Análise (prudente) de políticas públicas

O economista Scott Sumner escreveu recentemente a propósito da análise de políticas públicas, alertando para o facto de muita gente achar que a tomada de decisão é um processo simples e determinístico, sendo o seu resultado mais ou menos certo. Nada podia estar mais longe da verdade. Tal como Popper, Hayek ou Adam Smith, muito antes deles, advertiram, qualquer intervenção gera consequências involuntárias (unintended consequences), e mesmo que estas sejam previsíveis, o seu impacto é sempre difícil de aferir. Por este motivo, o princípio que deverá imperar é o da prudência. Sistematizado isto, Taleb publicou um interessante artigo sobre o assunto. «O Princípio da Precaução» (PP), assim o intitulou, postula que se uma acção ou política tem um risco de causar um impacto negativo no domínio público, ainda que colateral, a acção não deverá ser tomada na ausência de quase-certezas científicas sobre a segurança da intervenção. Imagine-se, a título de exemplo, que se propunha vacinar toda uma população com algo experimental. Ora, à luz deste princípio, tal nunca poderia ser feito sem certezas estritas sobre o seu impacto.

Traduzindo isto em acção política — e faço uma tradução verbatim do artigo de Sumner —, seria o equivalente a pedir que um político, sempre que propusesse algo, partisse da seguinte base:

«Sabe, eu não sei exactamente qual a melhor maneira de lidar com este problema. A minha opinião, baseada em conversas com especialistas, é que deveríamos tentar X, mas a verdade é que ninguém sabe bem se terá um impacto efectivamente positivo. Por conseguinte, nós vamos conduzir uma experiência em pequena escala, um projecto-piloto, projectada para maximizar o nosso entendimento sobre a consequência de implementar X. Se tiver sucesso então poderemos escalá-la e fazer estudos subsequentes. Caso contrário deverá ser imediatamente revertida.»

Quando o Ministro das Finanças diz que não devemos transpor os resultados de artigos científicos para a legislação está a dizer o exacto oposto do que aqui é sugerido. Os resultados de artigos científicos servem precisamente para balizar e abalizar o potencial impacto, positivo ou negativo, de uma política. Só há um revés: é que se transpusesse os resultados científicos para a legislação, então Mário Centeno nunca aceitaria um aumento do salário mínimo nacional.

9 pensamentos sobre “Análise (prudente) de políticas públicas

  1. Luís Lavoura

    Em minha opinião, as palavras do ministro das Finanças devem ser interpretadas como uma forma diferente de dizer que a política é a arte do possível.
    Ou seja, os artigos científicos dizem-nos como é que a política ideal seria mas, na prática, pode ter que se seguir uma política exatamente oposta à ideal.
    Dou um exemplo: segundo a revista The Economist, os melhores impostos são os impostos sobre a propriedade, pois são aqueles que menos distorcem a atividade económica. Traduzido para o caso português, isso quereria provavelmente dizer que se deveria aumentar muito substancialmente as taxas de IMI e, em compensação, diminuir alguns outros impostos. Mas nenhum governo tenta fazer tal coisa, pois aumentar as taxas de IMI – mesmo que reduzindo outros impostos – seria altamente desestabilizador para muito boa gente. Ou seja, aquilo que está correto nos artigos científicos, dificilmente ou jamais será levado à prática.

  2. Luís Lavoura, discutia-se o salário mínimo nacional. Portanto, Mário Centeno reconhece que é negativo, que prejudica fundamentalmente quem tem baixos salários, que aumenta o desemprego, mas porque a política é a arte do possível — neste caso, ser complacente com os caprichos do BE e do PCP, pois só isso é possível — vamos ignorar olimpicamente estes resultados científicos e aumentar o salário mínimo ainda assim. Parece-lhe bem?

  3. JS

    MAL Bem esplicitado. Se bem percebo estamos do mesmo lado neste tema. Nunca duvidei.

    Não será fácil, no entanto, encontrar cidadãos, filhos de diferentes ministros ou deputados, socialista ou não, preocupado com a influência do salário mínimo nacional na empregabilidade, pelo que deduzo que existe algum exito entre os cientistas e os respectivos papers e os Ministros que executam tais políticas experimentais ou mesmo de efeitos copiosamente testados.

