Quarta-feira de cinzas, a crónica de Alberto Gonçalves, no DN,
(…) Noite. A propósito, alguém suspeitava que pudéssemos descer tanto? Alguém antecipou uma corte que se assemelha a um circo? Alguém adivinhou que os pacientes tomariam conta do manicómio? Alguém podia prever os últimos seis meses, em que perante uma Europa segura por pinças e rendida ao terrorismo, uma nação pequenina e débil entregou o seu destino material a partidos comunistas e a sua representação a artistas de variedades que tiram selfies, acorrem a flash interviews, comunicam pelo Twitter, espalham “afectos” e riem imenso? Alguém concebeu uma população que, a um passo certo do abismo, alterna a apatia com o patriotismo em chuteiras?
Não sei se nos fazem de estúpidos. Não sei se somos realmente estúpidos. Não sei se os “estadistas” que nos tocaram em sorte são um enorme azar ou a consequência lógica de uma sociedade irremediavelmente embrutecida. Não sei o que fizemos para merecer isto. Não sei o que não fazemos para merecer melhor. Sei que, se imaginássemos o pior dos cenários, não seria tão terrível como o presente. O presente é mau demais. E do futuro, possivelmente sem os malévolos burocratas de Bruxelas a limitarem os nossos delírios, perdão, a nossa “soberania”, nem é bom falar
Se acreditasse em teorias da conspiração, acreditaria sermos cobaias numa experiência de engenharia social, com cientistas de bata branca a avaliar quais os níveis de primitivismo, incompetência, irresponsabilidade, alucinação, arrogância e zombaria que um país suporta? O pior é que, por esse Terceiro Mundo fora, a experiência já se realizou repetidamente. E, para infortúnio das cobaias, a conclusão foi sempre a mesma. Mas insisto: não acredito numa teoria assim. A prática é inacreditável quanto baste.
Os grandes males são contagiosos.
É o reflexo do povo que somos. Só nos podemos queixar de nós mesmos.