O Reino Unido está proverbialmente perante uma escolha impossível. No seu parlamento não existe maioria disposta a apoiar o acordo de saída negociado com a União Europeia. Não existe uma maioria favorável à saída sem acordo, nem maioria favorável à permanência à revelia do referendo de 2016. Estas divergências são insanáveis. A divisão dos britânicos é total e qualquer dos cenários não reúne maioria parlamentar.
Este é o problema de decisões constitucionais tomadas por maioria simples em vez de maioria qualificada. A maioria formada circunstancialmente no referendo de 2016 tinha presumivelmente vontades contraditórias: Uns queriam sair totalmente da UE, outros queriam sair mantendo acesso ao mercado único; Uns queriam restringir a imigração, outros queriam esticar o dedo do meio à Comissão Europeia; Uns pretendiam obter independência regulatória para poder liberalizar e abrir a economia, outros pretendiam essa independência para ser mais intervencionistas; Uns achavam que o Brexit traria um paraíso conservador, outros um paraíso socialista.
O referendo é um instrumento que pode ser útil para ratificar determinadas decisões. Ou para decidir sobre matérias simples em que uma resposta sim/não é fácil de implementar. Mas é um instrumento perigoso pelo potencial de decisões contraditórias. Por exemplo, no estado da Califórnia foram aprovados em tempos duas propostas: Uma que tornava aumentos de gastos automáticos na educação e outra que limitava os impostos a cobrar pelas autoridades locais (responsáveis pelo sistema educativo). É também perigoso quando a pergunta feita não é respondida de forma capaz pela alternativa sim/não. Dificilmente se pode esperar uma resposta inteligente a uma pergunta estúpida.
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qualquer referendo com esta importância só é válido se o sim for por 2/3. Caso contrário é manipulação…
«qualquer referendo com esta importância só é válido se o sim for por 2/3.»
Eram essas as regras à partida?
Penso que uma saída possível seria repetir o referendo mas com a condições de renegociar as próprias regras da UE. Dou um exemplo. O tratado da EEA diz que em determinadas situações a livre circulação de trabalhadores pode parar temporariamente. Este ponto poderia ser clarificado para que países fora do Espaço Schengen possam parar a livre circulação de trabalhadores temporariamente em situações de desemprego elevado. Outro ponto que pode ser negociado é a exigência de um determinado número de anos de descontos, pelo menos 2, até que se possa aceder a alguns benefícios sociais como habitação social ou abonos de família. Também se poderia negociar a saída do Tribunal Europeu mantendo total acesso ao mercado único, substituindo-o por um tribunal especial para a EEA, mas isso já seria muito mais difícil de ser aceite por países como a França. Acredito que com o plano original de Cameron o Remain pode vencer um segundo referendo. Mas repetir o segundo referendo mantendo as condições de adesão é uma enorme estupidez.
A saída do mercado único é muito prejudicial para o RU e para vários países europeus onde se inclui Portugal e portanto deve ser evitada mesmo que isso implique cedências impensáveis de ambas as partes.
Este é o problema de decisões constitucionais tomadas por maioria simples em vez de maioria qualificada.
Não, o problema nada tem a ver com a maioria ser simples ou qualificada. O problema é que, tal como é usual num divórcio, há duas partes que querem coisas distintas, e um acordo satisfatório para ambas pode ser, pura e simplesmente, impossível de obter.
É o que se passa neste caso. O Reino Unido quer sair da união comercial mas a Irlanda (tanto a do Norte como a República) não aceita que haja uma fronteira física entre as duas Irlandas. Acontece que os ingleses consideram a Irlanda do Norte como uma colónia sua e estão-se basicamente a cagar para ela, mas a União Europeia considera a República da Irlanda como um seu Estado membro e portanto dá pleno apoio à sua posição de que não pode existir uma fronteira. Nestas condições, um acordo satisfatório para ambas as partes é, basicamente, impossível.
Não há nada a fazer.
não existe maioria disposta a apoiar o acordo de saída negociado com a União Europeia. Não existe uma maioria favorável à saída sem acordo, nem maioria favorável à permanência à revelia do referendo de 2016.
Exatamente. Há três possibilidades (aceitar o acordo de saída, sair sem acordo, ou permanecer na União), e nenhuma delas reúne, presumivelmente, o acordo da maioria – nem dos deputados nem do povo – britânicos. É por isso que a ideia de um segundo referendo é totalmente disparatada – não se pode fazer um referendo em que se escolhe entre três possibilidades.
“Of course it’s not fair — and a damn good thing too. Give the like of
Baldrick the vote and we’ll be back to cavorting druids, death by
stoning, and dung for dinner.”, Blackadder, 1987
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