A família (política) acima de tudo

Em política é impressionante como a argumentação de algumas pessoas rapidamente sai do âmbito da discussão de factos e vai buscar falsos clichés e soundbites dos partidos a que estão emocionalmente ligados. Sei que é mais fácil seguir o coração do que a razão e, por vezes, também me acontece mas, sendo liberal e agnóstico partidário (voto sempre branco/nulo!), a ligação é menos emocional.

Dias atrás, enquanto lia nas redes sociais inúmeros comentários de apoiantes/militantes dos vários partidos (especialmente do PS), lembrei-me da seguinte citação do filme “O Padrinho” [tradução livre]:

Fredo, you’re my older brother, and I love you. But don’t ever take sides with anyone against the Family again. Ever.

[Fredo és o meu irmão mais velho e eu amo-te. Mas nunca mais fiques do lado de alguém contra a Família. Nunca mais.]

Até aceito que, por mais erros que um partido possa cometer, a sua família partidária estará sempre ao lado do líder. Pelo menos em público. Internamente é saudável que se discutam diferenças e procurem mudanças de rumo, com o maior consenso possível. Eventualmente, a médio e longo prazo, por pressões internas ou externas, é certo que haverá mudança de líder. Mas e de políticas? Aqui é mais confuso.

No início deste século os partidos eleitos para governar (coligação PSD/CDS) fizeram o diagnóstico certo da situação orçamental (“o país está de tanga”, ou seja, não há dinheiro para continuar a financiar o Estado) mas aplicou a receita errada (aumento de impostos e receitas extraordinárias). Em 2005, dois anos antes da crise financeira de 2007/2008, o PS obteve a maioria absoluta prometendo confiança numa nova alternativa (i.e. estímulo da economia através de gastos públicos). Do discurso de posse do então recém-eleito primeiro-ministro (meus destaques):

Este mandato é, portanto, a expressão política da vontade de mudança dos portugueses e é também o sinal de uma nova confiança e de uma maior exigência. O XVII Governo Constitucional, a que tenho a honra de presidir, emana desta profunda vontade de mudança, que tão claramente se expressou – não a favor de uma mera alternância mas a favor de um novo projecto político alternativo.

Diagnóstico e receita estavam errados. O problema veio a exacerbar-se ainda mais quando chegou a referida crise financeira mundial e continuou-se a apostar na crença do milagre (sem qualquer aparição!) do multiplicador do “investimento” público e, para fazer face à impossibilidade de aumento da dívida pública, aumentou-se a contratualização de “dívida escondida”, via Parcerias Público-Privadas (PPPs). O partido no poder conseguiu, assim, em 2009, aumentar o salário dos funcionários públicos e ser reeleito, mas apenas com maioria relativa.

Contudo, em 2010, chegou a altura em que a soma do dinheiro dos contribuintes e dos credores já ameaçava ser insuficiente. Aplicou-se, durante esse ano, três Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC I, PEC II e PEC III), aprovados na Assembleia da República com a abstenção dos partidos à direita. Por outras palavras, o governo do PS implementou (ou tentou implementar) medidas de controlo orçamental que hoje resumidamente se caracterizam de…. “austeridade”.

No ano seguinte (em Março de 2011) o primeiro-ministro apresenta o PEC IV e, desta vez, tem o chumbo de TODA a oposição no Parlamento. Demite-se. Alguns dias depois é reeleito secretário-geral do PS, com 93,3% dos votos da sua “família”.

No início de Abril o primeiro-ministro demissionário envia, à Comissão Europeia, um pedido de assistência financeira. A 9 de Abril, no XVII Congresso Nacional do PS, a moção de estratégia política (coordenada por António Costa) foi aprovada com 97,2% dos votos da “família”. Deste documento constava o seguinte texto (recordo, coordenado pelo actual candidato a primeiro-ministro!) [meu destaque]:

“[A consolidação orçamental] é um esforço que tem de ser feito para garantir o nosso empenhamento na criação de condições de financiamento da economia portuguesa, indispensável à actividade económica.”

No mês seguinte (Maio) é anunciado que se chegou a um acordo com as instituições internacionais (troika). Durante a campanha para as legislativas de 5 de Junho, o PS defendeu o Memorando de Entendimento com a troika (uma versão próxima do PEC IV, diziam). Já o PSD afirmava que o importante era “cortar nas gorduras do Estado”. Ganhou o PSD e coligou-se com CDS para formar governo.

Apesar desta coligação dizer, no início da governação, que pretendia ir “além da troika”, infelizmente não o fez [Adenda: e centrou-se mais no aumento de impostos do que na redução da despesa]. Na actual campanha o secretário-geral do PS e seus militantes tentam mostrar gráficos para o efeito mas a realidade é que o Estado português ficou uns 7 mil milhões de euros aquém do negociado no Memorando (pelo PS). Deste modo, os factos dizem que a melhor crítica ao Governo é não terem conseguido cumprir o Acordo, apesar de dizerem que sim.

Neste momento, a cerca de duas semanas e meia das eleições legislativas, a estratégia política do PS parece ser, portanto, rejeitar a estratégia política do PS de 2011. Porém, se ganharem as eleições, qual serão as verdadeiras medidas implementadas? Provavelmente as que defenderam nos quatro PEC de 2010/2011 e durante a campanha de 2011. Quando isso acontecer, os apoioantes/militantes do PS, para não ir contra a “família”, lá terão de se contrariar a si próprios…

thegodfather_PS

23 pensamentos sobre “A família (política) acima de tudo

  1. carac@

    O PSD e CDS PP ganharam as eleições a base das mentiras de Passos e promessas que nunca foram cumpridas mas desta vez o povo já não cai noutra !!!

