Desde a vitória do Syriza nas eleições legislativas gregas de passado domingo ficou claro que a rotura com a “austeridade da troika” prometida no programa eleitoral não era retórica eleitoral. Antes de existirem diálogos formais com as contrapartes dos acordos de resgate financeiro já o novo governo começou a implementar medidas que o colocam em incumprimento. Isto é objectivo.
Alem da rotura com a austeridade o Syriza prometeu renegociar a dívida, mantendo-se no Euro. Esperávamos que a posição negocial do Syriza fosse o choque retórico acompanhado de cautela na implementação de medidas concretas. O que surpreende é a inversão. Estão a acompanhar medidas políticas incompatíveis com o acordado com uma retórica apaziguadora e moderada.
O objectivo de permanecer na zona Euro, um objectivo que depende dos parceiros europeus, está sujeito ao compromisso de romper com as políticas de austeridade e de alterar os termos da dívida pública, comprimento destes que estão inteiramente nas mãos do governo grego. É esta inversão entre o meio e o fim que é determinante para o futuro da Grécia na zona Euro. O incumprimento à priori das condições de financiamento, antes de se sentarem à mesa com a troika, é causa suficiente para inviabilizar qualquer renegociação e acelerar a clarificação da relação entre a Grécia e o Euro. Ficando claro rapidamente que não há margem para acordo, porque a União Europeia entende que o default grego não implica um risco sistémico, e porque a cedência implica um custo directo e indirecto superior ao do default, restam poucos caminhos para a Grécia poder financiar-se. Poucos caminhos mas grandes dúvidas que podemos sistematizar.
Um cenário de resultado inicial é (1) a permanência no Euro, com (2)saída do plano de resgate financeiro e respectiva fonte de financiamento, (3) default sobre a dívida soberana e consequente negociação e (4)o pagamento de credores internos directamente com títulos de dívida nomeados em Euros. Independentemente das consequências directas e indirectas para os gregos, este cenário é o mais compatível com a tripla no totobola grego. Fim das medidas de austeridade da troika, renegociação da dívida e manutenção no euro. A existência deste cenário não está inteiramente nas mãos dos gregos. Será que o Eurogrupo aceita no seu seio um país que não cumpriu nem quer cumprir com as suas regras? Improvável. Além da questão de princípio existe a questão política. Interessa que fique claro para os eleitores dos países da Europa do Sul quais é que são as consequências de darem o poder a partidos da linha do Syriza.
O curioso é que nos diz a teoria que, no momento em que cada uma das partes tiver clara qual a posição em cada um dos posteriores momentos de decisão, o jogo pode precipitar-se para o seu resultado final, sem passar por cada um dos passos intermédios. Que ninguém se surpreenda que em uma destas segundas feiras de Fevereiro a Grécia anuncie um plano de saída do Euro. Bastará que a união Europeia deixe claro ao governo grego que não aceita o incumprimento pela Grécia dos acordos como base de qualquer que seja a renegociação da dívida e que a Grécia entenda que não será aceite no Euro nestas condições. Esta precipitação de eventos será em Fevereiro porque o financiamento das obrigações da Grécia exigem a tomada de posições durante os próximos 30 dias. Indo à segunda derivada, se o cenário for tão óbvio quanto parece, a saída da Grécia do Euro pode acontecer tão cedo quanto for praticável.
Nota: A geopolítica pode ser determinante nas decisões económicas nacionais. A wildcard neste jogo da Grécia no Euro é a aproximação à Rússia, que pode funcionar como atração para o abismo e como ameaça credível da Grécia no que serão as consequências da sua saída do Euro para a União Europeia.
Nota 2: Há que saudar o Syriza por estar a cumprir com o seu programa eleitoral, independentemente de qual seja e de concordarmos ou não com ele. É saudável e de louvar que partidos que cheguem ao poder recompensem o seu eleitorado com o cumprimento da sua parte. Quem nos dera que o PSD/CDS se pudessem orgulhar da mesma coisa.
Não percebo como a Rússia poderá salvar a Grécia, só em “contos de fadas”.
A Rússia tem os seus próprios problemas financeiros, e a guerra na Ucrânia não ajuda em nada.
