O pequeno artigo-remoque onde apontei as notórias diferenças entre a yield das obrigações a 10 anos de Portugal e da Grécia gerou algumas dúvidas interessantes, que de facto carecem de uma explicação mais pormenorizada. Começando pelo início.
Como funciona o mercado de dívida
Como em qualquer outro mercado, o preço das obrigações, dívida pública ou não, é sempre definido pelo encontro da oferta e da procura. A explicação torna-se mais simples exemplificando uma emissão de obrigações. Imaginemos que o IGCP decide fazer uma emissão de obrigações de dívida pública para financiar despesa do Estado. Para tal, é lançado no mercado um produto financeiro que custa, a título exemplificativo, 100€, e cuja maturidade é de 10 anos. Os 100€ são o face value, isto é, o valor que a obrigação custa no momento da sua emissão. No final desses 10 anos, o Estado compromete-se a pagar um prémio, ou coupon, sobre esses 100€. Por exemplo, 10€. Neste caso, no momento da conversão, isto é, quando a obrigação se extingue, a taxa de juro é 10/100=10%.
Como é que o Estado define a taxa de juro?
Olhando para o mercado secundário, que reflecte o actual equilíbrio entre oferta e procura. Mas o mercado secundário serve também para prover liquidez a quem adquiriu aqueles títulos. A não existência de um mercado secundário afastaria potenciais investidores, dado que se tornaria muito difícil dispor daquelas obrigações antes do fim da sua maturidade. Isto porque o obrigacionista pode decidir, por motivos diversos, vender as obrigações antes da sua maturidade. Ora, irá fazê-lo ao preço de mercado. Se a procura por obrigações de dívida pública entretanto decresceu, o preço terá baixado também. Imaginemos, por hipótese, que reduziu para 80€. Neste caso, o retorno da bond é a yield da obrigação, o coupon que o Estado se comprometeu a pagar mais a diferença para o face value que o obrigacionista irá receber no período da maturidade. Ou seja, 10/80, 12.5%, pelo que o retorno aumentou. No exemplo oposto, a procura pelas obrigações aumenta, sendo que aumenta também o preço da obrigação para 120€. Ao aumentar o preço, reduz-se o yield da obrigação, com 10/120 = 8.3%.
O que influencia a taxa de juro?
A yield decorre do preço de mercado, que por sua vez decorre da procura. O que influencia a procura? Não existe uma resposta exacta e objectiva, dado que os mercados e os agentes económicos que o compõem não são autómatos, mas pessoas. Existem várias teorias sobre o assunto, sendo que os factores mais relevantes são os seguintes:
- Custo de oportunidade. Ao investirmos numa determinada obrigação, estamos a prescindir de fazer outra coisa qualquer. Se os investidores não recebessem um premium por isso (o cupão), simplesmente não investiriam;
- Liquidez. Ou cedência de liquidez. Ao adquirir uma obrigação, o investidor cede dinheiro por um activo menos líquido, sendo que no exemplo dado abdica desse dinheiro por um período de 10 anos. Naturalmente que o investidor exigirá uma compensação por essa cedência de liquidez;
- Risco. Existe um risco óbvio da obrigação não ser paga, como aliás ficou bem patente após 2011. Caso ocorra um default ou apenas uma restruturação, com o Estado a reduzir unilateralmente o valor do cupão, o investidor perde dinheiro. Antecipando isto, existirá também uma compensação por esse risco. E o que pode precipitar um default? Orçamentos deficitários, que tornem o pagamento do serviço de dívida insustentável;
- Inflação (esperada). Se os investidores acreditarem que a inflação irá erodir o valor do seu dinheiro, então irão exigir uma taxa de juro superior que compense o efeito da desvalorização real do dinheiro. Aliás, é cada vez mais frequente as obrigações estarem indexadas à taxa de inflação, como é o caso das TIPS nos EUA;
- Riqueza. Se a riqueza aumenta, estando o consumo assegurado, mais investidores surgirão para rentabilizar as poupanças de que dispõem.
O que fez Draghi?
A intervenção de Mario Draghi foi importante ao garantir que o ponto 2. estava assegurado, isto é, o BCE iria sempre comprar as obrigações no mercado secundário. Essa intervenção teve um impacto notório, mas ao contrário do que foi apregoado por muita gente, nomeadamente os visados no artigo, não é apenas isso que influencia a taxa de juro. A prova disso é este gráfico, que mostra bem como as taxas de juro das obrigações de Portugal e da Grécia divergiram significativamente, embora ambas estejam abençoadas por uma putativa intervenção do BCE nos mercados secundários.
Portugal, que embora esteja longe de ter um orçamento exemplar, conseguiu finalmente um saldo primário (excluindo serviço de dívida), condição sine qua non para garantir que a dívida remanescente é paga. Isso sinaliza credibilidade, reduzindo, portanto, a percepção do risco. Coisa que a Grécia, o tal parceiro natural de Portugal num eixo euro-sulista, pelo menos segundo algumas vozes, tem tido alguma dificuldade em fazer.
