Vamos ser claros. O desvario em que o país mergulhou nada tem que ver com a comunicação desastrada de medidas. Nem sequer com a composição dessas medidas. A gritaria apareceu por uma única razão: toda a gente quer Estado mas ninguém o quer pagar.
Esta contradição tem duas soluções possíveis. Ou as pessoas se convencem de que têm de pagar, seja através de impostos, seja através de cortes de despesa. Ou se convencem de que este Estado não serve. Sendo que a primeira via está (manifestamente) posta de parte, só nos resta a segunda alternativa.
Essa alternativa implica termos a honestidade de reconhecer que o que nos trouxe até aqui não foi, em bom rigor, o socialismo e que não vão ser cortes de despesa (e muito menos aumentos de receita) que nos vão tirar daqui. O que nos trouxe até aqui foi o poder excessivo do Estado e, por isso, a única coisa que nos pode tirar daqui é a limitação desse poder. Defender esta ideia é uma obrigação moral que alguém tem de assumir.
Digo obrigação moral porque o défice, a dívida, o peso do Estado não são problemas orçamentais ou económicos. São problemas morais. Se queremos, por exemplo, uma sociedade solidária temos que assumir que esta não pode existir enquanto o Estado dito social nos isolar uns dos outros, enquanto o Estado dito social nos isentar da responsabilidade pelas nossas escolas, pela nossa saúde, pela nossa reforma e até da responsabilidade pelos nossos.
A liberdade é um pré-requisito da virtude e a verdadeira liberdade só existe quando podemos não só decidir mas também quando temos de enfrentar as consequências dessas decisões. Se o Estado nos impedir de viver num país em que não somos livres de fazer o que está certo, nunca saberemos o que “fazer o que está certo” significa. É por isso que o verdadeiro drama da situação que vivemos não é o desperdício de dinheiro, é o desperdício de pessoas. E não há obrigação moral maior do que evitar o desperdício de pessoas.
Isto significa que a mensagem política que este país precisa não é, como nunca foi, “neste partido/governo temos ideias muito melhores para gastar o vosso dinheiro do que naquele partido/governo”. Também não podemos limitar-nos a lutar por uma versão mais barata do Estado porque isso é garantir que, assim que houver folga, voltamos ao mesmo. Só se o Estado sair das nossas casas, das nossas empresas, dos nossos carrinhos de compras teremos alguma hipótese de voltar a endireitar o país.
Adaptando uma frase famosa do Oakeshott, defender cortes de despesa pode ser melhor do que a alternativa mas faz parte da mesma linha política. Uma linha política que deve ser abandonada, nem que seja, porque só assim conseguiremos explicar às pessoas o porquê de mudar o Estado. Só assim é possível dar um propósito substantivo aos cortes. Um propósito sem o qual não poderemos libertar-nos do canto de sereia dos almoços grátis.
Até isso acontecer, por muito que nos custe, não há realmente alternativas.