutífera. Mas mais importante é perceber que democracia directa acoplada a uma centralização financeira não faria sentido nem do ponto de vista da tradição nacional (que não lidou com democracia directa) nem do ponto de vista da dedução (votar sobre a propriedade de outros a uma larga escala terminará possivelmente como a Califórnia).

Seguir a lógica da tradição identificada pelo Ricardo implicaria possivelmente centralizar as finanças e limitar a democracia. Implicaria optar por exemplo por uma democracia aristotélica onde o governo seria uma mistura de elitismo aristocrático com diálogo democrático com o resto do país através dos seus representantes.

Como é sabido, no actual espírito dos tempos isto é quase impensável de propor porque o significado de democracia foi alterado desde a Grécia antiga até hoje. A democracia deixou de ser um sistema de governo apenas para ser um sistema de valores do Liberalismo: igualdade individual (1 pessoa 1 voto/universalidade) e liberdade (de participação política independente da condição). A evidente existência de desigualdade de virtude é assim moralmente condenada.

Como tal, independentemente do sistema que instrumentalmente  se possa escolher, torna-se importante perceber com que tipo de valores queremos lidar e se os valores que se espalharam no pós revolução francesa são os melhores. Porque dentro destes valores, os sistemas políticos terão resultados semelhantes. Talvez, mas apenas talvez, Portugal nunca conseguiu adaptar as suas normas sociais aos valores do Liberalismo. Se assim for, é altura de iniciar um processo Nietzscheano de transmutação de valores que se adeqúem à tradição portuguesa…

Portugal em Revisão no Daily Telegraph

Patience Snaps in Portugal: by Ambrose Evans-Pritchard

“Portugal cannot recover under the policies in place. The government is asphyxiating the Portuguese economy for no useful purpose. It is pain without gain.
While mass default within European Monetary Union is theoretically possible, the country would do better to leave monetary union and restore global competitiveness at a stroke. There is nothing to be gained from dragging out the agony. (…)

Professor Milton Friedman warned against the destructive effects of European Monetary Union from the beginning. He would be horrified by the collapse of the money supply across Southern Europe and Ireland. It was after all Friedman’s theories on the monetary causes of the Great Depression that made him famous.
His advice to Portugal would be immediate withdrawal from the Maquina Infernal of European Monetary Union, and the immediate retrieval of Portugal’s sovereign policy instruments. (…)

Sadly, there seems to be almost nobody in public life in Portugal willing to tell the people that membership of the euro is the elemental cause of their current suffering. They need a Friedmanite in tooth and claw to consummate their revolution.”