Sou católica. Fui catequista durante mais de uma década. Acredito em Deus e na ressurreição do seu filho. Mas descobri estes dias que o meu Deus é diferente do Deus da maioria dos católicos. É que o meu Deus jamais castigaria quem, preso em sofrimento num corpo, escolhesse antes partir. O meu Deus não forçaria ninguém a viver com dores excruciantes, não forçaria ninguém a viver num corpo que não lhe obedece e que, para tudo, precisa dos demais.
Decidi abster-me de discutir publicamente o tema da eutanásia, sobretudo pela complexidade do tema, pelas dúvidas que tenho e, muito importante, porque tem havido argumentos absurdos que se encontram por aí, que em nada contribuem para uma conversa digna. A única coisa que fiz publicamente foi dar uma ou outra informação.
Entre amigos e outros conhecidos a história é outra e, uma das coisas que tenho notado, é que tenho vários amigos católicos a favor. Curiosidade: poucos são os que dizem publicamente que são a favor. Estão no seu direito de guardar a sua opinião, tal como eu tenho feito, pelo que nem posso reclamar muito. Mas acho curioso isso acontecer, talvez pelo medo de como podem ser vistos pelos seus amigos católicos que são contra…normal, sobretudo com a Igreja a fazer campanha pelo não. Por falar em Igreja, já agora deixar uma pequena nota: o Papa Francisco, que tanto já falou do combate à corrupção, vai receber o Lula da Silva no Vaticano. Extraordinário.
Voltando ao principal, acho que faz falta ter um debate entre católicos sobre este tema. Discutir o tema tendo em conta o nosso Deus. Textos contra há vários publicados na imprensa. A favor acho que nem vi, daí que hoje partilhe aqui um dos poucos textos que vi – porque felizmente me enviaram – de alguém católico que é a favor. Por coincidência, esta pessoa também é profissional de saúde, pelo que partilho aqui também outro texto seu (antes de reproduzir os textos deixo também os links dos posts onde foram partilhados. Este e este).
Quanto ao resto… quem quiser que discuta, de forma digna de preferência. Algo difícil nos dias de hoje.
Sou enfermeira. Há dez anos que todos os dias convivo com a dor, a morte e o sofrimento. Sei exactamente a que cheira a miséria, conheço de cor o cheiro ácido das melenas e continuo a arrepiar-me com o cheiro putrefacto de algumas úlceras de pressão. Ainda era estudante, do último ano da licenciatura, quando, em contexto de paliativos domiciliários, vomitei no quarto de uma doente. Porra, tudo ali gritava morte. Aquele cheiro ainda hoje me assombra. A merda, a bílis, o exsudado e os tecidos mortos das feridas. Não aguentei.
Mas depois aqui ando, a discutir o direito de morrer com gente que nunca viu sofrimento sem ser em filmes e que acha que com cuidados paliativos tudo se resolve. Como se os melhores paliativos do mundo mudassem o facto de alguém estar preso a uma cama, a comer por uma sonda, a urinar por outra, a sujar fraldas atrás de fraldas e a criar escaras que, sim, às vezes são inevitáveis. Como se os paliativos mudassem a realidade de quem tem que respirar 16h por dia, através de um buraco que os médicos lhe abriram na garganta, com a ajuda de um ventilador. Não é uma questão de não ter dores, de ter uma linda vista para o rio ou a família por perto. É uma questão de não querer, de não aceitar, viver assim.
Atrás das secretárias ou dos ecrãs de computador, lá onde não chega o cheiro da morte e onde não se ouvem os gritos das dores que a morfina não resolve, é fácil opinar. É fácil falar bonito sobre as escolhas dos outros quando temos umas pernas que nos obedecem, quando a incontinência para nós é apenas uma palavra usada nos anúncio das fraldas e quando a pior dor que já sentimos se resolveu com tramal. Difícil é estar lá, dar a mão a essas pessoas e dizer-lhes que, mesmo contra a sua vontade, terão que continuar a sofrer. Porque alguém decidiu por elas sobre a sua própria vida. Porque alguém decretou que não estão capazes de decidir por si mesmas ainda que as suas faculdades cognitivas estejam intactas.
É, eu também tinha opiniões muito romanceadas antigamente. Mas acho que as vomitei todas em Fernão Ferro, na casa da doente de 41 anos que apodrecia numa cama e que repetia incessantemente duas palavras: “deixem-me morrer”.
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Sou católica. Fui catequista durante mais de uma década. Acredito em Deus e na ressurreição do seu filho. Mas descobri estes dias que o meu Deus é diferente do Deus da maioria dos católicos.
É que o meu Deus jamais castigaria quem, preso em sofrimento num corpo, escolhesse antes partir. O meu Deus não forçaria ninguém a viver com dores excruciantes, não forçaria ninguém a viver num corpo que não lhe obedece e que, para tudo, precisa dos demais.
Não sei que Deus é o de algumas pessoas que parece arrogar-lhes a autoridade moral de decidir pelos outros o que é melhor para si, de os forçar a viver quando essa não é a sua vontade. Quão superiores se acham aqueles que acreditam que as suas convicções se devem sobrepor à autodeterminação dos demais?
