Patrões, Esses Exploradores – O Estado É Um Benfeitor

Qualquer relação laboral é estabelecida de livre vontade entre a entidade empregadora e o empregado. A única explicação racional para esta relação laboral ser estabelecida é que 1) ambas as partes se sentem beneficiadas com essa relação; e 2) pelo menos naquele momento, o empregado escolheu aquele emprego entre todos os outros possíveis; e a entidade empregadora escolheu aquele empregado dentro dos candidatos disponíveis. Qualquer outra explicação assume que as pessoas são irracionais. Nesse sentido, usar a palavra “exploração” pode ser usada no sentido lírico – como eu posso afirmar que “sou explorado pela empresa X” da qual escolho consumir bens ou serviços. Acresce o facto que, pelo menos do lado do empregado, sempre que este se sentir “explorado”, pode rescindir livremente o contrato laboral, e procurar um outro emprego onde não se sinta “explorado”.

Adiante. Numa empresa com fins lucrativos, um emprego só é criado (ou não destruído) se o empregador conseguir obter (ainda que apenas no médio-longo prazo) uma diferença positiva entre o valor do salário pago e o valor do trabalho produzido para que se possa obter uma margem de lucro. Novamente, outra explicação assume que as pessoas são irracionais.

Torna-se então importante compreender os custos para para o empregador, uma vez que o empregado terá que produzir trabalho num valor superior a esses custos para que o emprego seja criado (ou não destruído). Comecemos a análise com um emprego cujo salário mensal é de 1000 euros. Na realidade, em Portugal, os trabalhadores recebem 14 salários por ano correspondentes a 11 meses de trabalho (subtraindo um mês de férias anual). Considerando o custo da segurança social suportado pelo empregador que é de 23,75%, se conclui que o custo mensal para o empregador por mês efectivamente trabalhado é na realidade de 1000€ x (1 + 23,75%) x 14 / 11 que dá 1575€ por cada mês trabalhado – e isto excluindo todos os outros custos, como por exemplo, o seguro contra acidentes de trabalho.  Neste cenário, o rendimento mensal ajustado para o empregado é de 1000€ x 14 / 12 = 1167€.

O facto do empregador ter que pagar 23,75% do salário bruto em segurança social é um artifício contabilístico. O leitor mais atento, já se terá apercebido que este valor é pago na realidade pelo trabalhador. Isto é, se o empregado não produzir um valor mensal superior a 1575€ por mês trabalhado, o empregador não consegue suportar um salário bruto mensal de 1000€. Artifícios contabilísticos à parte, é completamente indiferente para entidade patronal se a parcela da segurança social for definida como toda paga pelo empregado ou como toda paga pelo empregador – o valor de caixa que sai da empresa no final do mês seria exactamente o mesmo, e é sempre retirado do valor produzido pelo trabalhador. A única razão que eu vejo para este artifício contabilístico é que o estado não quer que os trabalhadores se sintam “explorados” em impostos.

Portanto, sendo a segurança social paga toda através do trabalho do empregado, podemos concluir que o salário bruto para um empregado que ganha 1000€ por mês corresponde na realidade a um rendimento mensal (ajustado 14/12 meses) de  1000€ x (1 + 23,75%) x 14 / 12 = 1444€.

A próxima questão relevante é, deste salário mensal ajustado de 1444€ auferido pelo trabalhador (e de reforçar que para o emprego existir, o trabalhador por mês trabalhado terá que produzir um valor superior a 1575€), que parcela fica para o empregado e que parcela vai para o estado. Usando as tabelas de IRS para 2018 (não casado e sem dependentes), para um salário mensal de 1000€, a retenção na fonte é de 11,90%. Portanto, para o estado por mês vão 1000€ x 11,90% x 14/12 = 139€ em IRS, e 1000€ x (11%+23,75%) x 14/12 = 405€ em Segurança Social. Isto é, de um salário mensal bruto de 1000€ a que corresponde um salário mensal ajustado de 1444€ euros, o estado recebe 544€ ou 38%, e o empregado recebe o restante, ou seja 900€ ou 62%.

