A arte de roubar, a crónica de Alberto Gonçalves no DM.
Não era necessária, mas a prova definitiva de que o Governo é tudo, tudo, tudo excepto liberal foi transmitida em horário nobre pela RTP, durante as duas horas do último Prós e Contras. O tema era a Lei da Cópia Privada, que taxa, a pretexto dos direitos de autor, as geringonças electrónicas capazes de guardar música, filmes ou livros mesmo que os compradores das geringonças não guardem lá música, filmes ou livros nenhuns.
Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura, começou logo por avisar que o assunto “não é de fácil compreensão para o grande público”, por azar o exacto público que vai pagar o imposto que, segundo o professor Xavier, não é um imposto. Ao lado do professor Xavier, um senhor da SPA explicou que os autores é que são os verdadeiros aliados dos consumidores, os tais que pagam o imposto que não é imposto. De facto, isto não se compreende à primeira.
Para complicar, a plateia estava repleta de “artistas” e afins. Entre os afins, o filho de David Mourão-Ferreira, colérico, informou a ralé que o imposto visa punir um “roubo”. Esqueceu-se de dizer que se trata de um roubo presumido. A ideia da lei em causa é justamente a presunção de que o comprador de um iPhone se prepara para piratear obras avulsas. E o apogeu cómico é presumir que as obras são a dos “artistas” presentes no Prós e Contras: Carlos Alberto Moniz, Tozé Brito, Paulo de Carvalho, o rapaz dos Delfins, dois Vitorinos (o alentejano e o maestro da bengala), etc. A certa altura do debate, uma opositora da lei, Maria João Nogueira, perguntou porque é que os autores não taxavam os produtos que vendem. O intérprete de Dai-li, Dai–li-dou não soube responder. Mas toda a gente sabe: porque não vendem nada, ou quase nada.
E aqui reside o problema dos “artistas”, sobretudo musicais, cuja arte é a de extorquir o que ninguém patrocinaria de livre vontade. O processo normal é o do financiamento estatal. Dado que agora as autarquias encomendam menos farras, conforme de resto foi lembrado no programa, a alternativa ao subsídio de redundâncias passa por cair em cima da “indústria”. O bom povo, com fama de ladrão e proveito de roubado, lixa-se sempre.
Quanto aos “artistas” e aos burocratas redundantes que gerem os direitos dos “artistas”, não podem, por motivos que escapam ao mortal comum, lixar-se. Custe o que custar. Graças à lei aprovada pela maioria na sexta-feira custa-nos uns euros em numerário e uma fortuna em vergonha. No final do Prós e Contras, Vitorino cantou a cappella e o secretário da Cultura viu-se assaz aplaudido. Em Portugal, taxar o liberalismo renderia zero.
Só espero que muitos mais façam como eu: já não sou militante do PSD (desde ontem) e não mais votarei no “mal menor”. Se o “mal menor” é o PSD então prefiro votar nulo.
Eu vou votar em ruicarmo, esse paladino das liberdades individuais e colectivas.