    Será uma amostra diminuta, sabemos, poucas cobais, mas ficamos à espera de ver de que lado nas manifestações dos sindicatos se colocarão os personagens em questão. Pró ou contra. Trata-se de significativo público alvo a analisar.
    Afinal uma maioria dos representantes do eleitorado está incontestadamente sempre em sintonia com os seus eleitores, com o cidadão,sobretudo uma maioria da esquerda virtuosa.. Cordialmente.

  4. Baptista da Silva

    “O Costa prometeu aumentar por decreto o SMN de 505€/mês para 600€/mês.
    O argumento é que, desta forma, vai aumenta o rendimento dos trabalhadores o que vai fazer aumentar a procura interna, a produção das empresas para responder a essa procura acrescida e, finalmente, o emprego. Mas, de facto, nada disto vai acontecer o que se torna obvio fazendo uma simples redução ao absurdo.
    Se o aumento por decreto do SMN aumentasse o nível de vida das pessoas e reduzisse o desemprego, todos os países aumentariam o SMN para 10000€ por dia deixando de haver desemprego.
    Se isto não parece viável, tenho que explicar o que existe na Economia que evita que funcione este argumento do sábio do PS que agora é Ministro da Economia.

    Primeira verdade.
    Quando éramos pequeninos, quando nos púnhamos a jogar futebol no recreio da escola, era evidente que uns de nós tínhamos mais jeito para a bola que outros.
    Também em termos de capacidade de criar valor numa hora de trabalho, uns de nós geram mais valor e outras geram menos valor.
    Se aceitamos que uns têm mais jeito para a bola e outros menos sem isso nos diminuir, também temos que aceitar a verdade económica de que uns geram mais valor e outros menos sem nos sentirmos diminuídos.
    Em termos estilizados existe uma distribuição do valor que criamos numa hora de trabalho.
    Sem perda de arranjarem melhores valores, olhando para os dados do INE da produtividade, avanço com uma produtividade média do trabalho de 1000€/mês e um desvio padrão de 500€/mês.

    Segunda verdade.
    As empresas têm por fim o lucro e, por isso, só empregam uma pessoa se o incremento no lucro for positivo. Então, apenas se uma pessoas tiver uma produtividade superior ao salário corrente na empresa é que irá conseguir emprego.
    Se o salário que o FC Porto paga por um avançado é de 50 000€/mês, como a grande maioria de nós não consegue, com uma bola nos pés, gerar este valor, nenhum de nós tem hipóteses de vir a ser empregado do FCP como pontas de lança.
    Se uma pessoa gera menos valor que o SMN, então, nunca irá conseguir arranjar emprego, excepto como funcionário público!

    Terceira verdade.
    O SMN não tem qualquer impacto nas pessoas que têm produtividade elevada.

    E quantas pessoas vão perder o seu emprego?
    Assumindo uma produtividade com valor médio de 1000€/mês e um desvio padrão de 500€/mês e que a inflação vai ser de 1,6%/ano, então, o aumento do SMN para 600€/mês em 4 anos vai reduzir o nível de emprego em 160 mil postos de trabalho.

    Como fiz a conta.
    Passando os 600€/mês a preços de hoje dá 563€/mês
    Percentagem de trabalhadores cuja produtividade entá entre 505€/mês e 563€/mês => 3%
    População activa (5,3 milhões) vezes 3% dá 156 mil”

    Retirado do Blog do Paulo Cosme Vieira.

  5. Luís Lavoura

    Mário Amorim Lopes, não, não me parece bem, mas é como eu digo, a política é a arte do possível, e por vezes os políticos têm que fazer coisas que até acreditam não serem boas.

  6. arons V. C.

    O que se afirma neste texto é de uma reles iliteracia. Esse Taleb, se dispuser de uma certeza 100% científica não precisará sequer de fazer a experiência, pois o resultado foi-lhe dado pela certeza científica…tolinho. Já o vosso Scott Sumner bem poderia inteirar-se um pouco da teoria do caos, que determina que um pequeno erro à partida (que pode ser imperceptível mesmo depois de multiplicado várias vezes) pode tornar-se um erro monumental pela exponenciação. O que me sugere que o vosso Sumner é um perfeito idiota e que vocês andam a ler péssima literatura. Aliás, a ver pelas amostras que aqui circulam, parece limitarem-se a compilar “rascunhos” de teoria económica de uma sebenta esquecida num vão de escada.

  7. Fernando S

    Luis Lavoura : “por vezes os políticos têm que fazer coisas que até acreditam não serem boas.”

    ??!!…

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