Portugal pode mais? A Irlanda pôde.

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Crescimento acumulado desde 1994. A Irlanda, país muito semelhante a Portugal, regista um crescimento que deveria envergonhar Portugal.

Num momento em que se discute um Governo de esquerda — um dissonante grémio de marxistas, trotskistas e socialistas deslocados —, a reversão da redução faseada do IRC e das importantes reformas do mercado laboral, entre tantas outras políticas económicas suicidárias, então talvez seja oportuno recordar a política económica seguida pela Irlanda: o oposto de qualquer política económica de um hipotético Governo de esquerda.

Em meados dos anos 90, a Irlanda conduziu profundas reformas económicas, entre as quais a liberalização dos mercados de bens e serviços, e subsequente entrada no mercado único, a liberalização do mercado laboral e a redução drástica do IRC. O PIB cresceu a dois dígitos e a dívida pública (%/PIB) foi reduzida de 90% para menos de 40% em 6 anos apenas. Consequentemente, a Irlanda atraiu uma vaga significativa de investimento directo estrangeiro. Com isto catapultou-se para o 5º lugar dos mais ricos da Europa, medido em PIB per capita, quando era dos países mais pobres.

O resultado está bem patente no gráfico que acompanha o artigo. Entre 1994 e 2014, a Irlanda viu o seu PIB crescer, cumulativamente, 140%, enquanto que Portugal registou uns pálidos 25%. Os 115 p.p. de diferença, quantificado em pessoas, são centenas de milhares de famílias que poderiam viver consideravelmente melhor. Em Portugal, o PIB per capita é de 28 mil USD, enquanto que na Irlanda chega aos 47 mil USD (PPP). Se Portugal tivesse crescido os 140% que a Irlanda cresceu, o PIB per capita português seria hoje cerca de 58 mil USD.

Créditos: cálculos e gráfico autoria de Christian Odendahl

Adenda: os valores usados estavam em USD e não em EUR. Não altera a substância do artigo, excepto num ponto. Em PPP, a Irlanda ocupa o 2º lugar na Europa. Fica a correcção feita, com um agradecimento ao leitor Ivo Reis.

20 pensamentos sobre “Portugal pode mais? A Irlanda pôde.

  1. Baptista da Silva

    A Irlanda quando quis despedir 30 mil FP’s, foi d.a noite para o dia, são diferentes, são muito liberais, mesmo muito

  2. CsA, a Irlanda, tal como Portugal, é membro da UE, está no Euro, não tem recursos naturais, é um país pequeno e periférico. E, já agora, o norte de Portugal já foi um território celta.

  3. CsA

    MAL, tudo certo. Resumindo estamos sob as mesmas condições.

    Há entretanto muitas diferenças, entre elas a Constituição. A Irlanda tem uma Constituição não-socialista que garante os direitos fundamentais/naturais do individuo. Em PT ainda estamos presos a uma Constituição de cariz estatizante que garante direitos à boa moda socialista e que em muitas áreas limita nossa liberdade. E isto reflecte muito a nossa mentalidade e cultura politica, muito diferente portanto da Irlandesa.

  4. CsA

    Com a nossa Constituição não seria possível por exemplo implementar essas reformas que houveram na Irlanda na década de 80 e princípios dos 90, ou por exemplo despedir 30k FPs como o Baptista da Silva acima referiu. Por isso penso que a Constituição acaba por ser um “aspecto estruturante”.

    Se nem com um governo maioritário e sob alçada da Troika foram implementadas as reformas estruturantes, para quando será então possível?

    As mentalidades não se mudam de um momento para o outro e os nossos partidos/políticos apenas respondem às expectativas do eleitorado, e (infelizmente) a maioria ainda quer um estado omnipresente e interventivo.

