Para quem quiser perceber porque é que o estudo sobre a desigualdade publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos – Desigualdade de Rendimento e Pobreza em Portugal: as consequências sociais do programa de ajustamento – da autoria de Carlos Farinha Rodrigues et al. é – vá, não polemizemos excessivamente pelos epítetos – um erro, a Fundação Francisco Manuel dos Santos disponibilizou-se para publicar as minhas notas de leitura crítica ao referido estudo.
Reproduzo aqui apenas algumas observações essenciais:
- Um estudo que tem dois objetos muito distintos, a saber, (1) avaliar a evolução da «desigualdade de rendimento e pobreza em Portugal» entre 2009 e 2014 e (2) avaliar as «consequências sociais do Programa de Ajustamento», coisas assaz diferentes, não dispensa a segmentação daquele período em duas fases: 2009-2011 e 2012-2014.
- A indistinção gera forçosamente uma enorme confusão, que ao invés de ajudar a informar o debate público, enviesa e obscurece o que se propõe esclarecer.
- A distinção é indispensável, até mesmo porque há, sem surpresa, diferenças significativas – quantitativas e de padrão – entre os dois subperíodos, como mostrarei.
- A maior parte da redução de rendimentos ocorre quando estão a produzir efeitos medidas orçamentais adotadas pelo governo do Partido Socialista.
- Quando começa o Programa de Ajustamento, os rendimentos estão a cair, e a cair acentuadamente.
- Em 2014, quando termina o Programa de Ajustamento, os rendimentos reais já estão a aumentar, tendo a curva descendente terminado em 2012.
- A intensidade da redução de rendimentos diminuiu durante o Programa de Ajustamento, relativamente ao período sob o efeito das medidas restritivas do governo socialista.
- A diminuição da intensidade de quebra dos rendimentos sob o Programa de Ajustamento foi particularmente acentuada no caso das classes médias.
- As classes médias foram, assim, incomparavelmente mais afetadas pelas medidas restritivas pré-Programa de Ajustamento do que depois.
- A distribuição de esforço entre escalões de rendimentos, sob o efeito do Programa de Ajustamento, altera-se ainda noutro aspeto crucial: a classe de rendimentos mais elevados passa a figurar entre as mais afetadas, quando antes fora destacadamente a mais protegida.
- No final do Programa de Ajustamento éramos um país globalmente menos desigual do que antes.
- Além disso, antes, a desigualdade estava a aumentar.
- Depois, a desigualdade esteve a descer, apesar da fortíssima pressão em contrário do mercado, particularmente acentuada desde 2011.
- É logicamente impossível que, em tais circunstâncias, as políticas públicas pós-Programa de Ajustamento tenham tido globalmente um carácter regressivo, não protegendo setores de rendimentos mais baixos, como sugerem os autores.
- Foi o desenho do conjunto das políticas públicas com incidência redistributiva, apenas e só no período pós-Programa de Ajustamento, que não apenas impediu que a desigualdade de rendimentos disparasse, como, inclusivamente, permitiu que se invertesse a tendência de subida anterior.
O Jorge Costa faz contas muito limpas e gráficos muito coloridos mas está muito enganado ou a querer enganar …
“As pessoas não são números !!”
Eu sigo regularmente a “comunicação social independente” e ouço atentamente os “porta-vozes do povo” pelo que reparei perfeitamente que o aumento das desigualdades e o empobrecimento com sofrimento dos portugueses começou no dia em que o “cavalo” da Troika (o governo “neo-liberal” de Passos Coelho) chegou em 2011 e acabou em 2015 no dia em que este foi substituido pela “geringonça” do “tempo novo”, do “voltar a página da austeridade” e do crescimento económico !!
Caparam-se que que eram potentes, ficaram todos iguais…
também gostaria de perceber como foi a perda de rendimentos dos diferentes decis descontando o efeito do desemprego.