Recordemos Vítor Gaspar
Vítor Gaspar deu uma autêntica lição aos tais que desconhecem como funcionam os mercados financeiros e a procura de obrigações, pelo que é sempre oportuno recordá-lo.
Que eu saiba, a Grécia também já tem um excedente primário no seu orçamento.
Independentemente disso, seria conveniente acrescentar ao gráfico as taxas de juros de outras obrigações – espanholas, italianas e irlandesas. Assim se veria de forma mais evidente que o “efeito Draghi” foi bem real.
Ainda não acabei de ler o artigo, mas sou incapaz de passar do funcionamento do mercado de dívida pública. Com excepção das obrigações de cupão zero, os cupões são pagos anualmente, ou seja no exemplo acima os €10 seriam pagos anualmente (até porque as taxas de juro são anuais) e ainda assim a yield seria de 10% para quem comprasse a obrigação a €100.
Anonymous, é irrelevante se o pagamento é anualizado ou não, o raciocínio mantém-se.
Luís Lavoura, que o efeito Draghi existiu, penso que deixei bem claro no artigo. Que esse não é o único efeito a influenciar a procura por obrigações de dívida pública, parece-me agora ainda mais claro.
O raciocínio mantém-se de tal forma que os disparates do parágrafo “Como é que o Estado define a taxa de juro?” retiram grande parte da credibilidade de um post com o qual até concordo genericamente. Faz-me lembrar um “tudologos” que temos a comentar na TV, que gosta de se aventurar sobre coisas que não domina.
Se não sabe (o que é bastante óbvio) fale em termos genéricos e não concretize com exemplos disparatados porque isso só lhe retira credibilidade.
São os dois centavos de quem trabalha com obrigações todos os dias há mais de 15 anos.
Anonymous, o exemplo dado é apenas ilustrativo. É óbvio que o valor do cupão pode variar anualmente, mas o importante era ilustrar a diferença entre o yield do cupão e o yield to maturity, a taxa de juro implícita até à maturidade. Se quer fazer alguma correcção, faça-a de forma objectiva, indicando exactamente o quê que está errado, em vez de atirar para o ar que o artigo contém disparates. Comentários genéricos desses, ainda por cima vindos de anónimos, terão um destino semelhante ao rating das bonds cujo risco de default é muito elevado.
A fórmula da YTM vem nos livros e não é particularmente difícil de aplicar.
Os resultados não são aqueles que o Mário descreve, porque para começo de conversa desconsidera o prazo remanescente até ao vencimento e o valor nominal. Dependendo do prazo remanescente (entre 10 anos e 1 ano), com preço de 80% a yield está no intervalo [13.81% ; 37.50%].
Como dizia o Guterres é apenas uma questão de fazer as contas.
Anonymous, agora percebi a confusão. Eu não queria calcular o YTM mas sim o retorno através da yield, daí o exemplo a um ano (comprou bond hoje, vende daqui a um ano). Incluir o cálculo do YTM com os juros reinvestidos só complicaria o artigo, não acrescentando nada em relação ao que realmente importa: o que afecta a procura por bonds.
Anonymous, substituí as referências à YTM pelo retorno da obrigação para dissipar essas questões, sem reinvestimentos dos juros da obrigação.
Mário Amorim Lopes,
Obrigado pela sua resposta.
Obrigado pela correção.
Ainda assim acho curiosa a sugestão implicita de que a confusão seja minha.
Por último assume que o preço de compra e de venda um ano depois são o mesmo, entendo o argumento por simplificação mas não quero deixar de partilhar uma das primeiras frases que ouvi quando comecei a trabalhar e que por exemplo os deputados da CPI ao BES não são conscientes: “Markets are not door numbers”. À partida pode parecer uma frase disparatada, mas quer dizer apenas que os preços nos mercados não são estáticos.
Eu não disse que a confusão era sua. Disse apenas que percebia de onde tinha surgido a confusão, e de facto foi porque eu queria apenas exemplificar o retorno de uma bond e não calcular o YTM, que apenas complicaria a explicação, e escrevi YTM. Na verdade, a confusão surgiu comigo. Quanto ao preço de compra e de venda serem o mesmo, naturalmente que não são, tanto que o YTM se calcula por tentativa-erro. Foi apenas uma simplificação dado que o importante do artigo era explicar o que afecta a procura por bonds. Obrigado pela sua correcção.
Apesar de Vitor Gaspar levar 10 minutos a dizer o que poderia ser dito em 3 ou 4, acho que o seu ritmo pausado acrescentou importância ao que disse, mimoseando também ele o calão socialista que dá pelo nome de Galamba, que no final parece protestar com um “não sou seu aluno”, se bem percebi a voz em fundo, antes do imperturbável Vitor Gaspar terminar. No lugar de Galamba, eu teria corado de vergonha… mas a falta de vergonha na cara sempre pareceu um requisito dos que lambiam avidamente o chão pisado pelo actual “prisioneiro 44”
Pingback: Afinal não era só o BCE | O Insurgente