A Coligação não atingiu o seu objectivo maior, uma maioria que permitisse, sem sobressaltos, governar com apoio parlamentar inequívoco nos próximos quatro anos. Conseguiu, ainda assim, uma vitória clara e segura, afastando os cenários de caos constitucional que resultariam caso o PS tivesse mais deputados que o PSD. Assim, não só o PSD teve mais deputados que o PS, como PSD e CDS-PP, juntos, têm mais deputados que PS+Bloco de Esquerda. Passos Coelho e Paulo Portas têm pela frente, agora, um enorme desafio, o de governar em compromisso, assumindo um discurso político e governativo aberto e partilhado com a população, como forma de legitimação da sua acção, essencial não só para a estabilidade política como para reforçar a sua posição caso venha a haver eleições antecipadas. A Coligação vai provavelmente focar-se no processo de reconciliação em marcha desde as Europeias, para tentar recuperar a parte do eleitorado que lhe fugiu nestas eleições legislativas (há 12% de eleitores que votaram PSD ou CDS-PP em 2011, e que ainda não fizeram as pazes com a Coligação, e que são o sustentáculo óbvio para permitir a curta recuperação que falta para atingir uma maioria). Uma análise detalhada dos resultados mostra, ainda, que os partidos da Coligação têm um enorme trabalho a fazer junto dos eleitorados urbanos de Lisboa, Setúbal e Açores, e algo no Porto, eleitorado esse muito exposto à manipulação dos media. Ter, assim, um discurso consistente e sereno junto do mainstream mediático é essencial para evitar que o país se radicalize, abrindo espaço para a proliferação de ideias ao bom estilo do Syriza.
O PS é o grande derrotado das eleições. Teria sido melhor para o PS que a Coligação tivesse tido maioria absoluta, pois tal permitiria que os socialistas iniciassem com menor pressão a travessia no deserto que necessitam para voltar a apresentar-se aos eleitores de cara lavada, algo que não aproveitaram no período 2011-2015. A forma ambivalente como Costa geriu o PS, ora aplaudindo derivas esquerdistas e vitórias do Syriza, ora apresentando um programa económico sustentado por economistas equilibrados, ora praticando um discurso negativo e radical, ora tentando mostrar-se como partido moderado e gerador de consensos, confundiu parte do seu eleitorado potencial, que na hora da verdade, preferiu votar, ora na Coligação, ora no Bloco de Esquerda. Acontece que a clarificação a fazer, ex post, vai agora ser mais dolorosa, vai ser reativa e exigida num contexto onde o ónus da governabilidade depende do PS, sob as facas afiadas de uma parte significativa do aparelho mais moderado e de um Bloco de Esquerda saído de um resultado histórico, pronto para aproveitar (mais uma vez), qualquer escorregadela dos socialistas. A fratura é óbvia, e vai manifestar-se no curto prazo pelo menos em dois momento decisivos (e isto se a atual liderança não implodir antes): aquando da votação do Orçamento de Estado, e nas eleições presidenciais. Uma má gestão política por parte dos socialistas poderá levar a que o Bloco de Esquerda cresça significativamente, tornando-se, não num Syriza luso, mas numa força relevante que parta o PS em dois. O que se está a passar no PS não é muito diferente daquilo que se sente no Reino Unido, em Espanha, na Grécia, em França, na Itália, com soluções e alternativas próprias do quadro partidário local: Como compatibilizar socialismo democrático com crescimento económico e rigor orçamental, no quadro de uma moeda única? Com a afirmação a que se assiste em toda da Europa, da social-democracia, há espaço para estes socialistas? A resposta a estas questões é óbvia, e a ruptura latente dos socialistas é evidente.
O Bloco de Esquerda é o grande vencedor das Eleições. Depois de alguns anos de indefinição, o Bloco não conseguiu apenas mais votos e mais deputados, encontrou um novo espaço político onde faz sentido existir. Ao mérito próprio, muito têm Louçã e Catarina Martins que agradecer a António Costa e alguns de sus muchachos que, intercalando com frequência um discurso muito radical, ajudaram a fabricar um espaço político que o Bloco soube capitalizar para si, com o mérito de uma boa campanha. O Bloco só não cresce mais na Esquerda porque existe a CDU, cujo núcleo de eleitores se mostra sólido que nem um … Bloco. Resta-lhe tentar expandir-se junto do eleitorado do PS, algo que têm sabido fazer com mestria. Os ares que sopram da esquerda europeia ajudam a que, esgotadas as “causas fraturantes”, se possam reinventar como núcleo anti-austeridade e anti-Euro, pressionando o PS e a sua ala mais radical (que tem aliás mais proximidade e afinidade não só discursiva como pessoal com o Bloco e as suas gentes do que com a ala moderada do seu próprio Partido). O seu grupo parlamentar (com duas Mortáguas, uma nova Catarina Martins revelada na campanha eleitoral, e mais-não-sei-quantos à entrada menos conhecidos mas que devem vir com a formação revolucionária completa, a que se juntam os jovens turcos do PS, João Galamba, Pedro Nuno Santos e Tiago Barbosa Ribeiro), vai fazer da Assembleia um verdadeiro chapitô político, para gáudio d’O Insurgente que necessita de matéria-prima para poder trabalhar. Tempos interessantes se avizinham.