Não salva a Grécia mas a ameaça de aproximação à Rússia é uma alavanca negocial.
Mas se toda a gente sabe que a Russia nãotem capacidade para os salvar, que raio de alavanca é essa?
É como um alguém no poker dizer que tem dois ases quando já lhes vimos as cartas e tem dois duques…
A Russia de repente consegue ajudar toda a gente? É que a Grécia tem que ir para a fila porque a Bielorússia já chegou à frente.
“Mas se toda a gente sabe que a Russia nãotem capacidade para os salvar, que raio de alavanca é essa?”
provavelmente a única que têm. É claro que há uns meses antes do petróleo começar a descer a pique teria muito mais força.
Nato fica com a Ucrania a Russia fica com a Grecia jogos de poder
“Nota 2: Há que saudar o Syriza por estar a cumprir com o seu programa eleitoral, independentemente de qual seja e de concordarmos ou não com ele. É saudável e de louvar que partidos que cheguem ao poder recompensem o seu eleitorado com o cumprimento da sua parte. Quem nos dera que o PSD/CDS se pudessem orgulhar da mesma coisa.”
Nao podia estar mais de acordo.
Há outra hipótese, altamente provável: a de o Sirisa fazer tudo ao contrário do que prometeu. Não seria inédito, como sabemos.
Luís Pereira,
Até ver estão a fazer exactamente o que prometeram e mais rapidamente do que se esperava. Para mal dos gregos e dos partidos dos outros países que propõem essa linha.
“É saudável e de louvar que partidos que cheguem ao poder recompensem o seu eleitorado com o cumprimento da sua parte. Quem nos dera que o PSD/CDS se pudessem orgulhar da mesma coisa.”
O PSD prometeu antes das eleições ganhas em Junho de 2011 NÃO aplicar o programa acordado com a Troika em Maio de 2011 ?
Fernando S,
Prometeu não aumentar impostos e reduzir a despesa. Isto é o mais objectivo. Era um discurso de combate ao peso do estado que tudo sufocava. Repare que o Syriza tambem podia chegar ao poder e dizer que não podia ir atrás com as medidas de corte de despesa porque senão tinham de sair do Euro. O que está nas mãos deles, estão a fazer. Estão simplesmente a cumprir, para azar dos gregos que não votaram neles.
Se a Grécia do Syrisa, depois de excluída ou excluindo-se da União Europeia, assumir contra esta uma atitude descaradamente hostil, então será altura da União Europeia se abrir à adesão da Macedónia, passando este Estado a chamar-se mesmo assim, e não por um nome esquisito, adoptado há uns anos para não ferir as suscetibilidades gregas.
Cumprir o quê? O impossível? Lá enganou 36% de gregos. E andamos nós a dar importância a estes tristes jogos e ouvidos a uns tantos partidos portugueses que alinham no impossível…para enganar portugueses.
Ricardo,
O PSD prometeu sobretudo aplicar o programa da Troika. Este programa previa aumentos de impostos. O que o PSD disse é que, tendo em conta as circunstancias reais, e tendo inclusivamente em conta que, estando na oposição e tendo havido falta de transparencia na politica orçamental do governo PS (este aspecto é relevante até porque se verificou depois que o PS praticou abundantemente uma certa engenharia financeira para esconder grandes buracos nas contas publicas), o PSD procuraria fazer ajustamentos no programa, naturalmente com o acordo da Troika, no sentido de evitar aumentos de impostos e até, sendo possivel, de reduzir a carga fiscal. Para o efeito, o PSD esperava levar a cabo cortes nos gastos do Estado superiores áqueles que estavam previstos no memorando. Desde 2011, o governo de Passos Coelho cortou efectivamente nos investimentos e nas despesas do Estado. Acontece que, por diferentes razões, a começar pelas institucionais, com destaque para os chumbos do Tribunal Constitucional, o governo não pode ou não conseguiu ir mais longe do que foi. Esta foi a principal razão pela qual o governo actual não teve outra escolha senão aumentar alguns impostos. Mesmo assim, estes aumentos incidiram mais sobre as familias, portanto sobre o consumo, do que sobre as empresas, portanto sobre o investimento. Acresce que todas estas medidas, a começar por aquelas que resultaram de uma revisão do que estava indicado no memorando inicial, foram aprovadas e apoiadas (quando não sugeridas) pela Troika. Se porventura o governo actual não tivesse respeitado as decisões do Tribunal Constitucional ou tivesse tomado outras iniciativas de reforma do Estado que se sabia à partida que teriam a oposição das instituições (incluindo o Presidente da Républica) podemos estar certos de que teria caido e sido substituido por outro governo, eventualmente até com o apoio do proprio PSD (oportunamente “despassoizado”), que teria feito uma politica, esta sim, bem mais à revelia do programa eleitoral de 2011 do PSD. Se porventura, tendo em conta as circunstancias da altura, o governo actual tivesse tomado unilateralmente a decisão de não aumentar impostos ou até de os descer, podemos estar certos de que os credores e avaliadores, dos mercados à Troika passando pelas principais instituições financeiras europeias e internacionais, não estariam de acordo e penalizariam Portugal por isso.