Durante anos ouvi na Igreja que Deus nos deu livre arbítrio. Então com que direito há quem queira agora retirá-lo aos demais? O meu Deus não é assim. O meu Deus é misericórdia, bondade e perdão. O meu Deus receberá todos aqueles que, em sofrimento profundo, escolherem repousar nos seus braços.
E não tentemos confundir os demais. Os cuidados paliativos, tão necessários, não são a resposta para esta questão. Há quem, simplesmente, não queira viver num corpo que não lhe obedece, sem poder mais que piscar um olho para dizer que tem sede. Mesmo que não tenha dores, mesmo que esteja rodeado pelos que ama. E quem somos nós para lhe dizer que tem que aguentar? Quem somos nós para o obrigar a viver assim?
Cansada de falsos argumentos, cansada de ver tentativas de assustar os outros com argumentos tão vazios como “depois começa-se a matar quem dá muito trabalho”. Já leram as cinco propostas? Alguma delas em algum momento remete para aqui?
A nossa vida é nossa. A nossa morte também. Cada um de nós devia ter o direito de decidir em sã consciência quando é que chega. Quando é que o sofrimento passa a ser intolerável. E nem todo o sofrimento se alivia com morfina, sabiam?
Quem acha que decidir sobre o término da própria vida é intolerável tem bom remédio: não o faça. Mas que ninguém ache que tem o direito de obrigar outros a viver em sofrimento em nome de um Deus que depois dizem ser de amor. Quem ama tem compaixão. Quem tem compaixão respeita o sofrimento dos demais e não se ocupa a minimizá-lo. Quem tem compaixão não vive preso em movimentos circulares que não o deixam ver nada além de si próprio.
Comecei a falar de Deus mas vou acabar no absoluto paganismo de uma série de ficção: se “all men must die”, então que muitos o possam fazer dignamente, conforme a sua vontade.

Não há nada para discutir.
A Iniciativa Liberal quer o Estado a ter este poder e a decidir sobre a morte de pessoas
Não há mais nada a dizer. Está tudo dito.
Eu sempre vomito quando recebo o recibo de vencimento e vejo os descontos que faço para que alguns parasitas recebam de reforma o que nunca descontaram, e os vómitos agravam-se quando imagino o que eu irei receber quando chegar a altura. E porque não criar uma comissão para eutanasiar essas criaturas, é visível o sofrimento que padecem ao saberem que usufruem de um dinheiro para o qual não fizeram os respectivos descontos.
Morrer com dignidade não é morrer com uma injeção letal dada por um burocrata medico ou por uma enfermeira burocrata que cansados com o seu trabalho diário, se esqueceram do juramento feito de tratar e curar doentes e não para os despachar escondendo-se por detrás da nova bandeira dos progressistas que querem salvar o planeta mas já não têm vontade nem energia de cuidar e salvar dos próprios seres humanos. O meu pai e avós morreram em casa depois de um sofrimento prolongado, mas sempre com dignidade, pois tiveram cuidados médicos que lhe aliviaram a dor e o amor de familiares que estiveram com eles nos últimos meses de vida. Em que é que estas mortes são indignas, como o pretende a sra enfermeira ?.
“O meu pai e avós morreram em casa depois de um sofrimento prolongado, mas sempre com dignidade, pois tiveram cuidados médicos que lhe aliviaram a dor e o amor de familiares que estiveram com eles nos últimos meses de vida.”
Com respeito, o mundo não acaba na porta da casa do Joaquim. Nem todos são como o seu pai e avós, nem todos têm a mesma família, o mesmo acesso a cuidados, a mesma doença, a mesma dor ou a mesma vontade.
A legalização da eutanásia não a torna obrigatória; tal como as mulheres não desataram todas a fazer abortos em massa quando o aborto se tornou legal.
Apenas se legalizou o que já era prática comum, desde sempre, com mais segurança e menos hipocrisia. É o que está em causa aqui.
hiprocrisia é termos um SNS que segundo dizem é o melhor do mundo, mas que cada vez mais desiste de tratar e curar doentes e em troca se especializa na matança generalizada de bébés ( em pleno funcionamento ) e de velhotes. E por muitos filmes do Ramon espanhol que façam, a realidade é que o SNS e os médicos têm por função tratar e não matar. Por cada Ramon que desistiu temos outro Ramon que decidiu viver ( ver vídeo do prof Serrão que fala num tetraplégico português, já para não falar no famoso físico que morreu recentemente ). Agora virem escudar-se no “sofrimento” para implementarem uma lei que no fundo pretende desresponsabilizar e branquear a falência do SNS e do estado social , isso sim é triste. Decidir aprovar um tema que nem estava na agenda eleitoral do PS e PSD e que serve de moeda de troca entre partidos para aprovação do orçamento das cativações, a toda a pressa sem debate público é dar demasiado poder aos políticos e fazer dos portugueses uns mentecaptos.
E porque estaria “o melhor SNS do mundo” num país tão pequeno, pobre e pelintra? Isso é que seria estranho, não acha?
