“(…) No discurso em Santa Marta de Penaguião, o Presidente da República defendeu que os fundos comunitários têm de ser mais bem aplicados (…) Marcelo Rebelo de Sousa defende ainda a criação de equipa para aplicar fundos do Portugal 2020”, (04/07/2016, via SIC-N)
São bem conhecidas as recorrentes histórias, ao longo das últimas décadas, de mau aproveitamento dos fundos comunitários. A proposta do senhor Presidente da República é, pois, avisada, seja no Douro seja a nível nacional, em especial numa altura em que o PT2020 constitui uma das poucas alavancas de investimento no nosso País. O problema, senhor Presidente, é que a equipa que sugere já existe. Chama-se Agência para o Desenvolvimento e Coesão, e encontra-se dotada de 138 milhões de euros que para esse efeito foram consignados através do Programa Operacional de Assistência Técnica do PT2020. Marcelo Rebelo de Sousa tem, portanto, de pôr as leituras em dia.
Voltando ao PT2020, os 26 mil milhões de euros de fundos comunitários vêm acompanhados de uma alocação de recursos que prevê a prioridade às empresas. Daquele montante global, mais de 10 mil milhões (41% do total) referem-se a apoios financeiros “[para] a competitividade e internacionalização, com forte aposta na inovação e na competitividade das pequenas e médias empresas”. Assim se escreve no último relatório de monitorização do PT2020, realçando o relativo enfoque que o PT2020 concede a este ponto face ao que em média sucederá nos restantes países beneficiários de fundos comunitários. Dadas as circunstâncias do País, faz todo o sentido.
Entre os diversos programas que compõem o PT2020, aquele que é mais vocacionado para a competitividade e internacionalização das empresas é, como o próprio nome indica, o Programa Operacional de Competitividade e Internacionalização, mais conhecido pela sigla COMPETE. Este programa foi configurado em redor de sete prioridades de investimento (excluindo a assistência técnica), sendo que à data de 30 de Abril, de acordo com os dados públicos, os fundos totais aprovados no âmbito do COMPETE ascendiam já a 1228 milhões de euros para despesas elegíveis totais de 2134 milhões (representando assim uma taxa de comparticipação comunitária de 58%). Porém, e ao mesmo tempo, também já evidenciavam a utilização de fundos do COMPETE para fins que pouco (ou mesmo nada) têm a ver com a competitividade e a internacionalização das empresas.
Entre as sete prioridades apontadas pelo COMPETE contam-se as seguintes: 1) a promoção do espírito empresarial; 2) o investimento nas capacidades institucionais e na eficiência das administrações e dos serviços públicos; 3) o reforço da infraestrutura e das capacidades de investigação e inovação; 4) a promoção do investimento das empresas em inovação e investigação; 5) o desenvolvimento e aplicação de novos modelos empresariais para as PME; 6) a concessão de apoio à criação e ao alargamento de capacidades avançadas de desenvolvimento de produtos e serviços, e; 7) o reforço das aplicações de TIC para a administração em linha. Ora, a 30 de Abril deste ano, a relação entre fundos aprovados e despesas elegíveis totais para cada uma das citadas sete prioridades eram: 1) 54,4 milhões de euros de fundos aprovados / 93,4 milhões de euros de despesas elegíveis (comparticipação comunitária de 58,3%); 2) 12,4 M / 20,1 M (61,8%); 3) 125,1 M / 148,9 M (84,1%); 4) 243,8 M / 546,7 M (44,6%); 5) 179,9 M / 327,3 M (55,0%); 6) 488,1 M / 821,3 M (59,4%); 7) 97,3 M / 145,5 M (66,9%).
Deste modo, conclui-se que a) certas prioridades definidas no âmbito da competitividade e internacionalização das empresas são na verdade prioridades destinadas em primeiro lugar à administração pública e também ao ensino superior público, e; b) que as prioridades de investimento realmente dirigidas de forma prioritária às empresas são apenas quatro em sete (os eixos número 1, 4, 5 e 6). Assim, o eixo 1 corresponde quase na totalidade ao Banco de Fomento (formalmente designado por Instituição Financeira de Desenvolvimento, que recebe 50 dos 54 milhões já aprovados). No eixo 2 encontramos sobretudo entidades da administração pública. No eixo 3 estão, acima de tudo, instituições de ensino superior público ou afins. No 4, empresas privadas. No 5, associações sectoriais. No 6, empresas novamente. E no 7 voltamos a ter essencialmente a administração pública e o ensino superior público. Em suma, dos fundos já aprovados através do COMPETE, apenas 60% correspondem a prioridades em primeiro lugar dirigidas às empresas (eixos 1, 4, 5 e 6), sendo que os restantes 40% (eixos 2, 3 e 7) são essencialmente dirigidos ao Estado e afins.
É ainda de observar que a taxa de comparticipação comunitária dos eixos dirigidos a entidades públicas é superior à comparticipação comunitária de que em média beneficiam as empresas. Esta situação é especialmente evidente no eixo 3, cujos beneficiários são em geral instituições de ensino superior público e suas entidades relacionadas, onde a aprovação de algumas candidaturas, parafraseando o outrora comentador Marcelo Rebelo de Sousa, não lembra nem ao careca. É o caso das candidaturas apresentadas pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e que foram galardoadas com 572 mil euros de apoios comunitários (representando taxas de comparticipação na ordem dos 80 ou mais por cento), à conta dos seguintes projectos de investigação: “REB-UNIONS: Reconstruindo o poder sindical na era da austeridade: três setores em análise”; “RECON: Que ciência económica se faz em Portugal? Um estudo da investigação portuguesa recente em Economia (1980 à actualidade)”; “BLEND: Desejo, Miscigenação e Violência: o presente e o passado da Guerra Colonial Portuguesa”; “COMBAT: O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação”, e; “DECIDE: Deficiência e auto-determinação: o desafio da vida independente em Portugal”.
Enfim, por mais respeitável que seja a investigação desenvolvida nos projectos atrás referidos, e ainda que representem um montante residual no total de apoios aprovados, aqueles simplesmente não têm lugar num programa operacional de competitividade e internacionalização com forte aposta na inovação e na competitividade das pequenas e médias empresas. Infelizmente, não hão de ser caso(s) único(s). E, no entanto, senhor Presidente, não faltam nem equipas de gestão e monitorização, nem milhões para essas mesmas equipas.
Relativamente à colocação de leituras em dia pela parte do Sr. Presidente da República vai ser muito difícil em virtude da falta de tempo que o exercício de uma presidência em estilo de turismo pimba acarreta.
Quanto aos fundos louve-se a clareza do seu texto e a sua preocupação. Contudo, todos sabemos como vão acabar por ser utilizados esses fundos, basta ter contacto regular e visitar as empresas por todo o Portugal, ou seja, esses fundos vão servir para comprar carros, herdades e talvez prostitutas e anéis para as ditas. É preciso ser muito crente e ainda não ter vivido o suficiente para acreditar que os fundos vão mesmo ser utilizados para internacionalizar empresas ou equipar a indústria, nesta ultima as máquinas da produção têm de durar no mínimo trinta anos, já o carro ao fim de dois ou três anos vai para troca que parece mal ter um carro tão velho…
Sr. Ricardo Arroja, o que descrevi é real e resulta da minha experiência e observação.
Quanto aos apoios à investigação devemos ter presente que os nóvoas merecem ser recompensados.
Enquanto isso as nódoas, que somos nós todos, incluindo D.Marcelo I, princípe do povo, apoiamos a selecção da bola.
Em suma, uma fraude…
Assim é que apetece ler um post.