Podemos fazer o mesmo exercício para quem tenha um salário mensal bruto de 2000€ cuja retenção na fonte é de 22,90% (efeitos da maravilha do IRS progressivo). Neste caso, os 2000€ mensais correspondem a um salário mensal ajustado de 2888€, tem um custo mensal para o empregador de 3150€ por mês trabalhado; e dos 2888€ de salário mensal ajustado, 1345€ ou 47% vão para o estado e 1543€ ou 53% vão para o trabalhador.

O exercício completo para os não casados sem dependentes estão na tabela e gráfico abaixo, sendo importante destacar que a partir de salários brutos mensais de 2758€, o estado passa a receber mensalmente mais do que o próprio trabahador – e isto sem contar com os outros impostos pago pelo trabalhador contribuinte, designadamente o IVA, o IMI e o ISP entre outros.

Para quem quiser analisar melhor os números, disponibilizo o Excel utilizado nesta análise aqui.

Conclusão: quem explora quem?

24 pensamentos sobre “Patrões, Esses Exploradores – O Estado É Um Benfeitor

  1. Joaquim Brito

    Já estou velho e cansado para conseguir acompanhar todo o brilhante raciocínio deste artigo.
    Todavia seria bom efectuar raciocínio idêntico para os funcionários públicos e a fins.
    Na minha opinião, os funcionários públicos não dão um centavo de lucro à sua entidade patronal.
    Se dessem o mesmo lucro previsto para as empresas privadas o Estado não precisa de andar todos os meses a pedir dinheiro emprestado.
    O Estado anda há demasiados anos a pedir demasiado dinheiro para pagar demasiado dinheiro a demasiados empregados públicos e boys.
    Nem mesmo os ordenados do primeiro-ministro e do ministro da defesa darão algum lucro. Para mim acho que só dão é prejuízo. Então ao nível dos ministros da tropa e da justiça devem ser o caos….
    Por outro lado, os reformados, sacanas que teimam em não morrer, o ponto de vista económico deve ser totalmente oposto aos do activo.
    Mas mais, como é que o esquema funciona para os empregados que não são carne nem peixe, como por exemplo TAP, CARRIS, CP.
    Esses por mais esforços que façam só dão lucro á Inter….s..
    Pronto, e sobram os profs. ( sim os mesmos profissionais colegas do Prof. Marcelo) esses afinal são os únicos que dão lucro ao Estado… e de que maneira… ganham pouco, poucochinho contráriamente aos bem falantes milhões de sócios do Facebook.

  2. Há uma sentença do apresentador Jorge Grabiel quando questionado se considerava os salários na televisão exagerados em relação à realidade portuguesa, com a qual concordo. Um bom trabalhador/empregado nunca está satisfeito com o que ganha sente que está a ser explorado.

  3. Gostei quando se apresenta que um empregado ganha 14 meses para trabalhar 11, nas minhas discussões digo que um empregado ganha o correspondente a quinze meses num ano o que dificulta a discussão porque recebo como contra argumento de que a pessoa está de férias e por isso não ganha

  4. Esta análise não está completa. Para consumir, o estado retira metade do rendimento quando se ganha o salário, e retira também no IVA, por exemplo. O IVA deve ser incluído nesta análise, assim como outros impostos.

  5. Já para não falar do mês que teria de ser pago (pelo menos até há pouco tempo atrás) por cada ano trabalhado, o que elevaria o número de meses pagos efectivamente por cada ano, com apenas 11 meses de trabalho.

  6. Paulo

    “o empregado escolheu aquele emprego entre todos os outros possíveis;”
    Isso é um pouco irreal. Oferta e procura, esqueceu de mencionar que tal princípio também incide mercado de trabalho.

  7. José Machado

    Falta ainda um aspecto muito importante, sistematicamente esquecido, os impostos sobre o consumo e taxas variadas….só de IVA se a propensão à poupança for de 10% , que já não é, seguem para o Estado à taxa média de IVA, digamos 20% aplicados sobre 90% do rendimento líquido do contribuinte, que foi despesa de consumo……

  8. A análise do João Cortez é bastante pertinente e esclarecedora.

    Em termos de contas, só parece pecar por defeito ao não considerar os 11% descontados directamente pelo trabalhador para a SS.