A CDU teve o resultado seguro de sempre. Nada de mais a dizer, que não, graças a Deus que há um partido comunista conservador em Portugal, que fixa uma determinada faixa do eleitorado, e impede aventuras. A CDU sabe que não pode juntar-se ao PS e ao Bloco de Esquerda, sob risco de completa desagregação e perda da sua razão de existir. Resta-lhe prosseguir a sua ortodoxia e defender a sua base de implantação, para ir sobrevivendo. Ainda assim, é previsível que nos próximos meses a CDU renove a sua liderança. Jerónimo está envelhecido, e a CDU, com uma liderança mais jovem, pode não só manter o seu núcleo duro de eleitores, como reclamar uma fatia do espaço que o Bloco de Esquerda está a capitalizar, do discurso anti-Euro e de desagregação do PS, tal como hoje o conhecemos.
O PAN elegeu um deputado. Parabéns ao PAN.
Numa das últimas quadraturas o doutor Costa terá dito que o trabalho na AR era difícil e muito corrosivo para o líder da oposição. Vai ocupar o cargo ou vai ficar à janela a mandar bitaites incendiários?
Análise interessante. Alguns pensamentos soltos:
– Sustentar o governo é agora responsabilidade do PS, mas isso será um exercicio tático: Se o governo tomar medidas impopulares após 2016, poderá “abrir o flanco” para o PS o fazer cair.
Mas tomar tais medidas poderá não depender do Governo.. vamos ver.
– O PS provavelmente vai deslocar-se para a esquerda, para combater o BE, e poder oferecer uma alternativa de governo que seja verdadeiramente diferente. O que tornará o PS menos elegivel, mas irá puxar o “centro” da discussão para a esquerda
(if less than 2.7) eleiçoes em 2016 vale uma apostinha?
“eleiçoes em 2016 vale uma apostinha?”
e 1987 de novo.
“O PS provavelmente vai deslocar-se para a esquerda, para combater o BE, e poder oferecer uma alternativa de governo que seja verdadeiramente diferente.”
Com o Costa Concórdia o PS vai girar, rodando para todos os lados a qualquer hora do dia ou da noite. Ele ainda há dias ia chumbar o orçamento e ontem já disse que isso era um questão extemporânea. Nem chega a ser um cata-vento. É mesmo falta de alicerces.
Uma sintomática análise:
– “há 12% de eleitores que (…) ainda não fizeram as pazes com a Coligação”
Talvez não tenham é feito as pazes com o Relvas, com o Borges, com o Catroga e com os vistos Gold, digo eu…
– “eleitorados urbanos de Lisboa, Setúbal e Açores, e algo no Porto, (…) muito expostos à manipulação dos media.”
Lá está a razão porque na Coreia não há net para ninguém, problema resolvido.
Não é impossível, com Marcelo + Rio.
Dependendo do escândalo que aparecer já a seguir a gente fica a perceber logo.
Porque vai aparecer alguma coisa.
Nota: há uns poucos dias eu disse aqui que iam aparecer propostas para o voto eletrónico. Ontem já apareceu a primeira. Só que isto não ainda não é o Brasil.
Tempos interessantes sem dúvida. Curioso para ver o 1º orçamento. Inteligente António Costa em não se demitir.
Talvez já haja o distanciamento necessário para olharmos para os números e propor algumas conclusões.
1- A coligação conseguiu, agora, menos votos do que o PSD sozinho nas últimas eleições. De qualquer modo obteve mais votos do que o segundo mais votado (uma capicua, 238832- números do Público), logo, deve formar governo. Para tal, vai contar com a colaboração do PS que só alguns fantasistas imaginaram em coligação com os partidos à sua esquerda. Desta colaboração ambos os partidos (PSD e PS) podem beneficiar, sobretudo se mostrarem atitudes mais firmes junto da União Europeia e uma maior sensibilidade social. O “calcanhar de Aquiles” está no CDS, a partir de agora uma espécie de “Verdes” do PSD, com necessidade de fazer “prova de vida”.
2- O PS obteve mais 173953 votos do que nas anteriores eleições, mas é o grande derrotado tendo em conta a conjuntura em que decorreu o acto eleitoral. Terá, em minha opinião, a vida mais difícil, oscilando entre a colaboração com o governo para fixar o seu eleitorado mais “centrista” e a necessidade de não perder totalmente o seu eleitorado de esquerda para o BE e para a CDU, o que significaria a sua “pasokização”.
3- O BE, representando a maior subida de votos destas eleições, sabe que o seu eleitorado não tem a fidelidade ideológica de quem vota CDU. Daí, ir competir com o PS na função fiscalizadora da acção do governo, podendo protagonizar alguns dos momentos mais interessantes da próxima legislatura.
4- A CDU tem o eleitorado mais fiel de todos os partidos portugueses, para além de dominar os movimentos sociais. Basta-lhe “jogar” no hipotético excessivo colaboracionismo do PS e nas falhas do BE.