A questão da eutanásia é independente do SNS. Qualquer pessoa em qualquer lado, em certas circunstâncias, pode precisar dela. Mais uma vez, trata-se apenas de legalizar o que já existe, sempre existiu.
Totalmente de acordo quanto à negociata do Centrão Podre e ao excesso de poder desta classe pulhítica. Por isso, ou sobretudo por isso, é que precisamos de uma democracia semidirecta. Mas aposto que raramente ou nunca pensa nisso; só quando decidem algo de que não gosta.
O aborto é morte só porque alguém não tem voz.
E depois temos a desonestidade da política de excepção.
Se casos excepcionais justificam uma política então podemos dizer que abusos do estado excepcionais justificam o fim do estado.
Filipe Bastos
“E porque estaria “o melhor SNS do mundo” num país tão pequeno, pobre e pelintra? Isso é que seria estranho, não acha?”
Não “seria” assim tão estranho. A Holanda, Dinamarca, Noruega são mais pequenos mas têm SNS mais eficazes, a bem dizer, sem qualquer comparação com o português. É verdade que não são tão “pobres e pelintras” como nós, mas não têm xuxalistas que põe as pernas dos banqueiros alemães a tremer, nem comunas jurássicos ou caviar, e isso faz toda a diferença para a riqueza de um país
“A questão da eutanásia é independente do SNS. Qualquer pessoa em qualquer lado, em certas circunstâncias, pode precisar dela. Mais uma vez, trata-se apenas de legalizar o que já existe, sempre existiu. “
A eutanásia não é independente do SNS. Actualmente, o SNS é incapaz de tratar eficazmente os vivos que pretendem viver, condenando-os a uma “eutanásia” forçada por listas de espera para exames complementares e/ou tratamentos médicos ou cirúrgicas. Agradeço a informação que “trata-se apenas de legalizar” este procedimento que “já existe, sempre existiu”.
“Totalmente de acordo quanto à negociata do Centrão Podre e ao excesso de poder desta classe pulhítica. Por isso, ou sobretudo por isso, é que precisamos de uma democracia semidirecta. Mas aposto que raramente ou nunca pensa nisso; só quando decidem algo de que não gosta.”
Esta é a fase característica da trollaria em que no fundo, no fundo, não somos tão diferentes, até temos pontos em comum que dão para dizer mal dos políticos. Fico com uma dúvida, na “democracia semidirecta” não está incluído o uso de referendos?
Carlos,
Portugal já era pobre e pelintra antes dos xuxas. Com excepção de um breve período de expansão e saque ultramarino, sempre o foi.
Com outra classe política – xuxa ou não xuxa – poderia estar hoje melhor, mas não há milagres. Menos para os esquerdalhas e para os direitalhas, claro: para os primeiros os amanhãs sempre cantam, para os segundos basta tornarmo-nos mais uma prostituta fiscal de pernas abertas aos mamões e trafulhas deste mundo.
De acordo quanto aos problemas do SNS; mas isso não impede que se legalize a eutanásia. E claro que devia ser referendada. Carlos, todas as questões relevantes podem e devem ser decididas por todos os interessados. A tecnologia existe, é banal, só falta a vontade.
Considere-me um troll se quiser, mas sou absolutamente sincero: isto que temos não é democracia. Precisamos de democracia semidirecta. Temos de controlar esta classe pulhítica.
A senhora enfermeira, como boa católica e se esteve atenta ao Evangelho de ontem, é capaz de ter ouvido Jesus Cristo afirmar: “Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento”.
“Mas descobri estes dias que o meu Deus é diferente do Deus da maioria dos católicos.” Claro, os outros católicos é que vão em contra-mão quando acham que é Deus quem decide quando dar ou tirar a vida; afinal, segundo o catolicismo unipessoal, lda da senhora enfermeira, quem decide são os homens.
“Durante anos ouvi na Igreja que Deus nos deu livre arbítrio.” Claro que nos deu. Também nos deu regras, incluindo os mandamentos relembrados no Evangelho de ontem.
“Não sei que Deus é o de algumas pessoas que parece arrogar-lhes a autoridade moral de decidir pelos outros o que é melhor para si, de os forçar a viver quando essa não é a sua vontade.” É o mesmo Deus que condena o suicídio.
“Atrás das secretárias ou dos ecrãs de computador, lá onde não chega o cheiro da morte e onde não se ouvem os gritos das dores que a morfina não resolve, é fácil opinar.” Só pode opinar sobre os assuntos quem com eles lida? Algum dos deputados que vão legislar sobre o assunto lida habitualmente com doentes? Por outros lado, parece que “Entre “chumbos” e o silêncio, as 5 propostas para despenalizar a morte assistida ainda não receberam pareceres positivos. Ordem dos Médicos e Ordem dos Enfermeiros chumbaram todos os projetos.”, segundo as notícias. Têm que falar com a senhora enfermeira… Além disso, parece que as dezenas/centenas de instituições ligadas à Igreja Católica (e outras igrejas) que todos os dias e a toda a hora dão auxílio a doentes não percebem nada disto, estão atrás de secretárias ou ecrãs de computador…