O “problema” dos capitães de Abril

Por esta hora deve estar a iniciar-se a comemoração “alternativa” dos quarenta anos do Revolução dos Cravos, organizada pela Associação 25 de Abril, em resposta à negação deste órgão não-eleito discursar no Parlamento. Diz o seu presidente, Vasco Lourenço, que «Só à volta dos valores de Abril é possível ultrapassar e reverter esta crise em que estamos envolvidos».

SalgueiroMaiaO principal homenageado nesta data é, julgo, o “capitão de Abril” que mais jus fez a tais valores: Salgueiro Maia. Para este militar o único objectivo no dia 25 de Abril de 1974 foi derrubar um regime opressivo e não – como era intuito de outros “capitães” – impor aos portugueses um modelo alternativo de governo.

A Associação 25 de Abril não gosta do rumo que o Estado tomou? Eu certamente – apesar de por diferentes razões – também não! Mas querer impor uma pauta ideológica diferente da tomada pela maioria dos eleitores torna-os quase tão opressivos quanto o regime que, quatro décadas atrás, pretenderam eliminar. Por outras palavras, o problema deles é quererem ter um papel na gestão do país que os eleitores claramente não lhes atribuíram.

Salgueiro Maia limitou a sua intervenção à verdadeira missão de um militar: defesa da liberdade dos cidadãos. Depois da Revolução dos Cravos regressou ao quartel e deixou aos eleitores (e seus representantes) a decisão sobre a forma de governação do Estado. Os restantes “capitães de Abril” teriam feito bem emular tal comportamento.

Para finalizar cito as palavras de Salgueiro Maia aos seus colegas de armas da Escola Prática de Cavalaria, na madrugada de 25 de Abril de 1974:

Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!

22 pensamentos sobre “O “problema” dos capitães de Abril

  1. k.

    .. e foi recusado a este homem uma pensão por serviços prestados à Pátria pelo actual presidente da República.

    Curiosamente, o mesmo presidente da República que concedeu uma pensão por serviços prestados a dois agentes da PIDE.

    É este o Estado a que chegámos.

  2. FGCosta

    Vi há pouco Mario Soares a cantar o hino com Otelo, vi uma série de indivíduos todos mais ou menos adeptos de sistemas políticos repressivos assumirem-se como donos da verdade a dizer que a liberdade e democracia são corporizadas apenas por aquilo que eles defendem, ignorando que isso sempre foi uma escolha minoritária dos portugueses. Vi uma comunicação social, no dia em que se alegadamente se celebra a liberdade, fazer reportagens militantes.
    Vi uma série de apelos ao ódio, vi ódio, vi fanatismo, vi ingenuidade, vi ignorância, vi política baixa. Vi, com a digna exceção de Eanes, apenas discursos formatados pela conveniência político-ideológica de cada um.
    Um 25 de Abril como os outros, portanto. Curiosamente o único dia do ano em que, em nome da liberdade e democracia, os valores e escolhas de uma maioria dos portugueses são formalmente insultados. Um dia que celebra valores que deveriam unir, mas que é o clímax do divisionismo entre portugueses. O único dia do ano em que sinto falta de liberdade, em que só há democracia e só é democrata quem estiver de um lado, o único dia em que me sinto marginalizado como português.
    Pegando nos slogans do dia, falta fazer o 25 de Abril do 25 de Abril.

  3. Pingback: O “problema” dos capitães de Abril (2) | O Insurgente

  4. Carmo Pais

    Eu não vi o Mário a cantar com o Otelo, fiquei-me a observar pela TV um local mal frequentado, repleto de cravos…e pensei no que é que esta gente é diferente de 1926? os deputados com e sem cravos são eleitos pelos chefes partidários e não pelo eleitorado, que se limita a votar na lista do partido. Na Constituição de 1933 Salazar nomeva o Presidente da Républica, na Constituição de 1976 o deputado é designado pelo chefe do partido, Salazar não obedecia a Belém, agora S. Bento não obedece aos deputados, na verdade ele é o seu criador. Tudo legitimidades ficticias e indevidas. Esta gente é eleita, pela minoria que vota, que cada vez será mais minoria, e representam a população? o povo esteve no Largo do Carmo, tenderá a estar cada vez mais até á mudança deste regime…não se enganem, isto vai acabar mal.

  5. Um “herói” morto é sempre muito conveniente. Porém a questão reside em saber de que lado estaria ele se a morte o não tivesse levado. Deixemos-nos de tretas…

  6. rmg

    Carmo Pais

    Só fala em “povo” quem se sente acima dele e o considera uma massa uniforme , eu prefiro falar em pessoas cada uma com a sua personalidade , as suas ideias , as suas ambições .

