No dilema entre segurança e liberdade é necessário manter uma certa desconfiança em relação ao exercício do poder por parte do governo e mais ainda na ausência de travões constitucionais.
Artigo do Ricardo Arroja, no Eco. A ler.
Numa altura em que a resposta governamental ao COVID-19 tem vindo a ser enquadrada no contexto de uma economia de guerra, a provocação de Mises ganha renovada actualidade e deveria conduzir-nos a uma reflexão que o turbilhão das últimas semanas tem negligenciado: o dilema “segurança vs. liberdade”.
É do liberalismo clássico que o dever de garantir a segurança dos cidadãos consiste numa função de soberania. Da segurança militar à económica, a forma de o Estado proteger os cidadãos, que conferem à acção do Estado a sua legitimidade existencial, tem evoluído.
Sobre isto, Hayek (em “O Caminho da Servidão”) destaca [que] “não há incompatibilidade entre o Estado oferecer maior segurança auxiliando na organização do sistema de previdência social e a preservação da liberdade individual. À mesma categoria pertence também o aumento da segurança proporcionado pelo Estado na forma de assistência às vítimas de catástrofes naturais, como terramotos, inundações, etc. Sempre que a acção pública é capaz de mitigar desastres dos quais o indivíduo não se pode defender e contra cujas consequências não pode precaver-se, tal acção deve, indubitavelmente, ser empreendida”. Hayek chama-lhe “segurança limitada”, afirmando que “a mesma é indispensável à preservação da liberdade, porque a maioria dos homens só aceita de bom grado o risco implícito à liberdade se este não for excessivo”.
Todavia, o momento actual não se resume à dita segurança limitada; contempla também, na crítica (reprovadora) de Hayek, a “segurança dos quartéis”.
A suspensão da democracia foi o primeiro passo. O segundo reside na militarização da economia, na qual o Estado “requisita” e toma controlo dos meios de produção. Não é uma tese delirante. É aquela que resulta da concessão de poderes ilimitados ao governo, que se diz temporária, que se diz necessária, que se diz assente na sensatez do Presidente da República e do Primeiro-Ministro, mas que não deixa de ser uma revogação dos limites constitucionais que regulam a ordem democrática.