Dito isto, o programa eleitoral do PSD, como em geral todos os programas, não deve ser visto como uma listagem rigida de metas e medidas detalhadas. Um programa indica sobretudo uma vontade e uma orientação geral quanto ao essencial. É assim que generalidade dos eleitores de cada partido ve o respectivo programa (que, de resto, raramente le e conhece em detalhe). Tanto é assim que é sabido que, no caso dos partidos com responsabilidades governativas, em sucessivas eleições, uma parcela muito significativa destes eleitores, considerados como sendo o “nucleo duro”, tende, com raras excepções, a renovar o voto no mesmo partido. Tanto é assim que, para além de uma franja flutuante do eleitorado, aquela que normalmente determina o resultado final, a maior parte daqueles que acusam o partido (ou partidos) do governo de não cumprir as promessas feitas é constituida por apoiantes e eleitores fieis aos partidos … concorrentes !… De resto, foi e tem sido assim em Portugal nestes ultimos anos. Mesmo “à direita”. Tirando talvez alguns liberais “radicais” mas que são uma minoria pouco representativa. Acresce que a maior parte dos eleitores do PSD desiludidos com o actual governo acusam-no antes de ter traido o programa da “social-democracia”, por ter ido longe demais no corte de despesas e investimentos publicos, por ter cortado nas pensões e subsidios, por ter cortado nas despesas com a saude e a educação, por ter uma agenda “neo-liberal” de desmantelamento do “Estado Social”, etc, etc. Ou seja, a parte mais significativa dos eleitores do PSD não se sente traida por promessas não cumpridas e a parte mais significativa daqueles que acusam o PSD de não cumprir promessas nunca votaram nem votariam pelo PSD, antes pelo contrario.
Mas eu vou ainda mais longe não concordando consigo quando diz que “[| é saudável e de louvar que partidos que cheguem ao poder recompensem o seu eleitorado com o cumprimento da sua parte.” Penso que quando se vota num partido para governar um pais, sobretudo quando se trata de um partido moderado e socialmente transversal, se espera também que os seus principais responsaveis e neo-governantes sejam pessoas responsáveis, moderadas, realistas, pragmaticas, pessoas que, sem perder de vista o essencial das orientações programaticas com que foram eleitos, sejam também capazes de levar em linha de conta as circunstancias do momento, a complexidade do pais, a existencia de diferentes sectores e interesses dificeis de compatibilizar, etc, etc, e não se limitem a aplicar de modo rigido e idéologico medidas concretas inicialmente inscritas no respectivo programa politico. No caso concreto do governo “PSD/CDS” a partir de 2011, mesmo que se admita a tese de que os respectivos programas eram à partida mais “exigentes”, a verdade é que o pais se encontrava então numa situação de emergencia, que a realidade se revelou ainda pior do que se pensava inicialmente, e que as expectativas e exigencias dos credores, a começar pela Troika, tinham de ser levadas em conta. Teria sido um enorme erro e uma grande irresponsabilidade se algum governo, fosse qual fosse, tivesse então tomado a iniciativa de desrespeitar os compromissos assumidos pelo Estado português e tivesse começado a aplicar à risca o seu programa, a cortar despesa e a baixar impostos sem perder tempo. Naturalmente que este critério também se aplica a partidos e a governos mais orientados à esquerda. Sendo eu um liberal “à direita”, é obvio que considero que qualquer governo de esquerda é mau. Mas alguns podem revelar-se melhores ou piores do que outros. A experiencia mostra que muitas vezes o determinante não são os posicionamentos e os programas eleitorais. Os menos maus são precisamente aqueles que se revelam mais pragmáticos e sensatos e que, mesmo ao revés de algumas das respectivas teses principais, são capazes de fazer algo de muito diferente. Sempre mau mas menos mau do que se poderia recear à partida. Na historia portuguesa contemporanea temos o famosissimo exemplo do socialista Mario Soares que, numa situação de crise nacional, meteu na gaveta … o socialismo !