Magna Carta: Os primeiros 800 anos

Artigo de Miguel Morgado no Observador

A Europa demorou muitos séculos a ver na Magna Carta um momento fundamental na longa história da tentativa de limitar o poder dos reis e de proteger juridicamente a esfera pessoal. Mas não a Inglaterra, onde a Magna Carta teve efeitos imediatos, e acabaria, vários séculos depois, às mãos de homens como Edward Coke e John Selden, por se converter num pilar central de uma cultura política que chegou a liderar o mundo.

Que a Magna Carta seria com pontualíssima frequência pisada e ignorada pelo poder político inglês, não resta a mínima duvida. Nem sequer vale a pena recordar que a constituição da igreja Anglicana no século XVI é uma flagrante violação do espírito e da letra da Carta e das suas múltiplas confirmações. Mas mesmo nos períodos mais amnésicos da história inglesa, a Carta nunca morreu. Foi sobrevivendo como uma vela acesa junto a janelas ventosas. Já nos períodos mais intensos de recuperação desta tradição, a Carta alimentou guerras civis, revoluções e finalmente a estabilização de um regime estável e poderoso – o regime saído da revolução de 1688, e que criou no século XIX o maior império do mundo. Com essa estabilidade e prosperidade – a que não seriam alheias os princípios da tradição que as sustentava –, a Inglaterra seria a inveja dos restantes países europeus, arrastados para uma perpétua montanha russa política, feita de reveses atrás de reveses para a causa do governo representativo e das liberdades. Até à chegada do século XX, na consciência inglesa e americana a Carta seria a peça demonstrativa de que sempre houvera um caminho diferente para a modernidade política daquele que fora escolhido pela revolução francesa – um caminho que, afinal de contas, se condenou a si mesmo ao fracasso.

Hoje, essa consciência é muito menos nítida. Talvez porque os problemas políticos e sociais se tornaram muito menos nítidos. Talvez porque a Carta e a tradição que fundou sejam vistas através de um vidro intelectual e cultural menos límpido. O aniversário que se irá comemorar em 2015 não constituirá um ponto de viragem para os próximos 800 anos da Carta. Mas poderá ajudar a clarificar as lições que os primeiros 800 trouxeram. Aos ingleses e aos outros

4 pensamentos sobre “Magna Carta: Os primeiros 800 anos

  1. Isto é capaz de ser apenas um ponto secundário, mas:

    “Até à chegada do século XX, na consciência inglesa e americana a Carta seria a peça demonstrativa de que sempre houvera um caminho diferente para a modernidade política daquele que fora escolhido pela revolução francesa”

    Não seria mais correto:

    “Até à chegada do século XX, na consciência inglesa e americana a Carta seria a peça demonstrativa de que sempre houvera um caminho diferente para a modernidade política daquele que fora escolhido pelo cardeal Mazarin”?

    É que essa conversa de contrapor a Magna Carta à Revolução Francesa parece esquecer que em França também houve uma revolta de uma aliança de nobres e de cidades autónomas contra o reforço do poder real – a diferença foi que, em vez de outurgar uma carta, o governo central esmagou a revolta.

  2. lucklucky

    Isso acabou, hoje a Inglaterra- e o mundo anglo-saxónico é cada vez mais fascista politicamente correcta.

  3. Ct

    Tem razão, Miguel Madeira. Por exemplo, em Inglaterra uma alteração ideológica da ortografia seria impossível. Em França foi tentada, mas rechaçada (a lingua francesa não é para rapaziadas) e em Portugal, país que de França tem o centralismo jdacobino e que nunca teve nem tem o “rule of law” é possível o poder político tentar impor a grafia de milhares de palavras por motivos ideológicos e de interesses políticos de outros estados. Estranho é que haja quem se preste a isto.

  4. Pingback: E se a liberdade depender de preconceitos? | O Insurgente

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