  2. Catarina

    Vota sempre nulo/branco? Não percebo. Percebo o voto de protesto ocasional, mas para si então a democracia não lhe dá um único partido/líder em que admita confiar a governabiidade? Se todos fizéssemos igual, qual seria o output? Estou só confusa, não me leve a mal, e se quiser explicar, sou toda ouvidos…

  3. Baptista da Silva

    Cuidado com o, voto em branco, fácilmente se converte em voto, basta que haja uma caneta ali à mão.

    Faça como eu, até já me chamaram à atenção, desenho muito, nada de ofensivo, mas desenho, e demoro um pouco, dai me chamarem a atenção.

    Mas este ano o boletim de voto é enorme, vou demorar um bom bocado, vou levar aguarelas, vai ficar lindo.

  4. Catarina, não existem partidos liberais 😦
    Se todos eleitores fossem liberais (era bom, era!) e fizessem igual (ok Baptista da Silva, votar nulo) os partidos da dita governação, para chegarem ao governo, teriam de alterar os seus programas para captar o eleitorado (aliás, os próprios militantes seriam liberais). O problema é que maioria, mesmo que insatisfeita, é socialista (em vários graus de socialismo) e vota. Não há, por isso, qualquer incentivo para ser mais liberal.

    Já agora, se a Catarina não se identifica com os actuais políticos, votar no mal menor continua a ser… votar mal.

  5. Fernando S

    “Se todos eleitores fossem liberais …”

    Mas não são !!
    Nem sequer a esmagadora maioria dos que se absteem ou votam branco/nulo !

  6. Fernando S, não votar é única opção quando nenhum dos partidos se adequa minimamente às crenças de cada um. Dos que se abstêm certamente não são todos liberais. Mas, mesmo assim, em Portugal têm disponíveis partidos socialistas de várias cores e tamanhos.

  7. Fernando S

    “não existem partidos liberais”

    … que isolados e “orgulhosamente” intransigentes possam alguma vez ter alguma influencia sobre as politicas …
    Nunca e em lado nenhum.
    Mesmo a “revolução liberal” dos anos 80 foi levada a cabo por partidos “conservadores”, juntando diferentes correntes e onde os “liberais” eram minoritarios.

  8. Fernando S

    BZ,
    Por pouco que seja, há ou não há alguma diferença entre a politica que foi seguida pela coligação PSD-CDS liderada por Pedro Passos Coelho e aquela que o PS de Antonio Costa se propõe seguir se voltar ao governo ??
    Muitos dos seus colegas aqui no “O Insurgente” teem mostrado que, apesar de tudo, há.
    Eu acho que teem razão e que, de um ponto de vista liberal (eu também me auto classifico de “liberal”), o PS no governo é certamente pior do que a actual coligação, por pior que esta possa aparecer.
    A partir daqui não interessa muito saber se a coligação é mais ou menos “liberal” ou “socialista” ou uma qualquer outra mixordia politico-ideologica.

  9. Fernando S.,

    Ronald Reagan dizia que um conservador tem sempre um bocadinho de libertário.

    Eu acho que é um bocadinho poucochinho, e podia ser um pouco mais. Não muito mais. Tal como o sal, o libertarianismo funciona bem na dose certa. Tal como a sopa, o conservadorismo é sensaboroso sem libertarianismo e o libertarianismo suicidário por alta tensão sem uma grande dose de sopa onde se misture.

  10. Fernando S.,

    «Eu acho que teem razão e que, de um ponto de vista liberal (eu também me auto classifico de “liberal”), o PS no governo é certamente pior do que a actual coligação, por pior que esta possa aparecer.»

    Convenhamos que dificilmente encontrará aqui quem diga o contrário. 😉

    E para quem o diga, 605 Forte é veneno para 44 ratos.

  11. oscar maximo

    Resumindo: o PS chamou a troika por obrigação. O PSD trouxe a austeridade por opção. Mas agora reparo, troika e austeridade são sinónimos

  12. Romeu

    Está longe de ser o único Liberal em Portugal. Há muita gente da Direita Cosmopolita, não conservadora. A esmagadora maioria na verdade, por iliteracia política, não o sabe.
    O MPT é um partido que infelizmente tarda em se assumir descomplexadamente como Partido de índole Liberal-social, isto apesar de pertencer à ALDE (a 3ª força política na Europa). O programa do Juntos Pelo Povo (JPP) é francamente Liberal, uma lufada de ar fresco, mas o partido é tão recente que ainda não convence (mas na Madeira até teve bons resultados). Apareça um dia nos talks do MLS.

    Abraço

  13. José

    Sempre achei que alguma coisa estranha se passa á volta do PS. Parece que há alguém que sabe o que fazer para abafar o que é preciso abafar, e evidenciar o que é necessário evidenciar para as coisas continuarem como é suposto. A verdade é que quase toda a gente se esqueceu de imensa coisa que aconteceu, e não nos esquecemos do que aconteceu com pessoas no PSDs, CDSs, etc etc. Não compreendo como o facto de que um ex ministro, que recebia dinheiro em malas de “amigos”, por mais ou menos que isto seja a única verdade, seja tão, hmmm, “aceitável”. A coisa é tão densa que se as mesmas palavras forem proferidas por outras pessoas, fora do PS, estas são criticadas por toda a gente (se alguém se enganasse como António Costa se enganou, nestas últimas semanas, por exemplo). E o maior problema é que mesmo assim, as pessoas ainda alimentam este mesmo problema. Acho que o Manto Protector que se falava no futebol faz muito mais sentido na política, principalmente no PS.

  14. Pingback: Futuro líder do Partido Socialista? (3) | O Insurgente

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