  5. Fernando S

    Basicamente, a Irlanda, que foi um pais relativamente pobre, conseguiu atrair investimento estrangeiro de qualidade.
    Como ? Como referiu o Mario Amorim Lopes, com uma fiscalidade leve, com flexibilidade na legislação laboral, desburocratizando fortemente a vida quotidiana das empresas (não basta facilitar a criação de empresas ; é preciso ainda que estas possam exercer as suas actividades sem estarem dependentes de inumeras autorizações e procedimentos prévios, como acontece noutros paises, incluindo Portugal ; a simplicidade de tipo “anglo-saxonico” consiste em não serem necessarias autorizações prévias mas existirem regras a respeitar que são objecto de fiscalizações rigorosas e com sansões pesadas, à posteriori).
    Numa primeira fase, dentro das possibilidades da legislação europeia, foram criadas varias zonas francas, especializadas por sectores de actividade e com um duração limitada.
    Numa segunda fase, começada antes de acabarem os prazos de vigencia das zonas francas, tendo em vista evitar a saida das empresas instaladas, foram generalizadas ao conjunto do pais varias das medidas e praticas das zonas francas.
    Em particular, o imposto sobre os lucros das empresas foi reduzido para 12,5% em todo o territorio.
    Isto apenas foi possivel porque, ao mesmo tempo que outros paises concorrentes (pelo investimento externo) aumentavam o peso do Estado na economia, a Irlanda optou por liberalizar e baixar impostos.
    Em Portugal também houve uma zona franca, a da Madeira. Mas não se generalizou a experiencia a outras partes do pais e mesmo esta zona acabou por ser encerrada.

  6. CsA

    Depende do consenso de 2/3 do parlamento, ou seja CDS/PSD/PS têm que se entender, mas primeiro é necessário haver propostas de mudança e depois discussão pública.

    Estamos na ressaca de umas eleições, ouviu por acaso durante a campanha eleitoral algum politico tocar neste assunto?

  7. CsA

    Eu pelo menos não ouvi. E sei porquê.

    Porque como disse a acima os políticos apenas respondem à expectativas do eleitorado.E em PT ganham-se eleições servindo quem se senta à mesa do OE. E esses em PT são a maioria.

  8. Aquilo que a Irlanda pode, pode gracas a ideias liberais que nunca seriam aceites em Portugal.

    Perguntem a um Portugues se quer viver como na Irlanda? Claro que sim! Expliquem que isso significa viver num pais que funciona ‘a base de pensoes, saude e ensino esmagadoramente privados, e o Portugues liberta o pequeno socialistazinho que tem dentro de si.

