Escrever, para um partido antigo, um novo programa eleitoral não é verter sobre o papel um outro amanhã. Pelo contrário, é um processo de diálogo constante com o passado e o futuro desse partido; a conciliação, a reconfiguração e a renovação de velhas alianças geracionais, sociais, profissionais e geográficas que, em virtude de um país tão desigual, nem sempre se encontram nos seus interesses.
Na realidade, e provavelmente por defeito da nossa democracia, é fundamentalmente nos partidos políticos – se quisermos excluir daqui o futebol – que podemos encontrar essas coligações sociais. Mais do que a manifestação de uma ideologia maioritária e minoritária, são a congregação de uma enorme diversidade de pontos de vista em torno de um conjunto de ideias centrais e, evidentemente, contrárias à cultura do poder estabelecido.
Os grandes partidos de centro-direita assumiram, desde a sua matriz, esta ambição. É por isso que, com ou sem liberal no nome, com ou sem conservador no nome, assumiram sempre as funções complementares de estancar e reformar os excessos do socialismo e da social-democracia, por um lado, impedindo, por outro, rupturas sociais que comprometem a própria possibilidade de reformar o país. Independentemente da consistência teórica desta postura, que tem sido cada vez mais colocada em questão tanto por uns como por outros, ela tem sido a chave do sucesso à direita ao longo das décadas do pós-guerra.
Um largo contrato, não-socialista, socialmente agregador e mobilizador, que foi resolvendo as suas tensões internas por via da própria acção política. A experiência é boa professora: quando há uma educação monolítica e centralizada, uma saúde desastrosa e subfinanciada, um Estado açambarcador, ineficiente e distante e uma regulação económica que prejudica todos excepto os que já ganharam, e quando sabemos explicá-lo, ganhamos com isso.
Ninguém sabe medir ao certo a dose de liberalismo, conservadorismo ou democracia-cristã do último governo PSD\CDS. Todos sabemos, no entanto, que fez o necessário na circunstância necessária. Foi chamado a servir e, não agradando a todos, serviu o país. Este diálogo nem sempre é fácil e é um processo constante da vida partidária. É isso que fazem os grandes partidos, e foi por isso que passei na minha experiência de escrita do programa eleitoral do CDS. Percebi que o lugar da liberdade, se quisermos que ela seja compreendida para além dos que já foram convencidos, é precisamente nesse diálogo.
E é por tudo isto que quando me perguntam sobre o suposto liberalismo do programa do CDS, ou se é ”um programa liberal”, prefiro responder que é um programa CDS. Porque um programa CDS é isto: um contrato reformista entre profissões, geografias e idades.
Sempre passou por aí, e foi sempre quando os liberais se predispuseram a participar na construção desse contrato que ambos conseguiram maior sucesso. Foi isto que permitiu uma PàF. E é isto que nos permitirá no futuro, mais uma vez, construir uma alternativa ao socialismo.
O lugar da Liberdade mora na construção dessa alternativa. Desse futuro.