… Muito recentemente e ainda de actualidade, temos em França a já designada “hollandização” : um governo de esquerda que se propunha acabar com a austeridade e que, depois de algumas fogachadas iniciais, a agravou ainda mais. No que se refere à Grécia, julgo que a esperança pia de muitos de nós, incluindo o Ricardo lá bem no fundo, era a de que o Syriza no governo não cumprisse as promessas insensatas e irresponsaveis que fez anteriormente e acabasse por aceitar respeitar o essencial dos compromissos externos assumidos pela Grécia. Algo de muitissimo improvavel e dificil à partida, para mais tratando-se de um partido extremista, mas, nunca se sabe … Tudo indica que não vai ser o caso e é uma pena. Desde logo e sobretudo para os gregos mas também para a Europa e para todos nós. Neste pressuposto, até concordo com muito do que o Ricardo diz no seu post.
Peço desculpa por este comentário demasiado longo e maçudo, que provávelmente quase ninguém vai ler, mas o melhor é que é apenas uma versão resumida e incompleta do que gostaria de dizer a propósito !… 🙂
Uma boa altura, embora já muito tardia, para a Política voltar à Europa.
Mas ainda há quem apenas raciocine em termos de quem é que paga, quem deve, quando paga, a que juros paga, reestrutura ou renegoceia, quem sai, quem fica, e mais o défice e mais a banca e mais o nervosismo dos mercados e mais os credores e os devedores e mais o default e a inflação e deflação e as agências de rating, e mais a dívida privada e a pública e mais os think tanks e os wishful thinkings e mais o benchmarking e os empowerments e os entrepreneurs e mais todos aqueles estrangeirismos das sebentas universitárias das últimas décadas …tudo muito asséptico e liofilizado, com um intenso cheiro a fermol, que isto da política é coisa complicada e que dá 1 trabalhão…
Ainda a propósito das “promessas” do Syriza…
Para conseguir ganhar as eleições, este partido prometeu que com ele no governo a Grécia continuaria no Euro.
Acontece que, como o Ricardo G. Francisco e varios outros comentadores teem oportunamente observado, em 4 dias de governo o Syriza tem feito tudo para que a Grécia saia rápidamente do Euro !
F (Janeiro 30, 2015 às 17:15) :
“Uma boa altura, embora já muito tardia, para a Política voltar à Europa.”
“Politica” sem economia e sem numeros ?!… Já basta o que tivémos e ainda temos !!
O plano de saída do euro não será anunciado a uma segunda feira mas numa sexta ou sábado com os bancos já fechados e completamente encerrados não podendo haver fuga de capitais. A nova moeda estará disponível nessa segunda feira a seguir, e o New deal grego começa nessa terça com criação de moeda sem fim a criar a ilusāo de milagre económico. Veremos como a Europa reagirá quando perceber que a Grécia, as empresas gregas e as famílias gregas não vão pagar um cêntimo do que devem.
A Grécia faz frente á Europa não querendo pagar a dívida e faz frente á China parando com as privatizações acordadas. Resta lhe a Rússia, a Venezuela, e Cuba.
O futuro será o mesmo : prostituição barata e muita imigração
Jorge Gaspar,
“… e muita Emigração.” 🙂
Não sei se a saida do Euro vai ser numa segunda ou numa sexta mas concordo com o sentido geral do comentario.
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