A magia do OE2016

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O crescimento do produto apresentado no Orçamento do Estado de 2016 e o cumprimento da meta orçamental (défice de 2.6%) partem do seguinte pressuposto: o aumento de rendimentos irá gerar mais consumo privado. Esse consumo privado gera um aumento da procura, o que por sua vez leva a um aumento dos preços (IPC de 1.4%) bastante superior ao registado em 2015 (0.6%), o que ajuda na receita fiscal. Numa economia fechada é isto que acontece. Numa economia aberta o aumento da procura gera também um aumento das importações. No entanto, quando olhamos para o OE2016 reparamos que, lo and behold, a taxa de variação das importações cai de 7.6% para 5.9%. Como é isto possível?

Segundo os redactores do OE2016, para que isto seja possível ocorrerá um efeito de substituição de importação de bens duráveis por não-duráveis porque o aumento dos rendimentos está focado nas classes sociais mais desfavorecidas, que tipicamente consomem todo o seu rendimento (grande propensão marginal para o consumo), e consomem-no em produtos nacionais. Ou julgam eles.

Largando o jargão técnico, isto significa que o Zé, agora que viu o seu rendimento aumentado, vai ao supermercado fazer compras. Comprar cereais. Cereais talvez não. Não somos autosuficientes, pelo que temos de os importar. Uma mini bem gelada? Também não convém. Requer cereais para o processo de fermentação, que também são importados. Um bife com ovo a cavalo acompanhado de batata frita? Não convém. Também não somos autosuficientes. Nem na carne, nem na batata, nem nos ovos e muito menos nas oleaginosas. Isto é, no óleo para as fritar. Para não aumentar as importações terá mesmo de ser apenas vinho.

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Claro que no nosso exemplo admitimos que o Zé não vai comprar um computador, um carro, um iPhone ou uma peça de roupa de uma marca estrangeira. Uma casa sabemos que não vai, pois o Zé não tem rendimentos para isso. Sobra-lhe ir ao café tomar uma bica. Infelizmente, todo o nosso café também é importado.

Não quero desanimar a malta do Ministério das Finanças, mas fazer um OE assumindo que Portugal é uma economia fechada, que consegue substituir as importações por produção interna e que isso se reflectirá nos preços (o que pressupõe que não existem existências acumuladas em stock para serem vendidas, o que também não é verdade) é a receita para o rotundo falhanço. Teremos um aumento dos preços (salários) acima da produtividade, o que diminuirá a nossa competitividade externa. A receita fiscal será menor do o que esperado e a taxa de crescimento do PIB, por efeito de um aumento das importações será menor. A sorte deles é que provavelmente não estarão cá para assistir ao resultado.

12 pensamentos sobre “A magia do OE2016

  1. Joaquim Amado Lopes

    Não se pode dizer que seja estupidez e/ou incompetência do Ministro das Finanças porque ninguém é tão estúpido ou incompetente que acredite nesses disparates. É apenas o que a última frase deste artigo insinua: “provavelmente não estarão cá para assistir ao resultado”.

    Se a golpada mostrou que esta gentalha está disposta a ir muito baixo, o comportamento subsequente prova que não importam de ir ainda muito mais baixo para manterem a geringonça à tona.
    Quantos milhões não foram já para as contas bancárias de “amigos de infância” (Banif) e quantos mais não irão lá parar no pouco tempo que, pelo que se está a ver, a geringonça se aguentar?

  2. JP-A

    A Lei dos Compromissos não tarda e já vai levar um rombo para ajudar ao desenvolvimento da nação (ao “investimento”, como eles gostam de lhe chamar). Vai haver eleições de certeza absoluta, ou então vão meter a quarta e acelerar a fundo contra a parede sem darem conta.

  3. Pedro Ramalho Carlos

    Sem dúvida Mario, mas temo que:

    “[…] porque o aumento dos rendimentos está focado nas classes sociais mais desfavorecidas […] “ é uma daquelas mentiras que os spin doctors recomendam que sejam colocadas no maior número de docs, o maior número de vezes possível, para que se pense que é verdade.

    O facto é que a reposição de salários na FP, a supressão da contribuição extraordinária, a reposição de subvenções, “a paz social” nos transportes, etc., etc., beneficia apenas os 10% mais acima na pirâmide de rendimentos, pelo não será tanto pelo efeito de substituição do bife com ovo a cavalo e vinho, mas mais pelas “ovas de esturjão” e “vinho espumoso método champanhês”. Algo me diz que o “Veuve Clicquot” vai crescer mais de 2.6% em 2016.

  4. PedroF

    Uma pergunta:
    O MF está a assumir crescimento do PIB acima das previsões de outras instituições (2.1 vs 1.5 para o FMI por exemplo), mas assume menor crescimento do emprego (1.0 vs 1.1 do FMI). Esta diferença vem de onde? São os modelos que simplesmente relacionam de forma diferente as variáveis, ou está a ser incluído o efeito do salário mínimo?

  5. Gabriel Órfão Gonçalves

    Não tenho dúvidas de que vamos ter um ano de crescimento. Dúvidas nenhumas, sublinho. Com que défice… isso já é outra conversa e ver-se-á no início de 2017. O meu prognóstico é o de mais um rombo nas contas do Estado. Poupem porque virão aí tempos muito difíceis.

  6. tina

    Isto faz parte do processo. Primeiro mentem ao povo, agora ainda querem dar a impressão que conseguem, depois vão dizer que afinal Bruxelas não deixa, etc., exatamente como aconteceu com a Grécia e Syriza, só que nós é numa versão low key.

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