Realizam-se amanhã protestos mundiais contra o ACTA. Muito do que se tem escrito internacionalmente, e copiado nacionalmente, introduz medidas que não estão de facto presentes no documento final (traduzido aqui para português). O exercício de fabulação é desnecessário, o que o ACTA assume devia ser suficientemente mau para se temer o acordo.
1. Os Direitos de Autor passarão a ter muito mais probabilidade de serem efectivamente cumpridos.
Os Direitos de Autor são actualmente a anedota da internet. Consciente ou inconscientemente, ninguém os respeita: a reprodução e gravação ilícita de propriedade intelectual tornou-se um hábito consolidado desde o aparecimento do YouTube (as negociações do ACTA começam precisamente em 2006, quando a Google compra o site). O ACTA tem como objectivo número um acabar com o clima de impunidade quanto à violação de Direitos de Autor, introduzindo uniformemente mecanismos dissuasivos e punitivos da prática: o ACTA é uma Ode à chantagem pecuniária, que prevê por isso, claro, «sensibilizar a opinião pública no que se refere à importância do respeito dos direitos de propriedade intelectual e aos efeitos negativos do desrespeito desses mesmos direitos» (Art31º).
2. As associações de autores passarão a ter um poder quase jurídico.
Grande parte da ineficácia da protecção de Direitos de Autor na internet deve-se à natureza dos processos jurídicos. Fazer a avaliação da violação de Direitos de Autor passar pelo tribunal implica perder dinheiro: enquanto o tribunal não se pronuncia, o tempo de reprodução ilícita de dada obra tem, alegadamente, correlato directo para o dinheiro perdido com a sua não venda, e, para além disso, a morosidade e complexidade do processo não tem efeito dissuasivo nos pequenos piratas que acreditam ser peixe demasiado pequeno para serem apanhados pelo sistema.
Com o ACTA, basta à editora lesada apresentar um pedido «com um grau suficiente de certeza» para que sejam automaticamente tomadas medidas provisórias (Art12º). São também as editoras que, obviamente, vão poder requerer o montante das indemnizações, baseado nos «lucros cessantes, o valor das mercadorias ou serviços objecto da infracção medido pelo preço de mercado» (Art9º). Para conseguir calcular em quanto são prejudicadas, as pobres editoras têm de saber qual é de facto a amplitude do roubo, pelo que o ACTA permite ainda que as autoridades lhes cedam directamente toda a informação sobre a mercadoria que o infractor possui (Art22º).
3. Interpretação dúbia.
Se a Google lá se vai defendendo dizendo que só não acaba com a pirataria porque a natureza da internet torna difícil que se impeça infracções e a Google não pode decidir quem está ou não a cometer infracção, a maneira como o ACTA trata a Injunção deixa dúvidas sobre a motivação que sites cujo conteúdo é gerado por utilizadores possam subitamente encontrar para lutar mais activamente contra a pirataria: «emitir uma injunção a uma parte para que cesse uma infracção, inter alia, uma injunção contra essa parte ou, se for o caso, uma parte terceira, em relação às quais essa autoridade é competente, para impedir que entrem nos circuitos comerciais as mercadorias que envolvem a infracção a um direito de propriedade intelectual» (Art8º).
4. A criação de mais um grupo de burocratas.
O ACTA prevê a criação de um Comité (Art36ª) que funcionará em loop, aprovando o seu regulamento interno após a entrada em vigor do ACTA. O Comité irá avaliar o funcionamento do ACTA, ajudar potenciais novas adesões a adequar a sua legislação ao ACTA, e escolher as alterações ao Acordo.
5. Uniformização da regulação a nível global.
A uniformização de medidas para a aplicação das já uniformes leis de protecção de Direitos de Autor promove uma centralização de poderes a nível global, e a consequente difusão das fronteiras nacionais, assim cada vez mais obsoletas. O ACTA não pretende ficar-se pelos países da primeira adesão, prevendo uma campanha de sedução de outros potenciais aderentes. A promoção de uma defesa eficaz global dos Direitos de Autor é indubitavelmente sinónima de um ataque à liberdade que caracteriza a internet tal qual a conhecemos.
6. Impacto imprevisível na economia e na criatividade.
O que acontecerá quando as pessoas tiverem de facto medo de partilhar obras? Que impacto terá esse freio na própria promoção do trabalho dos autores?
Leitura recomendada: O estranho mundo dos Direitos de Autor: O estranho mundo dos Direitos de Autor III