É importante que todos tenhamos presente que Portugal não é um Mar de Rosas, ao contrário do que alguns ainda acreditam, e que não há ninguém em quatro anos que consiga inverter aquilo que foram décadas de má governação. O Novobanco (NB) e o “caso BES” é uma das muitas dessas heranças bicudas cuja caixa de pandora se abriu durante o período da presente legislatura.
Ninguém duvide, Portugal está a mudar, mas a libertação dos principais erros do passado vai demorar bem mais do que uma ou duas legislaturas. No processo de mudança vamos ter de suportar muitos ónus do passado: Portugal tem vários problemas para resolver: o mais mediático, nos últimos tempos, diz respeito ao NB.
Ora então, todos nós emprestámos 3,9 mil milhões de euros ao Sistema Financeiro, via Fundo de Resolução, para que pudesse estabilizar os rácios de capital do NB, e seguindo aquilo que são as Leis Comunitárias, se procedesse a venda aos potenciais interessados. A venda não foi executada, em grande medida porque sobre o NB impendem inúmeras incertezas e riscos que o desvalorizam aos olhos dos potenciais compradores.
Agora, nada justifica a histeria a que assistimos ontem: quem ligasse a televisão num momento errado, poderia ficar com a sensação que o mundo tinha acabado, como se de repente uma bomba tivesse explodido no meio de Vila do Conde. Não, o problema não nasceu ontem, mas em 2014. O que aconteceu ontem foi o anúncio de um mero registo estatístico, como aliás esclareceu, e bem, a Comissão Europeia,
Assim, o que se deveria estar a discutir é: Foi errado o caminho escolhido pelo Governo? Quem discorda que o Governo fez más opções, que alternativas preferia ter assumido, a nacionalização? Ou devia o Governo ter deixado o banco falir? Haveria outro modelo de venda mais adequado? Toda a discussão que se faça em redor destas interrogações é legítima, e podemos até discordar uns dos outros das soluções equacionadas. Acontece que nenhuma destas dúvidas nasceu ontem, todas elas estão na ordem do dia há meses, e podem ser objecto de um debate feito com urbanidade e serenidade, para que se perceba o que está em causa.
Quanto vale o Novobanco hoje? Quanto é que o sistema bancário vai ter de suportar após a venda? Será que não há o risco do banco ser na prática nacionalizado, e demorar uns tempos largos até que possa ser vendido? Qual o caminho que salvaguarda melhor o nosso dinheiro? Todas estas questões merecem resposta, agora ou no futuro próximo, e são estas as questões verdadeiramente pertinentes que importa discutir.
O que não é admissível é a figura que os líderes do PS (e do Bloco, diga-se também) fizeram ontem, as suas reacções acaloradas, as tentativas peregrinas de comparar 2011 a 2014, misturando tudo, e mais alguma coisa (BPN, submarinos, e sabe-se lá mais o quê), aos berros, no meio da lota de Vila do Conde: este tipo de comportamento é difícil de adjectivar, e leva-me a ficar preocupado com a hipótese de pessoas que se comportam assim poderem vir a ter responsabilidades no Governo de Portugal. Portugal precisa de manter o ritmo de mudança, continuar a libertar-se do passado, olhar o Futuro, e não voltar atrás. Este PS é um regresso ao passado de que andamos a tentar fugir, desde 2011.
“Catarina Martins, a porta-voz do Bloco de Esquerda, considera “verdadeiramente inaceitável” que as instituições europeias tenham declarado esta quinta-feira que estão afastadas mais medidas de austeridade, para fazer face ao défice de 2014″
(http://expresso.sapo.pt/legislativas2015/2015-09-24-Catarina-Martins-A-Comissao-Europeia-entrou-na-campanha-eleitoral)
Ou seja, é “inaceitável” que a Comissão Europeia esclareça uma questão técnica que lhe diz respeito. Daqui a pouco Catarina Martins está a considerar “inaceitável” que a comunicação social noticie o aumento do PIB ou das exportações ou a redução do desemprego.
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O que aconteceu ontem foi o anúncio de um mero registo estatístico
Tratar isto como “mero registo estatístico” é em si mesmo uma opção política.
O que se está a dizer é que a capitalização de um banco é algo que não conta para o défice. Mas questiona-se: se o banco tivesse sido nacionalizado, também não contaria para o défice? Obviamente que contaria. (O BPN foi nacionalizado, e todos os prejuízos daí decorrentes contaram para o défice e não foram tratados como “meros registos estatísticos.) E se, pelo contrário, o governo vender uma empresa pública a privados, isso conta para o défice? Conta, sim, embora não passe de uma receita extraordinária, a qual, pela mesma lógica, deveria talvez ser tratada como um “mero registo estatístico”.
O que eu estou a afirmar é que a opção de deixar de parte esta despesa do Estado como um mero acidente de percurso é em si mesma uma opção política, um perdão que a Comissão Europeia decide fazer a certos tipos de despesas, mas que não faz a outras.