Dada a visita da dona Greta, aproveito para partilhar um texto que escrevi nos idos de Agosto de 2017 sobre o papel redentor da tragédia e a gratitude que a deve acompanhar. Creio que este texto é particularmente relevante neste momento em que o debate público é cada vez mais dominado por um messianismo apocalíptico barato e em que pensamento trágico e pessimismo antropológico parecem significar mero ódio civilizacional e ressentimento:
Num de seus mais belos poemas, Fernando Pessoa descreve o homem como um “cadáver adiado”. Para além de uma dimensão lírica, a afirmação carrega uma verdade indubitável, cuja obviedade nos desespera. Tal descrição é arrebatadora, não por ser uma extravagância poética, mas por se reiterar continuamente ao longo da nossa existência. Para onde quer que olhemos, a morte espreita.
Ainda que o convívio com a morte seja permanente, teimamos em tratá-la como forasteira. Então, se o fim é uma certeza, porque nos comportamos como covardes diante dele? A resposta é simples: a consciência da morte é avassaladora. Num passado remoto da nossa espécie, alguns que tomaram consciência da mesma paralisaram, não reproduziram e morreram. Só sobreviveu aquele cujo intelecto reprimiu, de alguma forma, esta devastadora perceção.
O ser humano entendeu a tragédia bem antes de descobrir a roda. O trágico fundou a civilização. Entendo, desta forma, uma tragédia cultivadora de virtudes, que ergue o homem para enfrentar aquilo que o destrói e não como um culto ao sofrimento. Ao conceber o ser humano como um “cadáver adiado” a cultura trágica desconfia daqueles que se acham perfeitos em potencial, capazes de gerar felicidade eterna e, em suma, imortais.
Como remédio para essa neurose antropológica, os séculos XVI e XVII produziram as Vanitas, a expressão da “vaidade”. A arte passou a ser dominada por caveiras, fruta apodrecida e fumaça, símbolos futilidade humana e da certeza da morte. Olhar a Vanitas deveria fazer o ufano lembrar-se da sua insignificância, da sua finitude. Segundo a tradição medieval, seria a expressão artística do versículo de Eclesiastes: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”.
Já na Grécia Antiga, tornou-se famosa a máxima que Platão tantas vezes enuncia do Oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Talvez por covardia, o restante da citação nunca é mencionado… Este dita: “E saibas que és mortal”. A mensagem é simples: o verdadeiro autoconhecimento passa por reconhecer que somos apenas um “punhado de pó”.
Na monumental “A origem da Tragédia”, Nietzsche responsabiliza o reconhecimento popular grego da trágica verdade de Sileno pelo esplendor cultural vivido na Grécia. Por outro lado, o autor considera que o rompimento com tragédia clássica foi o principal responsável pelo deterioramento da cultura helénica.
Porquê? Culturas que abandonam a tragédia, renunciam ao auto-conhecimento e, em ultima instância, a si mesmas. Qualquer sistema filosófico, político ou social que não parta de uma analise antropológica pessimista esta fadado à calamidade. Os que desprezam esta análise tendem a pensar num mundo ilimitado, onde recursos infinitos amamentam o “novo homem”, livre dos fantasmas do passado, altruísta e reinado pela “consciência coletiva”.
Infelizmente, o mundo pouco se importa com as abstrações de “teóricos de gabinete”. Inundandos em idealismos, tais teóricos dizem-se humanistas, crendo numa ideia de ser humano que não existe. Na verdade, apenas a tragédia é humanista. O principal objetivo do teatro grego era mostrar o homem tal como ele é, e não como achamos que ele deveria ser. A incessante luta com o destino, o mundo exterior que nos domina (seja a natureza, a pólis ou a própria convivência social), a insustentabilidade do desejo e o constante relembrar da nossa imperfeição. Somos impotentes, pequenos e só o reconhecimento do trágico nos liberta.
Ao assimilar este pessimismo antropológico, a tradição eleva-se. A sabedoria, a ordem e as instituições legadas pelo nossos patriarcas tornam-se objetos de gratidão. Deparados com um mundo dominado pelo absurdo e pela entropia, os nossos ancestrais arrancaram sentido das pedras, gerando uma sociedade que funciona razoavelmente bem (luxo raro e caríssimo), dominada pelo avanço técnico e que cria conforto em larga escala.
A apreensão quanto ao espírito revolucionário não é fruto de uma mentalidade reacionária, mas da consciência de que somos um “cadáver adiado” que se digladiou para construir um mundo onde a tragédia se sente menos. Rejeitar a utopia não é perpetuar o sofrimento, é prevenir o coma.
«Os que desprezam esta análise tendem a pensar num mundo ilimitado, onde recursos infinitos amamentam o “novo homem”, livre dos fantasmas do passado»…
O autor deve referir-se à esquerda, mas a frase acima descreve lindamente a direita.
A direita faz de conta que vivemos num planeta com recursos ilimitados, onde é possível – até imprescindível – crescer sempre e para sempre. Basta ver aqui os posts a chorar a falta de crescimento, quando o país X cresce tanto, o país Y cresce mais ainda, etc.
No mundo direitista não há tragédia, não há pessimismo. Tal como o esquerdista, vive numa utopia: a do crescimento perpétuo e infinito.
