Eu percebo muito bem o enfado do João Miguel Tavares. A forma como um sujeito qualquer, hoje em dia, usa o termo «neoliberal» pode bem funcionar como escala do seu grau de imbecilidade, já que o emprego do termo em vez do martelo, como mais ou menos vigor, é um traço comum a uma montanha de idiotas. Aturar o Alfredo Barroso já tem que se lhe diga. Armado de David Harvey e Slavoj Žižek começa a raiar a santa paciência. E, até por isso, julgo poder compensá-lo das penas, asseverando-lhe que a despesa pública em Portugal, desde 2011 até 2015, baixou e muito. Verdade que permanece em níveis estratosféricos, mas baixou.
A despesa pública, sobretudo em sociedades em que o Estado tem poderosos mecanismos fiscais – os chamados estabilizadores automáticos, como são exemplos o subsídio de desemprego ou, na receita, a descida mecânica dos impostos em função da diminuição cíclica da economia e do emprego – destinados a amortecer as oscilações da atividade económica em torno do seu nível potencial, não pode ser vista com rigor sem se atender ao efeito desses mecanismos no seu nível absoluto e relativo. Por outras palavras: o mesmo nível de despesa pública com a economia a crescer 2% e a economia a contrair 2% não é a mesma realidade, não é a mesma despesa pública; pelo menos quando se compara no curto prazo.
Para se perceber o nível efetivo da despesa, há que expurgar esse nível observado dos efeitos estimados do ciclo e, desejavelmente também, do impacto de medidas temporários e não recorrentes; por exemplo, o empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução para atalhar ao colapso do BES; obtém-se então a chamada despesa estrutural tal como a define a Comissão Europeia, empregando métodos homogéneos para se poder comparar e tirar ilações; comparar países uns com os outros e os países consigo próprios, ao longo do tempo.
Não tenho à mão a despesa estrutural, mas tenho (Ameco) uma importante componente dela, a despesa ajustada pela posição cíclica da economia. O resultado é o seguinte.
A despesa pública bem medida baixou 4 pontos percentuais de PIB. Alguém sossegue o João Miguel Tavares. A correção nada ficou a dever ao «fantasmagórico neoliberalismo» do governo anterior; foi apenas porque, a certa altura, deparámos com a muito real indisponibilidade de quem financiava os défices que ela originava para o continuar a fazer. Fez-se o que se tinha a fazer. Ponto.
Não percebi!
O JMT refere-se sempre ao “peso das despesas da administração pública em percentagem do PIB” e nunca à “despesa pública”.
há que expurgar esse nível observado dos efeitos estimados do ciclo
a despesa pública bem medida
Ou seja, uma boa medição depende de uma estimativa. Isto parece-me algo sui generis.
Em física, pode-se estimar o erro sistemático de uma medição; nunca se estima o resultado da medição propriamente dito.
Luis Lavoura : “Ou seja, uma boa medição depende de uma estimativa. Isto parece-me algo sui generis.
Em fisica,…”
Em fisica, não sei.
Em economia, uma medição para se poderem fazer comparações entre dois momentos diferentes deve considerar contextos equivalentes. A teoria utiliza o método do “ceteris paribus”, ou seja, tudo o resto permanecendo igual. Os indicadores “estruturais” do orçamento do Estado seguem uma metodologia semelhante.
Compreende-se o argumento, mas cheira a habilidade e fornece as desculpas que os apologistas do partido do Estado tanto gostam para continuar a ordenhar o contribuinte.
A verdade é que quando o carro avaria, a despesa do mês aumenta e tem que ser paga com euros iguais aos que gastamos no supermercado…
Posso sempre dizer ao mecânico que lhe vou pagar com ajustamento do ciclo…no dia em que me der jeito.
ric : ” quando o carro avaria, a despesa do mês aumenta e tem que ser paga com euros iguais aos que gastamos no supermercado…”
Sim … Mas o carro não avaria todos os meses pelo que a despesa mensal corrente (a do “supermercado” etc) não deve incluir a despesa pontual e incerta de reparação do carro.
Nuances que podem ajudar a melhor gerir a coisa !….
“a despesa pública baixou, e muito”

A serio?
