A progressiva inaptidão de um famoso ou o medo de ser linchado

Em alguns espaços informativos e de comentário político – recordo-me em particular do Prós e Contras de ontem – vai-se ouvindo falar do perigo da “justiça espectáculo”. Curiosamente, ou não, este alerta é pronunciado pelos mesmos que se referem a uma “crise da democracia”. Parece-me que há aqui um mal entendido, mas a nebulosa utilização, ou invenção, de certos conceitos também não ajuda.

Se uma pessoa preza sobretudo a privacidade e a discrição, tem interesse em escolher uma casa mais isolada, com as desvantagens que essa decisão comporta; por exemplo, a desvantagem de estar mais desamparada em caso de emergências ou o risco de ser esquecida pelos amigos no dia-a-dia. Por outro lado, se determinada pessoa privilegiar o hábito de ser o centro das atenções, exibindo-se como figura de proa ou vedeta, tenderá a situar-se onde as luzes o alcancem permanentemente. Claro está, se as coisas começarem a correr em seu desfavor, continuará exposta num espaço de centralidade no espaço público. Todas as decisões têm um preço a pagar. Agora, apliquemos isto à democracia moderna – aquela em que nunca chegamos a conhecer com proximidade aqueles que nos representam. José Sócrates deverá ter uma eterna dívida de gratidão para com o mediatismo que deu visibilidade à sua esperteza, habilidade discursiva e ao efeito aglomerador do seu carisma entre a numerosa claque de fãs, em especial na juventude partidária, que fez despertar num dado momento político. A génese da “lufada de ar fresco” socrática remonta a anos em que eu ainda nem tinha idade para votar; ainda assim, é precisamente nessa condição inexperiente que posso testemunhar, de diferente prisma, a irracionalidade que envolve a entronização de figuras políticas em democracia, por ter visto tantos da minha geração, rendidos na defesa de um líder político que mal percebiam e ainda pouco conheciam (aqui ainda temos a atenuante da tenra idade mas há quem continue a fazer a mesma figura aos 40 anos). A democracia e a massificação de opiniões sobrevive disto; de um deslumbramento que não se apercebe da sua falta de conhecimentos e de fundamentos racionais. Assim, defende-se a ilusão de que todos gozam de autonomia, racionalidade e igual capacidade de emitir opiniões informadas, livres de paixões.

Quem precisa de sustentar esta ilusão para ser eleito, está bem ciente da forma como ela funciona. E também deveria perceber que, onde existem simpatias desregradas, também há legítimo espaço para o outro lado da moeda: ódios desregrados, tanto da parte daqueles que nunca nutriram simpatia pela figura em causa, como por aqueles que reverteram a simpatia em antipatia, ao sentirem-se desapontados ou atraiçoados.

Ninguém precisa de temer que a justiça ceda ao espectáculo porque, seguramente, isso não irá suceder. Há uma hora e um espaço para tudo. Talvez por saberem que isso não vai suceder é que insistem em confundir aquilo que é do âmbito da justiça com aquilo que é do âmbito da sociedade civil ou do âmbito do jornalismo, visto que o julgamento informal por parte dos portugueses está a deixar muitas figuras numa vivência confrangedora e desprovida de melhores argumentos. Vão ter que se habituar … aquele que vive pela espada, pela espada morrerá.

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3 pensamentos sobre “A progressiva inaptidão de um famoso ou o medo de ser linchado

  1. tina

    Daniela, esta conversa toda sobre o mediatismo foi a única forma que os socialistas e simpatizantes encontraram para criticar a situação. No passado, o PS defendia os seus criminosos com teorias de cabala, ou jurando pela sua honra. Como não é possível neste caso, pois os crimes são demasiado óbvios, recorrem à conversa do mediatismo. Com esta conversa, como sucedeu ontem com Miguel Sousa tavares na SICN, quem acaba por surgir como os maus da história são os juízes enquanto Sócrates não passa de uma vítima. Os comentadores moralistas como MST, etc. são os que menos princípios têm.

  2. JP

    Sobre o que MST disse não vale a pena sequer comentar. Já o que fez foi simples: liquidar completamente e sistematicamente a mais natural linha de raciocínio que Pacheco Pereira estava a seguir. Conseguiu, com Clara Ferreira Alves, perante a tentativa de discussão do óbvio, fazer descambar uma discussão sobre corrupção de Estado ao nível governamental numa discussãozinha miserável que não resulta mais do que no ocultar da gravidade extrema do caso. Este é o género de pessoas que ridicularizaram o caso das escutas de Belém, e que na altura não só o fizeram como não tiveram o mínimo interesse jornalístico em indagar. Nem na altura nem hoje, tão ocupados que andam com a medalha que não deram ao homem. É assim que os países africanos com fortunas naturais debaixo da terra chegam como chegaram à miséria das suas populações. Isto sempre esteve podre, só que agora já não dá para disfarçar.

    Não percebo é como o Pacheco Pereira se foi meter ali.

  3. tina

    JP,

    MST era amigo de Sócrates, defendeu-o em inúmeros ocasiões, em comum têm os dois uma tremenda falta de princípios. Pacheco Pereira não se esforçou muito na batalha, porque está obcecado contra o presente governo e tudo o que quer é que esta perca as próximas eleições, por isso não convém deixar o PS muito mal visto. O Teixeira diretor da SICN sabe tudo isso muito bem e assim escolheu os intervenientes. É incrível a falta de princípios de pessoas em posições de destaque em Portugal.

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