    Alguém proíbe as pessoas de votar ?
    As eleições são viciadas ?
    Por mau que isto seja é melhor um grupo de conhecidos eleger um amigo comum ?
    E será que as pessoas vão eleger gente que lhe agrada a si ou não , dadas as tendências actuais nos eleitorados europeus (a começar pelos escandinavos) e o que os inquéritos nacionais começam a tímidamente a mostrar ?

    Isto vai acabar mal como (dado que os porquês há muitos , cada pessoa tem o seu , eu também tenho) ?
    Estamos no mundo e na Europa de 1974 , isolados do exterior e a incomodar tudo e todos ou num mundo e numa Europa onde já ninguém está isolado nem na casa de banho ?

    Pode bater-me à vontade , faz hoje 40 anos ainda andava aí com os meus galões de alferes (há provas …) e não sei onde estavam tantos que agora escrevem baboseiras na blogosfera , se é que já tinham nascido (não digo que seja o seu caso) .

  7. Pedro Oliveira

    O Sr. Carmo Pais devia informar-se melhor. Pela Constituição de 33 o Presidente da República era eleito por sufrágio universal (tal como este era entendido nessa Constituição). Esta regra foi mudada depois das eleições presidenciais de 1958, quando o presidente da República passou a ser eleito pela Câmara dos Deputados. Mas apenas Américo Tomás foi eleito desta forma.

    E Salazar teve sempre muito cuidado com Belém, pelo menos enquanto o Marechal Carmona foi vivo…

  8. Fernando S

    O que é intolerável é que uma parte significativa da esquerda militante, incluindo a mais “centrista”, se queira apropriar do simbolismo do “25 de Abril” e utilizá-lo como critério de legitimação ou deslegitimação no confronto democrático sobre as politicas da governação corrente.
    O “25 de Abril” não pertence a uns mais do que a outros. Na verdade, sendo um simbolo de liberdade e democracia, não pode nem deve pertencer a quem quer que seja nem deve excluir quem quer que seja.
    O golpe militar de 25 de Abril de 1974 foi feito por muita gente, de “esquerda” como de “direita”, com diferentes motivações e objectivos.
    O máximo denominador comum, o elemento mais importante e mais consensual, foi o derrube de uma ditadura politica e, consequentemente, a criação das condições para a sua substituição por uma democracia politica pluralista e representativa.
    Nem todos os protagonistas do “25 de Abril” se mantiveram fieis a este objectivo.
    Alguns procuraram aproveitar a situação para instaurar um novo regime autoritário e totalitário, de tipo comunista. No fim de contas, desejavam substituir uma ditadura por algo de muito pior. Estes, mesmo tendo tido um papel operacional no golpe militar que derrubou o regime anterior, tinham uma agenda muito diferente. No fim de contas, deveriam antes celebrar o “11 de Março”, que foi um momento em que o objectivo inicial de instauração de uma democracia politica de tipo ocidental foi suplantado por um projecto de imposição pela força de um regime de tipo comunista.
    Mas não são os unicos.
    Muitos dos que agora invocam o “25 de Abril” fazem-no contra um dos principios básicos e fundamentais de uma democracia politica : o de que quem ganha as eleições tem legitimidade para governar.
    O “25 de Abril” não pode ser reduzido a um projecto de sociedade de tipo “socialista”, excluindo à partida a possibilidade de outras politicas.
    O “25 de Abril” também não deve ser associado às politicas que foram sendo aplicadas nas 4 décadas que se seguiram, a nenhuma delas, obviamente àquelas que numa primeira fase visaram a destruição da liberdade e da democracia, e nem sequer àquelas que por 3 vezes levaram o pais à bancarrota.
    O “25 de Abril” pode e deve ser comemorado apenas como um simbolo da instauração da liberdade e da democracia politicas.
    Tudo o mais é perfeitamente abusivo e é factor de uma indesejável e nefasta divisão dos portugueses.