    A questão da “exploração” já é mais complexa …

  9. A questão da “exploração” já é mais complexa …

    Concordo plenamente que aplicar o termo à relação entre o empregador e o trabalhador não faz sentido : sendo uma relação livre e voluntária não há “exploração”, de parte e d’outra.
    Quando muito, o que pode acontecer é uma das partes ter feito uma má negociação e estar a vender barato ou a comprar caro.
    Mas, neste caso, há um mau negócio e não uma exploração. Se compro um kg de batatas acima do preço normal no mercado digo que “fui palerma” e/ou que “fui levado” mas não digo que “fui explorado”. Sendo que, no caso do salário, pelo menos o trabalhador tem sempre a possibilidade de propôr uma renegociação ou, se esta não for aceite ou não for satisfatória, pôr fim ao contrato.

    Vejamos agora a relação do trabalhador com o Estado …
    O Estado explora o trabalhador ao levar-lhe uma parte do seu salário (ajustado) em impostos ?…
    Um “anarco-capitalista” dirá que sim já que, do seu ponto de vista, o Estado é totalmente inútil e dispensável.
    Um “marxista” mais ortodoxos também dirá que sim numa “sociedade burguesa” porque nela o Estado é apenas um instrumento de dominação e exploração nas mãos e em beneficio dos capitalistas.
    Mas, qualquer outro, mesmo um “liberal” defensor de um Estado minimo, dirá que depende …
    Em rigor, a parcela do imposto pago que, juntamente com o que é pago por outros contribuintes, serve para financiar serviços e prestações do Estado que são verdadeiramente necessárias e úteis para o trabalhador, directamente e indirectamente, não é “exploração” mas antes o pagamento justo de uma contrapartida real.
    Aqui há duas dificuldades. Uma diz respeito à avaliação da necessidade e da utilidade efectiva da contrapartida fornecida pelo Estado e do respectivo valor. A outra dificuldade tem a ver com a natureza mais ou menos “voluntária” da relação do trabalhador com o Estado. Aqui estamos na questão da legitimidade do poder politico, algo de muito vasto e complexo. Deixemos por enquanto de lado estas duas dificuldades.
    Podemos é admitir que, em certas situações concretas, o Estado pode estar a cobrar em impostos mais do que seria estritamente necessário e útil e que a diferença, injustificada, corresponde a uma “exploração” do trabalhador pelo Estado.
    Julgo que a pergunta final do João Cortez aponta para este tipo e nivel de “exploração” : o Estado explora os trabalhadores ao cobrar-lhes em impostos mais do que dá em troca.

    Dito isto, é bom ter presente que o conceito de “exploração” é normalmente entendido no quadro de uma relação entre pessoas.
    Por exemplo, mesmo quando os marxistas (e “neo-marxistas”) falam da “exploração” dos trabalhadores de uma empresa, uma entidade juridica colectiva, estão a considerar que quem verdadeiramente explora e benificia da exploração são pessoas ou categorias de pessoas, os patrões, os accionistas, os capitalistas. O que até estaria correcto se porventura aceitássemos a definição marxista de exploração.
    O Estado também é uma entidade juridica colectiva e, como tal, quando se pretende que o Estado explora é necessário ir mais longe e perceber que pessoas ou categorias de pessoas organizam a exploração e/ou beneificiam da exploração.
    Como diriam os “marxistas”, o Estado não explora ninguém, porque não é uma “classe social”, é sim um instrumento para o efeito utilizado por uma ou mais “classes” para explorar outras “classes”.
    Chegados a este ponto, a análise é cada vez mais complexa e delicada.

    Vejamos rápidamente o exemplo concreto da situação actual em Portugal.
    É uma evidência que o Estado cobra mais impostos do que deveria ser necessário para assegurar o “Estado de Direito”, a assistência aos mais desfavorecidos, o bom funcionamento de uma economia de mercado eficiente.
    Há, portanto um excedente de impostos.
    Quem beneficicia deste excedente ?
    Benificiam todos aqueles que, no aparelho ou encostados a ele, recebem mais do que deveriam em função da respectiva contribuição produtiva para um normal funcionamento do Estado : funcionários, fornecedores de bens e serviços, beneficiários de prestações e subsidios/isenções, etc.
    Ou seja, há uma “exploração” através do Estado (e não “do Estado”), uma exploração de pessoas por outras pessoas.