Caro Jorge, ainda não tive ocasião de ler o relatório de FMS e os teus comentários na integra. Porém, este teu post despertou-me as seguintes observações:
a) como já referi no meu livro de 1987, os períodos de recessão são geralmente acompanhados por um aumento das desigualdades. Por isso, é normal esperar que os programas de ajustamento na sua fase inicial aumentem as desigualdades;
b) pelos teus dados, o ajustamento em Portugal não foi exceção. Mas, podia tê-lo sido por não se poder usar uma desvalorização cambial que afetaria a todos;
c) O primeiro gráfico onde usas a mediana e média é demonstrativo de que a classe média sofreu uma maior queda do rendimento real e isso explica um menor aumento na desigualdade;
d) A este facto não são alheios os cortes salariais impostos aos quadros da função pública, que constituem a maioria da classe média em Portugal. Esse facto é facilmente constatado por qualquer médico ou professor. No meu caso, as quedas salariais foram as seguintes em termos nominais, após impostos: 2010: 0.5%; 2011: 9%; 2012: 21%. Ou, em termos reais: 2010: 2%; 2011: 12%; 2012: 22%. Tive uma pequena recuperação em 2013, mas no final de 2014 o meu rendimento salarial ainda era apenas 78% do seu valor em 2010 (73% em termos reais);
e) Este corte desproporcionado na classe média da função pública não pode ser usado para reclamar o sucesso de programa de ajustamento, porque os seus custos ainda estão só agora a aparecer na saúde, ensino e justiça. Como se costuma dizer, se pagarem em amendoins só podem esperar macacos …
Caro Mendes, é preciso andar muito distraído para não reparar que durante o “aperto” da troica, e até antes, quem mais “sofreu” foi a classe média e, maior grau, a classe média alta. E que, durante aquele período, houve o cuidado de poupar as classes mais desfavorecidas – aumento das pensões mínimas, p.e, -, sendo certo que os mais sofredores foram os desempregados e os jovens à procura do primeiro emprego.
Mas, é claro, como lhe foram ao bolso, o Mendes encontrou forma de esconder isso e veio aqui defender, como aqueles habilidosos da UC, que houve aumento das desigualdades, mas não houve. O sr. é que é um dos privilegiados e não se importa muito com os outros. Desculpe que lhe diga, mas é o que me parece.
Sr Mendes, sinto muito pelos cortes que sofreu no protegido emprego público. No meu caso, a empresa multinacional onde trabalhava achou que o risco portugal era demasiado elevado, vá-se lá saber porquê, e em 2012 fechou as portas. Fiquei no desemprego mais de 1 ano e voltei ao mercado de trabalho aceitando metade do salário anterior à crise, depois de disputar um lugar com 200 outros candidatos. Não tive aumentos desde essa data. Sou provavelmente menos macaco que o Sr, mas não me posso dar ao luxo de recusar os amendoins.
Pensava eu que quem queria acabar com os privilegiados para ficarmos todos pobres era a extrema esquerda (bloco, etc.). Aparentemente ando enganado.
Quem percebe de programas de ajustamento sabe que no seu início têm de causar custos significativos para todos e por isso incluem sempre um pequeno alivio para os mais desfavorecidos.
Mas nunca tinha visto ninguém defender que também deviam servir para destruir a classe média de forma a reduzir as desigualdades. Enfim, estamos sempre a aprender…
FP (Funcionários Públicos ou Filhos da Puta, são sinónimos), não são a classe média, são a casta de privilegiados que está a levar este país à ruína e por isso devem mesmo ser destruídos.
Marques Mendes : ” nunca tinha visto ninguém defender que também deviam servir para destruir a classe média de forma a reduzir as desigualdades.”
Ninguém defendeu a “destruição da classe média”.
Mas sendo hoje a “classe média” o grosso da população que não é desfavorecida, é evidente que os “custos significativos para todos” de um processo de ajustamento teriam de passar por uma diminuição, tão limitada quanto possivel, dos rendimentos da “classe média”, sobretudo daquelas categorias que, como os funcionários públicos com rendimentos acima da média, em anos anteriores tinham visto os seus rendimentos e regalias aumentar mais do que os do sector privado.
De resto, não se trata apenas de evitar e corrigir desigualdades mas também de reequilibrar a distribuição de rendimentos a favor daquelas categorias, em boa medida trabalhadores e empresários dos sectores transaccionáveis, que menos beneficiaram do modelo economico anterior e que mais contribuem para a criação sustentada de riqueza.