Comemorações do 25 de Abril – forma e conteúdo

Apresentam o festejo da liberdade e a concordância pelo molde em que é feita como um requisito à sua defesa, desprezando o paradoxo que aqui habita. Se acaso um dever moral aqui houver, este certamente estará mais em viver essa liberdade do que em a festejar publicamente. Festejá-la é uma escolha, e outra escolha ainda o modo de o fazer, especialmente tendo em consideração a pandemia atual.

Texto do José Campos Costa que aqui partilho:

A entrada no parlamento do deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, encorpou o debate ideológico que se vive no seio da democracia portuguesa, alastrando-se, evidentemente, para a esfera civil. O duelo socialismo versus liberalismo, pondo a nu visões bastante diferentes para o melhoramento das condições de vida dos portugueses, traz benefícios não só para a nossa máquina parlamentar per se, mas também, tão ou mais importantemente, para a cultura política nacional. A observância de argumentações com um teor visivelmente distinto a nível económico, social e filosófico na Assembleia da República, e o eco que delas é feito na comunicação social, conduz a uma reflexão capaz de enquadrar e melhor compreender, a título individual, o posicionamento político de cada um. Quanto mais o debate for alimentado por uma saudável discórdia político-cultural, menor será o espaço para os remoques jocosos, palmas irónicas e mesquinhices paroquiais.

A evolução da COVID-19 tem feito com que este combate recentemente estreado se envolva mais num cenário tribal do que propriamente num pautado pela racionalidade. É notória, nas redes sociais, a campanha panfletária que a esquerda radical tem adotado, numa tentativa de demonizar o liberalismo, ainda que à custa de um discurso demagogo e incorreto que confunde, numa sopa ininteligível, conceitos de anarquismo e liberalismo. Este empreendimento parece levar à criação de um instinto pavloviano nos seus fiéis seguidores, que prontamente se dispõem a ciberguerrilhar na cruzada pelo profetizado fim do “neoliberalismo” – com toda a carga negativa adjacente com que têm incutido esta palavra –, como é já tradição em alturas de crise, desde as financeiras às sanitárias. Dizia Ana Gomes no episódio do podcast do Observador Vichyssoise do passado dia 27 de março o seguinte: “(…) não podemos cometer os mesmos erros, designadamente continuar num esquema turbocapitalista que desconsidera as implicações na natureza e que depois dá situações como esta, de contaminação entre animais e os seres humanos”. O capitalismo é, portanto, condenado como o grande culpado desta pandemia: um promíscuo veículo de transmissão de doenças entre o Homem e os animais. Sempre assim o fora, basta recordar o esquema turbocapitalista da Idade Média, que, no século XIV, conduziu à morte de 1/3 da população europeia. Os neoliberais de então não resistiram às neoliberais pulgas que dos neoliberais ratos saltaram para os dizimar.

Certo, sabido e historicamente observável é, então, que as crises, independentemente da sua natureza, têm o condão de acentuar a polarização de opiniões e conduzir a interpretações hiperbólicas da atualidade. A mais recente e notória prende-se com a sessão comemorativa do 25 de abril na Assembleia da República. Para perceber o grau desse exagero, basta atentar nas mais recentes declarações de altas figuras da nossa democracia, como Ferro Rodrigues, que declarou que a “A Assembleia da República não saiu do terreno da vida política democrática com (…) a pressão de saudosistas, anti-parlamentares ou seguidores de fake news”. Mais do que visar uma ou duas pessoas, e respetivos partidos, e a isso ficar cingida, esta perigosa generalização é adotada e insuflada nas redes sociais. Vemos já levantar-se um lado da barricada que não poupa no agitar da bandeira do fascismo a quem se insurge contra esta celebração do 25 de abril. Lado esse que veste tudo e todos que se encontram fora da sua esfera de perceção de como se deve celebrar esta marcante data com o fato de saudosistas. Apresentam o festejo da liberdade e a concordância pelo molde em que é feita como um requisito à sua defesa, desprezando o paradoxo que aqui habita. Se acaso um dever moral aqui houver, este certamente estará mais em viver essa liberdade do que em a festejar publicamente. Festejá-la é uma escolha, e outra escolha ainda o modo de o fazer, especialmente tendo em consideração a pandemia atual. O que, indubitavelmente, não consagra a liberdade e não contribui para a sua plena vivência e compreensão é etiquetar como fascista quem opte por escolhas diferentes. Quem não questiona nem a importância da liberdade nem o simbolismo do 25 de abril que a adjaz, mas apenas e só a sua celebração de acordo com os moldes previstos. É uma questão de forma, não de conteúdo. No entanto, é o conteúdo moral de cada anti-parlamentar que está a ser atacado.