Sobre os abstencionistas é sempre difícil falar, porque não se sabe o que é real dos 1309075 não votantes.
Não Votaram: 4.065.288
“A lógica da batata – uma crónica”
6a feira: “o PS vai ganhar com maioria absoluta e formar governo.”
Sábado: “o PS pode não ter maioria absoluta mas vai ganhar de certeza e formar governo.”
Domingo: “o PS perdeu mas tendo mais deputados que o PSD é efetivamente o maior grupo parlamentar e por isso deve formar governo.”
2a feira: “o PS perdeu as eleicões e ficou a 1 ou 2 deputados de ser o maior grupo parlamentar. Contudo, o PS é de esquerda e a esquerda teve mais votos que a direita por isso o PS deve formar governo.”
3a feira: “o PS perdeu as eleições e o resto da esquerda quer acabar com o Euro. Mas o antónio costa é do Benfica e por isso deve formar governo.”
Tem razão, josephvss. Enganei-me nos números da abstenção. O que queria dizer, é que isso atira o total de eleitores para 9439651, o que limita a população com menos de 18 anos a 1060349.
Concordo contigo Gil o PS esta em estado de putrefacção (PASOK) o BE (SIRIZA) é o vencedor
Dervich. Exactamente. Muito bem assinalado.
“Lá está a razão porque na Coreia não há net para ninguém, problema resolvido.”
“Democratas” de aviário que nem percebem as bacoradas (galinadas ? ) que escrevem.
Curiosamente, ninguém fala do grande derrotado destas eleições, ainda mais do que Costa: o jornalismo mainstream.
Apesar de 4 anos de bombardeamento contínuo, de omissões convenientes, deturpação de factos, empolamento de minudências, e promoção despudorada de tudo o que é de esquerda (Livre, BE, ala esquerda do pS, Syriza, Podemos…) o povo fez-lhe um enorme manguito. A derrota não é apenas perderem a causa que defendiam sob a capa de impercialidade: é sobretudo a cabal demonstração da sua incapacidade de influenciar as pessoas (a falta de pudor e vergonha essa já tinha sido perdida há muito)
Os grandes derrotados: SIC,Expresso,JN,DN, etc. É só pegar na imprensa de colinho do PS e analisar. Até deitam fumo pelas orelhas.
fgcosta e Baptista da Silva: não sejam calimeros.
“Apesar de 4 anos de bombardeamento contínuo, de omissões convenientes, deturpação de factos, empolamento de minudências, e promoção despudorada de tudo o que é de esquerda (Livre, BE, ala esquerda do pS, Syriza, Podemos…) o povo fez-lhe um enorme manguito. ”
Fez-lhe? O PSD e o CDS tiveram das piores votações desde 1975 (e menos do que o PSD sozinho em 2011); o PS foi derrotado sobretudo porque o aumento do voto da esquerda foi para a CDU e para o Bloco, não porque o povo tenha rejeitado “tudo o que é de esquerda” (se calhar o problema foi o contrário – como “tudo o que é de esquerda” ganhou votos, nenhuma esquerda ganhou votos suficientes para ganhar as eleições.
Excelente resumo. A constatação da maioria de deputados eleitos pela coligação face aos do PS+BE, ainda não foi absorvida pela mediocracia, que se tem esquecido dos muito prováveis três a um que ainda falta contar. Ora esta contrariedade desfaz a igualdade numérica, um whisfull thinking que fundamenta a equivalência de status. Tem a sua importância.
Costa a meias com a renascida Catarina – grande actriz que se perdeu – salvaram o BE da extinção anunciada, liquidando en passant o pobre do Tavares. Não acredito mesmo assim que esta subida vá além do espasmo de curta duração. O futuro negro do Cyriza e a descredibilização do Tsipras não lhes vão permitir recolher os cacos da implosão do socialismo democrático. O próximo desaire do Podemos também não ajudará.
O drama do PS e da social-democracia europeia é que os bons tempos já lá vão e o dinheiro dos outros acabou-se. Quem os irá substituir, não sei. Pequenos nacionalismos à la carte?. Talvez.
A renovação feita pelos jovens turcos do PS (talvez mais gregos) terá o seu contraponto nos Doutores Centenos e outros Keynesianos reciclados. O pátuá do Costa não o levará longe. É uma questão de tempo até a fractura se consumar. O Medina, investido nas funções de mestre de cerimónias do 5/10, já veio anunciar a táctica. Estará na calha para a sucessão, ainda não para a secessão. O drama é que ainda não aqueceu o lugar na Câmara, o que é uma pena, tão bom rapazinho, tão ortodoxo e bem mandado….
Ao novo governo bastará não fazer asneiras até à eleição do Doutor Marcelo, se é que desta vez o homem avança. O PS não vai ter tempo nem consensos para discutir seja o que for que extravase o umbigo, no largo do convívio fraterno. O clima por ali é mais de facas longas.
O kamarada ti Jarónimo é que já nã tem vida para isto. A renovação na continuidade indicará o Dótor Carvalho da Silva, sociólogo sindical. A não ser que tenha desalinhado….