    Neste conceito de “exploração” através do Estado conviria ainda incluir as vantagens obtidas por parte daqueles que são detentores de posições dominantes no mercado garantidas pelo Estado, normalmente através da legislação e de outras politicas públicas e não através dos impostos.
    Aqui estamos a falar de uma variedade de situações, que vão dos empresários “protegidos” e “apoiados” pelo Estado até … aos trabalhadores assalariados com contratos de trabalho cujas condições são impostas por uma legislação laboral rigida e desequilibrada.
    A “exploração” não se faz através da transferência de rendimentos de uns para outros através do Estado mas sim na medida em que os ganhos de uns são conseguidos graças a medidas que diminuem a eficiência dos mercados e, consequentemente, prejudicam todos os outros participantes.

  10. jo

    Se fizer essas contas com uma pensão de reforma como é que fica. São pessoas que recebem sem trabalhar. Na sua opinião estão a explorar o Estado?

    E com alguém que recebe um subsídio de desemprego?

    E com alguém que tem a rua da sua casa asfaltada e não paga portagem?

    O empregador paga 365 dias de 24 horas por ano e recebe mais ou menos 2200h. Não será uma exploração da empresa?

  11. Pensões, subsidio de desemprego, seviços e infra-estruturas públicas, etc, etc … todos estes beneficios fazem parte da contrapartida pelo Estado dos impostos pagos pelos cidadãos … com um factor de correcção redistributivo (“solidariedade”) para cada cidadão segundo critérios estabelecidos através de mecanismos politicos de decisão colectiva.
    Portanto, em principio, os beneficiários não exploram o Estado nem o Estado explora os contribuintes !…
    A não ser que aqueles critérios sejam desequilibrados e abusivos …
    E, neste caso, através do Estado, alguém está a ser beneficiado ou prejudicado, os primeiros “exploram” os segundos.

    Em condições desejáveis, de um mercado de trabalho livre, o empregador paga um salário, seja qual for a modalidade de repartição anual (n° de meses, etc), que corresponde à contribuição produtiva do trabalhador … tendo em conta a respectiva produtividade e o tempo de trabalho contratado … que nunca pode ser de 365 dias de 24 horas, obviamente … antes algo que será normalmente menos do que as tais 2.200 horas anuais (11 meses X 4 semanas X 40 horas = 1.760 horas).
    Ou seja, não há qualquer “exploração” da empresa pelo trabalhador.

  12. Ainda hoje, na hora do almoço, ouvi a queixa de um empresário de que encontra muitos bons trabalhadores até que tenham direito ao subsídio de desemprego. Então, diz ele em palavras suas, é como se entrasse uma nova pessoa pelas portas adentro.

  13. Tive o cuidado de analisar o Excel. A taxa de segurança social a cardo do trabalhador — a que não está oculta no recibo de ordenado — é contada. A análise dos EUR 1000 de salário bruto — em que a pessoa acaba por receber EUR 900,00 por mês já inclui os duodécimos dos dois salários adicionais.

    Não seria mais simples que apenas houvessem 12 salários por ano e que não se escondesse no recido do salário a parte de leão da contribuição para a Segurança Social? Pelo menos era um passo para tornar transparente.

    Cada trabalhador recebe 17,32 salários por ano. Basta que os salários fossem multiplicados por 17,32/12,00, não houvessem duas contribuições para a Segurança Social, apenas 12 salários por ano — já se considera férias pagas — e que as tabelas de retenção de IRS fossem concomitantemente actualizadas. Era exactamente o mesmo para todos e ninguém morria.

    Lembro que serão PS, o PCP e o BE aqueles que mais vociferarão contra estas medidas de transparência. Eles sabem bem que apenas podem navegar em águas turvas.

  14. Muito pertinente a sua análise contabilística da relação empregador/empregado com o estado pelo meio.
    Contudo a componente exploração não se esgota, nem começa nesta vertente.
    Faça por exemplo a mesma análise a relação entre o salário mais elevado e o mais baixo em cada empresa e veja a evolução dos mesmos.
    Com certeza que já leu coisas como “Two income trap” ou relatos de grandes empresas com lucros apreciáveis arranjarem esquemas para não pagar um horário completo.
    Também me parece que está a assumir que o emprego ou trabalho abunda em várias zonas e que será fácil mudar quando nos sentimos explorados…
    Embora concorde com a questão que levanta (o que efetivamente é preciso para pagar determinado salário) penso que esteja a ser redutor na sua avaliação de “exploração”…

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