1. Não haverá por certo problema em falar de algo que não conhecemos bem. Não deveremos desconsiderar, por falta de experiência, a virgem que fala de sexo, o sociólogo que fala de economia, ou o invisual que imagina como será ver. Ainda há dias, discutia com veemência o ano vintage de 2011; arguia convictamente por um Quintero sempre a 10, fora das alas; comentava a sensibilidade do palato a azeite que não extra-virgem; e comparava o existencialismo de Camus e de Sartre. Tudo isto regado a Dona Ermelinda e Terras D’Alter (o vinho da quinta do perigoso neoliberal António Borges), em amena cavaqueira com amigos. Tombado o whisky, a conversa fluía natural e candidamente, como assim deve ser. Poucas são as regras, para lá de um copo cheio, de uma conversa entre amigos.
2. Ligeiramente diferente, ou assim achava eu, é o debate político esgrimido na praça pública, onde os pobres servem de arma de arremesso para trapaceiro e despiciente guerrilha da esquerda republicana dos senadores do bem-comum contra a direita que todos os males trouxe ao mundo. E é aqui, longe da conversa entre amigos, que o conhecimento de causa vem por algum cobro aos disparates.
3. Tendo afligido muita gente, a austeridade afectou com notória violência o bom senso, já de si racionado, de alguma esquerda — a parcimónia que recusam para as contas públicas aplicam com rigor e disciplina à inteligência do discurso. Daí que contributos como os de Gabriel Mithá Ribeiro, aqui desdenhados por alguém particularmente afectado pela tal austeridade, sejam muito relevantes, especialmente quando alertam para a forma como “a retórica política transformou a pobreza em artilharia pesada […] para legitimar a superioridade moral de um dos lados da barricada”.
4. Ou seja, a mensagem principal do Gabriel não é que tenhamos de partir as pernas a todos os ortopedistas para que estes possam avaliar condignamente os seus pacientes — imediata conclusão tirada pelas vítimas intelectuais da austeridade —, mas que o debate possa ultrapassar o prosaico maniqueísmo que separa os grandes senadores do bem comum da direita ultramontana, xenófoba, neoliberal — já aqui a esquerda não é austeritária com a adjectivação —, que quer disseminar a pobreza.
5. Posto isto, aqueles que de manhã escrevem sobre futebol, ao almoço sobre música, à tarde sobre economia, e à noite, por vezes de manhã, vão comentar coisas, poderão bem continuar a fazê-lo. Idealmente, num qualquer restaurante chique da capital enquanto acompanham do seu iPhone os índices de pobreza mundial e se indignam com mais uma política neoliberal de Hollande ou de Renzi, enquanto aplaudem Tsipras. Mas, não sendo possível, que continuem pelos canais e jornais do costume. O vinho levamos nós.
Tretas.
Portanto não posso apontar o sofrimento “dos pobres” como demonstração do falhanço de uma determinada politica?
O que se segue, não posso usar o video de uma multidão de adeptos do chelsea a impedir um cidadão negro de entrar no metro como um exemplo de racismo?
A esquerda não utiliza os “pobres” como arma de arremesso – a direita é que se esquece que estes existem, e nenhuma solução apresenta para estes. Afinal, porque o faria, se no seu discurso, implicitamente está o velho “se são pobres é porque são preguiçosos”?
Muito bem!.. De facto, devia-se passar a denunciar esses que por razões pessoais recorrem ao argumento da pobreza, sabendo muito bem que as medidas de esquerda que defendem ainda seriam mais prejudiciais às classes desfavorecidas. Só pessoas cínicas e indiferentes poderão ter uma atitude destas. E depois ainda se vêm armar em moralistas! Pacheco Pereira é o exemplo típico.
A minha família tem uma pequena indústria, conhecemos bem todos os empregados e por ali passaram dezenas de almas em mais de 30 anos.
E sim, a miséria vem de mão dada com os apoios sociais. Vemos como muitas pessoas preferem receber 200 ou 300 euros de fundo de desemprego a trabalhar por 600 euros/mês na agricultura. Como mães acumulam apoios para os petizes e recusam trabalhos em part-time que poderiam duplicar os rendimentos familiares.
Há uma semana um conhecido que tem estufas foi ao centro de emprego procurar trabalhadores. Salário acima do salário mínimo. Todos os inscritos recusaram. Não fossem os imigrantes búlgaros e a economia local pararia.
Os académicos esquerdistas da capital desconhecem estas realidades. Um ano na província a gerir uma empresa e certamente colocariam de lado a porcaria ideológica que defendem.
«Muito bem!.. De facto, devia-se passar a denunciar esses que por razões pessoais recorrem ao argumento da pobreza, sabendo muito bem que as medidas de esquerda que defendem ainda seriam mais prejudiciais às classes desfavorecidas. Só pessoas cínicas e indiferentes poderão ter uma atitude destas. E depois ainda se vêm armar em moralistas! Pacheco Pereira é o exemplo típico.»
Matar o modelo/paradigma do Estado Social português seria o maior favor que poderiam fazer aos pobres.
Pela mesma lógica quem não é pobre não pode decidir quem fala de pobres e quem não fala deles.
Há um número enorme de pobres que não tem apoios sociais, que é doente, que é criança que é velho.
Como explica a existência desse numero crescente de pobres? São calões?
O governo criou ou apoiou para cima de 750 cantinas sociais (dados do ministro da SS). Das duas uma, ou considera que anda a dar de comer a calões, ou há mais gente a passar fome.
E que dizer do facto de o RSI ser escrutinado com o máximo rigor e o dinheiro dado às cantinas sociais não?
http://www.pordata.pt/Europa/Taxa+de+risco+de+pobreza+antes+e+apos+transferencias+sociais-1940
O risco de pobreza tem vindo a diminuir em Portugal desde 1995. Antes ou depois das transferências sociais, o risco era mais elevado em 1995 do que em 2013.
A conversa da pobreza só é trazida à baila quando interessa à esquerda, que são eles quem dominam a comunicação social.
Luis
Contrariamente ao que diz a esquerda sabe o que se passa com a recusa de empregos. Mas não criticam nem tomam posição porque esses “pendurados” são importantes na contagem dos votos da esquerda.