“(…) Rocha Andrade concede que a medida [o acesso aos saldos bancários] constituiu uma compressão do direito à privacidade dos cidadãos, mas argumenta que ela é necessária ao fim a que se destina: combater a fraude e evasão fiscal. A este respeito, lembrou ao CDS o caso do e-fatura, um sistema que avançou com o aval político do anterior Governo, que o secretário de Estado até elogia, e que constitui uma”enormíssima compressão da privacidade” dos cidadãos. Através deste sistema, o Fisco consegue saber quanto consome de água, quantas vezes janta fora ou quantas vezes vai ao médico. E nem por isso houve celeuma – “é um custo que temos de aceitar para combate a evasão”.” (via Negócios online).
Se dúvida (não) existia, a intervenção de ontem do senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais encerrou a natureza indefensável da iniciativa governamental relativa ao acesso do Estado aos saldos bancários nacionais dos residentes fiscais em Portugal. Já aqui me tinha referido ao assunto quando o “argumento de venda” do Governo era ainda o de a medida decorrer dos acordos internacionais de partilha de informação que Portugal subscrevera. Tratando-se de um argumento falso, e a imprensa finalmente concluiu o mesmo, aquela linha de raciocínio caiu e passou-se portanto a outro. E que outra linha de argumentação é esta? O combate à fraude e à evasão fiscal. Esse desígnio contra o diabo, sob o qual se consideram todos os contribuintes como presumíveis criminosos (e lavadores de dinheiro), e através do qual se transforma a Autoridade Tributária numa entidade policial e de investigação criminal que, à luz da lei portuguesa e dos seus próprios estatutos, a AT não é (nem, na minha opinião, deve ser).
Lamentavelmente, mantém-se nesta segunda linha de argumentação o mesmo exercício de ilusionismo retórico, o de comparar a introdução do sistema e-factura ao acesso aos saldos bancários, que nem o mais hábil orador consegue sustentar por muito tempo. Porque o sistema de “e-factura” foi introduzido com o propósito de facilitar a cobrança de impostos decorrentes de transacções comerciais (sob o juízo normativo da eficiência fiscal), e não para que o Estado pudesse identificar padrões ou comportamentos de consumo dos contribuintes. E é por isso que no âmbito do “e-factura” a única obrigatoriedade é aquela que recai sobre o comerciante, que tem de passar factura, e não sobre o consumidor que pelo contrário não é obrigado a disponibilizar o seu número de contribuinte (prevalecendo aqui, e muito bem, o critério normativo da liberdade individual). Querer comparar o “e-factura” com o acesso mais ou menos indiscriminado do Estado aos saldos bancários das pessoas, sem que sobre estas recaia qualquer acusação de ilicitude, traduz-se, pois, no Estado Leviatã.
Na realidade, o acesso do Estado aos saldos bancários das pessoas (primeiro sobre rendimentos acima de 50 mil euros; qualquer dia acesso universal) parece-me ter como finalidade uma outra coisa. Parece-me um mecanismo desenhado com o propósito de determinar a riqueza patrimonial líquida dos agregados em Portugal, sem cuja determinação se torna mais subjectiva a tributação agravada do património…um tópico ao qual, a avaliar pelas notícias de hoje, regressarei em breve. Mas, novamente, sem uma discussão fundamentada sobre os méritos da redistribuição de rendimento num país onde a redistribuição já é elevadíssima, voltamos sempre ao dilema entre análise positiva e normativa. Aos meios e aos fins. E à ordem de prioridade a que uns e outros devem obedecer. Ora, na minha cabeça, a ordem de prioridade está bem resolvida: os fins não justificam os meios. Por outras palavras: o Estado tem de ser travado na sua voragem.
Para memória futura:
O acesso a essa informação (que quando for obtida ilicitamente para outros fins vai ter efeitos graves, irreparáveis e lesivos – e vai ser) não vai ter outro propósito senão o de traçar um plano sobre quanto se vai poder sacar num eventual programa especial de salvamento da nação quando isto rebentar de vez.
Basta ver os casos de acidentes com fuga de veículos, em que os legítimos proprietários são directa e imediatamente contactados por terceiros lesados com base na matrícula do carro, para perceber como estas coisa da informação funciona. O que não espanta, tal o peso das penas e das respetivas suspensões, que são a regra.
E isto vem dos irados com a lista VIP!
Lembro-me da ideia de Cadilhe de lançar um imposto excepcional sobre a riqueza líquida dos cidadãos, de 4% ou coisa que o valha (este governo de esquerda talvez possa pensar em taxas mais ousadas). Há então que saber quanta é a riqueza líquida. O resto vai pagar sobre a riqueza ilíquida (o património, IMI progressivo). E, como bónus, temos que houvir a Mariana Mortágua dizer, nesse seu modo muito especial, que 1o, é a maneira de equilibrar a coisa porque quem tem casa boa é porque foge ao fisco. E 2o, que uma casa de 500.000 € se vende facilmente por 700 ou 800. E já está, tão simples como isso.
CF
Mas será que haverá um dia em que os Impostos parem de subir? Nem digo baixar, digo apenas, manter.
JP-A, já cheira a Bail-In, não é?
Quer-me parecer que a troika não mete cá pilim sem alterarmos a Constituição, mas como o regime não abdica dos amanhãs que cantam, vão ter de o sacar de algum lado. Não digam que não foram avisados.