Portugal voltou em 2014 a convergir com a Europa (consumindo mais do que seria desejável)

Não tenho a certeza de que isto tenha sido ontem noticiado, mas tenho a certeza que eu não soube disto ontem pela imprensa. E, no entanto, isto é um facto significativo: Portugal voltou a convergir com a média europeia em 2014, depois de três anos de divergência.

Convergência

A comparação costumeira usa a simples taxa de crescimento do PIB para determinar se em dado momento há convergência ou divergência, se nos aproximamos da média europeia, normalmente aquela contra a qual nos medimos, ou, pelo contrário, se nos afastamos.

Essa métrica enferma de vários defeitos: não leva em conta a dinâmica da população (a evolução demográfica condiciona o crescimento, sendo de esperar, tudo o resto igual, uma taxa de crescimento do PIB tanto maior quanto maior a taxa de crescimento da população, supondo-se que, com o aumento desta, aumenta também a força de trabalho) e não leva em conta a diferença no nível de preços entre as economias comparadas.

A divisão do PIB pela população e a sua quantificação em termos per capita resolve a primeira deficiência; a criação de uma unidade monetária fictícia com o mesmo poder de compra, exatamente o mesmo poder de compra nas economias comparadas resolve a segunda deficiência: as paridades de poder de compra (ppc). Este último efeito é particularmente importante: o PIB per capita português em ppc é 28% mais elevado do que em euros.

Uma última nota: se o PIB per capita em ppc é uma medida mais precisa do nível da atividade económica, a Despesa de consumo individual é um indicador mais preciso do nível de bem-estar.

O facto de a curva da despesa de consumo estar claramente acima da do PIB reflete a posição desproporcionadamente grande do consumo em Portugal por comparação com a Europa. Destinamos uma parte muito maior do que produzimos ao consumo do que os nossos parceiros. Isso quer dizer que, inversamente, investimos muito menos.

A ideia central do PS é estimular o consumo, o que agravará a diferença a que me refiro. E isso só pode ter como consequência o sacrifício do investimento, salvo se regressarmos ao défice externo.

Pior, mais lesivo do nosso futuro, é impossível de imaginar. E, todavia, é o que os socialistas pretendem.

O despacho do INE, aqui.

Recomendo vivamente a leitura complementar do comentário de Fernando S, na caixa de comentários.

2 pensamentos sobre “Portugal voltou em 2014 a convergir com a Europa (consumindo mais do que seria desejável)

  1. Fernando S

    Claro que é um erro estar agora, como quer a esquerda, a estimular artificialmente o consumo.
    Como mostra muito bem o Jorge Costa no post aqui em cima, ainda temos uma parte do Pib demasiado elevada destinada ao consumo e em prejuizo do investimento.

    É curioso verificar que, depois da cura de austeridade dos ultimos anos, a relação entre o consumo e o Pib (em termos de percentagem da média da UE) voltou aos valores de 2011.
    Mas, mesmo assim, ha uma diferença, positiva, entre as duas situações.
    Enquanto que até 2011 uma percentagem importante do consumo não resultava da produção nacional mas sim do endividamento externo, sendo o Estado o principal responsavel, agora praticamente todo o consumo esta sustentado pela produção nacional.
    É o que significa o equilibrio das nossas contas externas e do nosso saldo primario do orçamento do Estado (o déficit destina-se quase exclusivamente ao pagamento dos juros da divida acumulada).

    É ainda verdade que o investimento, apesar de ter vindo a crescer desde ha algum tempo, permanece inferior ao que era até 2011.
    A recuperação do investimento precisa de ainda mais confiança por parte dos investidores (que, por sua vez, depende das perspectivas de consolidação da situação financeira do pais e de realização de reformas pro-mercado), e de mais capital, nacional e externo.
    Infelizmente, estas perspectivas são agora menos encorajadoras e julgo que ja começamos a sentir as consequencias, mesmo antes das ultimas eleições.
    Mas, também aqui, ha uma diferença importante em relação ao passado.
    Enquanto que até 2011 uma parte mais importante do investimento publico ou privado era dirigido para os sectores de bens e serviços não transaccionaveis, agora ha mais investimento aplicado em actividades transaccionaveis, exportações e substituição de importações.
    Isto é, a estrutura global do nosso investimento evoluiu para menos investimento publico e mais investimento privado e, sobretudo, para menos investimento em não transaccionaveis e mais em transaccionaveis.

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