Ana Catarina Mendes segue a senda e atira que “as críticas feitas às comemorações têm uma motivação “ideológica” e não de defesa da saúde pública”, arrogando-se, portanto, o papel de juiz de consciência de milhares de portugueses que erradamente pensam estar a pesar possíveis consequências para a saúde pública quando, na verdade, é a ideologia que faz pender a balança. O paternalismo com laivos corretivos da líder parlamentar do PS é gratuito, infundado e tem somente como consequência o acicatar de opiniões já por si só extremadas. Decerto haverá quem sustente a sua crítica em pilares ideológicos, mas isso não elimina, de todo, a desadequação da frase de Ana Catarina Mendes.

Irónico ver ainda, no mesmo artigo, que Ferro Rodrigues consegue, simultaneamente, defender a impossibilidade de vias anti-democráticas como consequência da COVID-19 enquanto advoga “o combate aos que promovem petições com números sem credibilidade nem controlo”. Todos conhecemos o modus operandi de Ferro Rodrigues, que nos deixa aqui mais um exemplo da sua visão: para Ferro Rodrigues, só é democrático aquilo que se coaduna com os seus valores e crenças. Tudo o que vive fora desse mundo, destinado está a ser reduzido a anti-democrático. Aprendemos, ao crescer, que o facto de alguém discordar de nós não vem revestido de um caráter pessoal e ofensivo. Ferro Rodrigues ainda não aprendeu que quem não concorda com ele não é necessariamente um autoritário em gestação.

Ressalvo, em jeito de remate, que, ainda que considerando como desnecessária a presença de tantos deputados e demais convidados para as celebrações do 25 de abril (forma, não conteúdo!), concordo que ela seja realizada dentro de limites que não deixem dúvidas quanto à segurança sanitária da mesma. Não poderia deixar de concordar, uma vez que defendo que a discussão sobre o regresso a uma vida mais normal do que aquela que confinantemente estamos a viver deva ser feita de forma mais pragmática e constante. Nada melhor, portanto, do que preparar a sociedade para essa discussão transmitindo-lhe a mensagem que estamos a atingir o nível certo de maturidade para a ter.

José Campos Costa

4 pensamentos sobre “Comemorações do 25 de Abril – forma e conteúdo

  1. Filipe Bastos

    Quanto à podridão do regime, ao maniqueísmo esquerdalha e ao asqueroso Ferro, de acordo.

    O 25 Abril é um ritual de legitimação da bandalheira; um pretexto para manter a carneirada dócil e agradecida pela “democracia” que suas excelências tão bondosa e desinteressadamente lhe legaram, enquanto se serviam da gamela e vendiam o país a retalho.

    A esquerda arma-se em dona da coisa, a direita finge que alinha porque não quer passar por facho. Esta parolice deve durar enquanto durar a geração agora com 70 anos que ainda conheceu o Botas. A malta nova está-se a borrifar para o 25/4.

    Já quanto a isto – “o capitalismo é, portanto, condenado como o grande culpado desta pandemia” – acho bem; mas duvido que a malta abra os olhos sobre os mamões que mandam no mundo, ou todo o trabalho e empregos que outsourcizamos para a China e afins, só para que os ditos mamões possam offshorizar lucros obscenos.

  2. Gaius Octavius

    Não me oponho à celebração do Natal dos socialistas dentro da Assembleia, com a condição de que se abracem e chorem muito de emoção e limpem todos as lágrimas e o ranho ao mesmo trapo.

    E até confesso que, se eu estivesse infectado com o vírus chinês, aceitaria de bom grado a missão patriótica de ir até lá aspergir o conteúdo das minhas fossas nasais para cima, pelo menos, do grande monte de Costa e do sapo pacman.

  3. Eduardo Menezes

    Só quem não viveu os acontecimentos à época pode pensar que o golpe militar de 25 A trouxe a LIBERDADE.
    Com o golpe militar (reivindicações salariais e profissionais dos capitães) os comunas aproveitaram a ingenuidade de muitos militares para instaurar uma ditadura marxista. muitíssimo pior que a ditadura salazarista.
    Assaltos, ocupações, saneamentos… um ror de libertinagens !!!!
    Não fora Ramalho Eanes e Jaime Neves a liderar o 25 de Novembro e o país estaria lançado numa terrível guerra civil
    O 25 Novembro é o verdadeiro e que é o Dia da Liberdade, pelo menos aquela que temos agora.
    Ironia das ironias os próprios socialistas, de então, estiveram envolvidos no 25 de Novembro… outros vieram e querem passar-se para o 25A

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