Sim, baixou e muito. Os dados deste gráfico, igualmente feito por mim, mostram uma série de longo prazo, de longuíssimo prazo. Neste caso, são irrelevantes os dados orçamentais estruturais, pois estes são apenas importantes no curto prazo, dentro de um mesmo ciclo económico. A série de dados estruturais tende, digamos assim, para a curva dos dados observados, pelo que nos basta esta quando queremos observar tendências longas. De facto, seria estúpido usar séries muito longas de dados estruturais. 51,7% é um valor observado. Quando o queremos comparar com outros próximos no tempo, e sobretudo estando em curso, ou tendo estado em curso um fortíssimo ajustamento orçamental, com efeitos imediatos de contração da atividade económica, só é possível obter uma imagem minimamente adequada recorrendo a dados estruturais. Podemos assim ver, independentemente das oscilações momentâneas do PIB, o que efetivamente foi feito, descontando o impacto dessas oscilações nos dados observados. Foi o que fiz neste segundo gráfico. Espero que tenha ficado claro. São ambos verdadeiros, evidenciando coisas diferentes. Ajustando a despesa pelo ciclo obtemos 47%. Isso faz alguma diferença, quando o que está em causa é uma sequência de mais de 160 anos, em que o peso do Estado aumentou grosso modo de qualquer coisa para o seu décuplo? Pouca, muito pouca. E faz alguma diferença, quando comparamos a evolução ao longo de um período de 4 anos? Faz toda a diferença.
Apenas se repôs o ritmo de crescimento da despesa nos níveis que vinham de trás, eliminando um pico, como outros que aconteceram anteriormente. Este em particular, como é público, terminou quando o dinheiro passou a valer o mesmo que a uva mijona e quando o petróleo voltou a preços que já não se viam há muito. Estes factores, sim, foram o que fizeram parar a despesa. Houve outros cortes, cujos resultados começam a ser bem visíveis, mas a base da despesa está lá toda na mesma: um Estado com capelas e capelinhas por todo o país, o maior empregador das legiões partidárias.
Dito de outra forma, passámos de um Estado gastador baseado em serviços públicos para um Estado gastador baseado em serviços concessionados a privados. Esta foi a grande transformação do governo PSD/CDS. Foi a continuação da estratégia de gerar negócio para privados. Nos governos anteriores isso foi feito com obras públicas e no governo de PPC foi feito com concessão de serviços públicos. Business as usual.
Percebe-se que o j.manuel cordeiro, escudado numa retorica critica radical mas defendendo o mesmo que a esquerda, é basicamente contra tudo o que signifique reduzir o peso e o papel do Estado na economia !
Ah, bolas, apanhou me.
«Construído com dinheiros públicos e fundos comunitários […] foi transferido directamente [Misericórdias, IPSS’s], sem qualquer concurso público»
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/misericordias-tres-hospitais-um-centro-de-reabilitacao-e-metade-dos-cuidados-continuados-1718796
Espere lá. Isto foi feito pelos seus amiguinhos. Mas tem razão, a esquerda radical e tal é do pior. Na volta até foi ela que arranjou aqueles negócios do Calvete dos colégios privados. E que colocou o risco todo do lado do estado naquele negócio da TAP. E que… A lista desta perigosa esquerda é infindável.
Obrigado. O seu comentario confirma o que eu disse acima …
Quanto aos “negocios”, limita-se a fazer insinuações vagas e discutiveis sobre casos pontuais.
O que diz sobre a TAP é exactamente o contrario da realidade : conservar a TAP sob controlo do Estado é que seria manter todo o risco e todo o eventual prejuizo do lado do Estado.
De qualquer modo, claro que existiram e existem casos de negociatas à sombra da politica mas, sejam eles quais forem, os seus autores e beneficiarios são pelo menos tão meus “amiguinhos” como são seus !!…
“Espere lá” : Negocios, corrupção, trafico de influencias, promiscuidade entre a politica e interesses privados ou corporativos, etc., é algo que não existe nem nunca existiu com a “perigosa esquerda”, não é verdade ?!!…
“Estado gastador baseado em serviços públicos para um Estado gastador baseado em serviços concessionados a privados.”
Os funcionários públicos não são privados?
Segundo, têm muitos mais direitos que as empresas privadas. Se uma área de actividade se tornar obsoleta – ou com menos necessidade de intervenção -é mais fácil ao Estado deixar de pagar a essa empresa.
Imagine que os trabalhadores das obras publicas eram funcionários públicos. O regime do 25 de Abril teria caído com milhares e milhares deles sem utilização.
Quanto às negociatas – o que é A votar em X para X tirar a B com o poder da violência do Estado?