É sempre a produzir mais, a consumir mais, a inchar mais o sacrossanto PIB, a inventar mais dinheiro do ar para os insaciáveis ‘mercados’ e demais mamões donos disto tudo.
Resumo deste texto pretensioso, vápido e verborreico:
“Como vamos todos morrer não é preciso fazer nada relativamente às alterações climáticas.”
Nunca antes tinha visto um texto filosófico (pseudo-filosófico mas enfim…) a defender os interesses da indústria petrolífera.
Há uma primeira vez para tudo…
“Interesses a industria petrolífera” é o interesse dos trabalhadores, patrões , brancos, pretos, amarelos, azuis, pilinha, sem pilinha, para não morrerem em mais uma fome Marxista criada pelos Filipes Bastos e ATAVs
Cheios de terror que as pessoas vivam bem e como Marxistas não tenham mais razão para justificarem a sua própria vivência messiânica.
Junkies da escassez.
lucklucky
Sabe o que mais é do interesse dos “…trabalhadores, patrões , brancos, pretos, amarelos, azuis, pilinha, sem pilinha…”? O Estado Social que você tenta tão diligentemente destruir com a sua cruzada contra os impostos. E o Estado social levanta bem mais gente da pobreza do que a indústria petrolífera.
Aliás, na transição para uma produção energética mais amiga do ambiente, um estado social mais abrangente significa que os trabalhadores que eventualmente perderem o emprego terão subsidio de desemprego e acesso a treino de requalificação para reentrar no mercado de trabalho. Eles e as famílias deles irão continuar a ter acesso a saúde, educação e segurança social durante esta fase. Coisa que não seria possível caso você levasse a sua avante.
Mas é patente que você só se interessa pelos patrões e pelos gestores de topo, os “criadores de riqueza”. Todos os outros que se desenrasquem sozinhos…
“E o Estado social levanta bem mais gente da pobreza do que a indústria petrolífera.”
Santa ignorância, sem Industria Petrolífera terias fome generalizada, milhões morreriam de frio, não terias energia.
Mais uma vez tentas justificas a opressão, violência e corrupção social sobre quem não concorda contigo.
Não fazes ideia do que é “ambiente”.
“E o Estado social levanta bem mais gente da pobreza do que a indústria petrolífera.”
Esta frase é inenarravel… das coisas mais estúpidas que já li.
Quando o petróleo é a base da nossa civilização, foi graças a este produto que demos o salto tecnológico no sec. XX, dependemos dele para tudo… sem petróleo nem estado social haveria!
Lucklucky
“Santa ignorância, sem Industria Petrolífera terias fome generalizada, milhões morreriam de frio, não terias energia.”
Se desaparecesse de um dia para outro sim. Mas só os extremistas dementes defendem semelhante coisa.
E é exactamente por isso que os paises estão a esforçar-se para fazer uma transição suave para fontes energéticas alternativas.
“Mais uma vez tentas justificas a opressão, violência e corrupção social sobre quem não concorda contigo”
Leia-se ” tu defendes que as pessoas devem pagar impostos para sustentar um estado social abrangente”
ANDRE MIGUEL
“Quando o petróleo é a base da nossa civilização, foi graças a este produto que demos o salto tecnológico no sec. XX, ”
Estranho, não me lembro de dizer que o petróleo não teve um impacto positivo na nossa sociedade. Aviso-o que não me apetece brincar com espantalhos…
“… sem petróleo nem estado social haveria!”
Por falar em coisas estúpidas e inenarráveis, vejo que continua a marrar no ” a tecnologia é a única responsável pelo nível de vida das sociedades modernas”
Petróleo sem estado social dá algo semelhante ao século 19, onde meia duzia eram fabulosamente ricos e resto definhava na miséria. Tipo o descrito no Oliver Twist, onde orfãos morriam à fome e de frio naquela que era a cidade mais rica do mundo. A famosa “Guilded age”…
Já não tivemos esta conversa antes? Porque persiste em querer que a nossa sociedade fique igual à do seculo 19?
Ah! Já me lembro! Quase que me ia esquecendo que por aqui as únicas pessoas que interessam são os “criadores de riqueza”, tipo os donos das petroliferas e os seus gestores de topo…
“Porque persiste em querer que a nossa sociedade fique igual à do seculo 19?”
É preciso ter lata, quando é precisamente a esquerda que defende isso.
Só o capitalismo contribui para atenuar as desigualdades.
André Miguel
E qual é esquerda que quer regressar ao século 19? A esquerda que lutou contra o trabalho infantil que era tão comum nessa altura? Ou será a esquerda que acha que os patrões não podem despedir um trabalhador só porque lhes dá na real gana como era costume no século 19?
Hmm… talvez seja a esquerda que defende um estado social abrangente e que os trabalhadores possam negociar colectivamente em sindicatos. Tudo coisas que não existiam nesses tempos…
Ė esta esquerda que você está a referir-se? Ou será que está apenas a projectar (acusar os outros de defenderem as politicas reprováveis que você tanto aprecia) ?
“Só o capitalismo contribui para atenuar as desigualdades.”
É. Se há coisa que preocupa o capitalismo é a desigualdade. Oito mamões já têm tanto como meio planeta. Tudo a correr como previsto.