  9. Fernando S

    Concordo que é dificil fazer reformas estruturais em Portugal.
    E que essa dificuldade, que muitas vezes é atribuida apenas à má qualidade da classe dirigente, tem sobretudo a ver com uma mentalidade tendencialmente “estatalista” do eleitorado.
    Mas tal não significa que seja impossivel esperar e lutar por reformas estruturais no nosso pais.
    Temos é de ter presente que estas reformas não vão acontecer de um dia para o outro, apenas mudando a Constituição e aplicando um tratamento de choque.
    A politica é quase sempre feita na margem, com avanços ou recuos que são em si pouco significativos mas que cumulativamente podem acabar por alterar estruturalmente o estado das coisas.
    O que importa é tudo fazer para dar argumentos e força àquela parte da sociedade que pode vir a apoiar medidas e politicas, que, embora modestas e incipientes, vão na boa direcção.
    Pegando no exemplo que foi referido aqui em cima, o da redução do numero de funcionarios publicos.
    É verdade que o estatuto dos funcionarios e a Constituição proibem o despedimento.
    Mas tal não impediu que, em resposta à crise financeira do Estado, o numero de funcionarios tenha vindo a ser progressivamente reduzido. De resto, para sermos completos, devemos reconhecer que esta redução começou ainda durante os governos de José Socrates e foi depois acentuada pelo governo de Passos Coelho.
    Mas não foi apenas neste aspecto. Ao contrario do que alguns afirmam, a economia portuguesa tem vindo a sofrer algumas alterações que, embora ainda incipientes e insuficientes, são de natureza estrutural. É verdade que em boa medida forçadas pela crise e exigidas pela Troika. Mas aconteceram. E o papel da politica não foi nem é neutro. E, para tal, uma parte significativa dos portugueses, mesmo resmungando e protestando, acabou por reconhecer e ir aceitando na pratica essas mudanças. Que nas ultimas eleições quase 40% dos votantes tenham dado o seu apoio a quem aplicou uma politica de austeridade que levou a algumas dessas mudanças é muito sintomatico de que, apesar da mentalidade, os portugueses não são na prática incompativeis com reformas estruturais. Mesmo uma parte significativa dos 32% que votaram no PS teem alguma consciencia de que não se pode voltar atrás e que é necessário fazer reformas. O PS e o seu programa são precisamente a encarnação desta enorme contradição que é querer aliviar mais rápidamente a austeridade (sim, porque, para além da demagogia do discurso dos seus porta-vozes, a verdade é que o PS começou com a austeridade no tempo de Socrates e agora não se propõe verdadeiramente acabar completamente com ela) e continuar a respeitar os compromissos no seio da UE e do Euro.
    O desafio neste momento é conseguir-se que existam condições politicas para que não se volte atrás e se possa continuar a reformar. O facto do PàF não ter conseguido uma nova maioria absoluta e do actual leader do PS estar a tentar formar um impossivel governo “de esquerda”, é certamente uma dificuldade maior. Não está fácil. Mas nada está definitivamente perdido. Aconteça o que acontecer no plano politico, existe hoje a percepção de que, mais cedo ou mais tarde, uma maioria dos portugueses vai voltar a apoiar uma coligação politica que continue a reformar.

  10. Ivo Reis

    Creio então que devias corrigir duas coisas: o valor em Euros é na realidade um valor em Dólares, e esses valores são relativos a ‘GDP (nominal) per capita’ e não ‘GDP (PPP) per capita’, como indicas entre parêntesis – caso contrário seriam de 28326$ para Portugal e 47804$ para a Irlanda. (https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_sovereign_states_in_Europe_by_GDP_(PPP)_per_capita)

    P.S. Aproveito para reiterar que a Economia não é uma Ciência Exata, não sendo por isso certo que modelos aplicados em determinadas condições, tenham os mesmos resultados em condições diferentes.

  11. Ivo Reis, o link era o do PPP, dei-lhe o link errado. Quanto ao efeito da taxa de câmbio, embora não altere em nada o significado substantivo do artigo, pois altera os valores do produto de forma igual para todos os países, vou corrigir. Obrigado.

  12. Rodolfo

    Ivo Reis
    “P.S. Aproveito para reiterar que a Economia não é uma Ciência Exata, não sendo por isso certo que modelos aplicados em determinadas condições, tenham os mesmos resultados em condições diferentes.”

    Então para que raios votamos em diferentes partidos? O comunismo até nunca se aplicou em Portugal, então bora lá tentar.

  13. Georgina Santos Monteiro

    @ Ivo Reis
    @ Rodolfo

    O argumento, que a economia política não seja uma ciência exacta, para nada serve. E não é bem assim.

    A psicologia, a sociologia, a politologia nem sequer são ciências, dirão alguns competentes.

    A economia política (ver Carl Menger) tem que prescindir do experimento, não está fora de influências políticas (os ditos burros e os perversos, como Keynes), convicções ideológicas, dos diferentes valores morais. O comportamento do ser humano não é, e esperamos que nunca será, previsível.

    A separação da área económica de outras áreas é complicada, muitas vezes. Et cetera.

    A economia política é uma ciência muito importante e válida e exacta, quando assim é necessário. Usando os métodos da matemática, para assim dizer. Et cetera.

    Agora, a Irlanda também se afundou. No passado, recente.

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