Dogma e Tradição

Embora não seja hábito escrever sobre o tema religião, abro aqui uma excepção para responder de forma breve ao texto do André e da Maria João Marques.

Não vou aqui falar dos erros e da confusão de doutrina católica que Pedro Arroja apresentou, mas importa compreender que tanto o Dogma como a Tradição na Igreja representam dois pilares na doutrina católica, embora apenas um deles tenha um valor absoluto e imutável. É por esta razão que os dogmas não são muito abundantes e apenas podem ser pronunciados pelo papa, invocando para tal o seu poder Ex Cathedra. A infalibilidade papal apenas existe no exercício deste poder, e como tal, apenas no momento em que se pronuncia um novo Dogma para a Igreja Católica.

Assim sendo, compreende-se que apesar da importância que a Tradição da Igreja possui, várias mudanças tenham ocorrido ao longo dos séculos, até em sentidos divergentes, dando lugar por exemplo a dois ritos na Igreja Católica – o Rito Ocidental e o Rito Oriental. Tal não afecta a doutrina na Igreja, muito menos, a discussão que obviamente muitos dos rituais dessa Tradição coloca no contexto dos dias de hoje.

A Maria João Marques fala em defender uma “heresia” no que respeita à alteração da Tradição da Igreja, de modo a possibilitar o acesso ao sacerdócio das mulheres. Eu discordo da conotação de heresia, dado que não considero que uma discordância da Tradição, ou mesmo de um texto doutrinário como uma Encíclica, constitua uma heresia. Uma interpretação da doutrina católica com base no Evangelho contrária a um documento oficial do Vaticano não perfaz uma heresia per se. Basta lembrar a evolução que muitas das ideias contidas em Encíclicas tiveram ao longo dos tempos. Deste modo, a discussão e reflexão em matéria de Tradição e de interpretação de doutrina merecem incentivo. Um dos argumentos que reveste a interdição das mulheres ao sacerdócio é o facto da Igreja ter dúvidas se possui a autoridade para tal, dado que Cristo nunca a realizou, apesar de ter tido essa possibilidade. Parece uma coisa menor. Não é. É nesta linha que o argumento é mais de Tradição que propriamente teológico, mas longe, na minha opinião, de ser matéria de Dogma.

Embora faça esta distinção, julgo importante realçar que estes dois pilares são ambos estruturantes na organização da Igreja Católica. O ponto onde não concordo com a Maria João é a forma como secundariza a Tradição, esvaziando-a de toda a sua essência e importância no seio da Igreja. Não é apenas pelo facto que nos dias de hoje o papel da mulher na Igreja pareça ser inferior ao do homem que se deva aprovar automaticamente uma alteração ao direito canónico. É necessário compreender que a Tradição não conserva apenas ritos por conservar, mas que mantém os limites daquilo que pode ou não ser realizado dentro da Igreja.

Sócrates, os “crimes” e a verdade

Sócrates, os “crimes” e a verdade. Por Henrique Monteiro.

(…) Interferências políticas. Se a situação já era suficientemente má sem existirem interferências políticas, imaginem como fica quando elas são sentidas de modo claro. O gabinete do primeiro-ministro teve sempre por estratégia secar completamente a informação aos grupos e jornais que não domina, privilegiando descaradamente os jornais ‘amigos’. Recordo, para aqueles que acham isto ‘normal’ que a informação disponível do Estado deve ser prestada em condições de igualdade e que o direito a ser informado é um imperativo constitucional.

Aqui no Expresso qualquer passo para saber algo sobre iniciativas do Governo foi, em muitos momentos, penoso. Depois do caso da licenciatura do primeiro-ministro, assistimos a um boicote claro na informação a este jornal e, em particular, a uma hostilidade total do primeiro-ministro. Mais: José Sócrates chegou a mentir sobre títulos que teriam sido feitos neste jornal, dando-os publicamente como exemplo de mau jornalismo. Mas, quando lhe foi demonstrado que esses títulos que ele publicamente citara eram mentira, jamais se dispôs a corrigir. À má vontade, juntou-se a má fé. (…)

Estado de Direito, segundo José Sócrates

José Sócrates critica hoje “o abuso por parte de jornalistas” pelas notícias que foram divulgadas na semana passada. As suas próprias explicações enquanto Primeiro-Ministro, perante um caso gravíssimo de tentativa de condicionamento da liberdade de imprensa, tal é secundário. Para o PM, o estado de direito está apenas em causa pela divulgação de um despacho de um juíz onde são referidos indícios criminais que envolvem o chefe de governo. Que o próprio José Sócrates se recuse a esclarecer o caso, que possua indícios desta gravidade contra ele (que caso não fossem tornados públicos seriam meramente arquivados), tudo isto parece ser irrelevante para o nosso estado de direito na opinião do PM.