  9. Carmo Pais

    Caro mg, respeito a sua opinião. Mas um mar nos divide em relação á fé que possuimos nas “democracias”. Este sistema político não tem funcionado bem. Com esta democracia instalaram-se a estagnação, a emigração, o desemprego, a pobreza, e o desespero. Os partidos preferem o regime que existe, mas já nos levaram para a cauda da Europa. Não questiono a Democracia, interrogo-me sobre a qualidade desta democracia e dos partidos que temos face á realidade do país, com as falhas e fraquezas da extinta em 28 de Maio. Temos deputados tachistas e obedientes e a sociedade já percebeu a irrelevância politica dos deputados com este sistema de escolha. Quando estes estão ali a fazer biscates e a defesa de interesses exteriores á politica. Dentro de pouco tempo seremos os mais atrasados da Europa, ultrapassados até por aqueles que saíram do Centralismo democrático e da opressão politica. Por isso apesar de tudo não questiono quem foi ao Largo do Carmo, acredito que ali não estão só perigosos anti-fascistas, mas muita gente inogânicamente sem partido. Ainda bem que era Oficial subalterno em 25 de Abril de 1974. Estranho no entanto que não obstante ter executado funções nessa escola de virtudes que é a Instituição Militar, não o preocupe a defesa da Pátria. Só mais uma coisa, quem como eu e outros, não fugiu cheio de medo, para aparecer depois no 25 de Abril a armar-se em libertador, quem como eu lutou pela Pátria ao canhão de um ALLIII, pouco se importa com os que dizem babozeiras na blogoesfera. Mas até as pessoas como eu têm direito a perceber que isto vai acabar mal, outra vez. Bom feriado.

  10. Fernando S

    Carmo Pais,
    A democracia não é responsável pelos problemas que temos hoje. São as politicas que foram sendo seguidas por sucessivos e diferentes governos.
    Sem democracia não estariamos necessáriamente melhor. Duvido mesmo que estivéssemos. A liberdade de expressão e o pluralismo partidário são um bem em si, independentemente da maior ou menor eficácia em termos da governação de um pais. A democracia permite certamente um maior controle da actuação dos governantes pelos cidadãos e, através da possivel alternancia, estimula a concorrencia entre os partidos no sentido de serem seguidas as politicas mais favoráveis. No fim de contas, ao longo dos ultimos 40 anos, através da democracia, os portugueses tiveram os governantes e as politicas que preferiram. Nada nos garante que com uma ditadura os governantes tivesses seguido politicas mais virtuosas e mais conformes com a vontage e os interesses dos portugueses.
    Também não é verdade que estivéssemos melhor antes de 1974.
    Tirando o desemprego, que aumentou sobretudo nos ultimos 15 anos, a maior parte dos outros indicadores de bem-estar eram então menos bons : menor rendimento per capita, mais pobreza, mais população emigrada, pior saude, etc.
    O problema principal não é o do regime politico democrático. Este é naturalmente imperfeito e pode e deve ser melhorado. Sobretudo ao nivel da Constituição.
    O problema principal é o das politicas publicas que, consoante os casos, contribuem mais ou menos para que o nosso pais tenha uma economia mais equilibrada, mais eficiente e mais justa.
    O problema de fundo é mesmo o das escolhas dos portugueses.

  11. rmg

    Carmo Pais

    Respeitei a sua opinião e até gostei de o ler até ao momento do texto em que faz juízos de valor sobre o que lhe convém achar que são as minhas preocupações em relação à defesa da Pátria .

    Como acho esse tipo de atitudes indignas de alguém responsável (e até graves neste particular , para não ír mais longe) vai ter que ficar com elas de volta , devolvo-lhas inteirinhas pois tem tanto direito de me dizer isso como eu de lho dizer a si , já que acha que só a sua maneira de defender a Pátria é que está certa .
    Foi contra os que pensavam como o meu caro , ainda que porventura de outros quadrantes , que muitos fizeram o 25 de Abril , lembra-se? .

    É que permito-me lembrar-lhe que não foram só os militares naquele dia , foi muita gente antes deles que lutou e sofreu .

    Eu não fiz um único juízo de valor em relação a si e até tive o cuidado de o focar no último parentesis do meu comentário .
    E nunca por nunca insinuei sequer que o Carmo Pais fôsse alguém que não tivesse tanto direito como eu a perceber isto ou aquilo .

    Assim não só não respondeu a nenhuma das minhas questões , resolvendo entrar pela conversa “chapa 3” e voltar contra mim questões genéricas postas no post que eu não abordei , como ainda acaba a pôr-se na posição do “coitadinho” que até tem “direito a perceber que isto vai acabar mal” , até parece que alguém lho negou .

    Ser oficial “subalterno” , isso é mauzote ?
    A partir de que posto é que se era oficial a sério ?
    Mas como o Carmo Pais até me fez a vontade e bateu , está tudo bem .

    Acho que perdemos os dois uma bela oportunidade de ír tratar de assuntos mais interessantes .

    Pela minha parte até lhe desejo um bom resto de vida

    PS – Imagine que até numa altura que só 4 em cada 5 faziam o SMO os meus 2 filhos mais velhos (agora com mais de 40 anos , portanto não é história recente) não só o fizeram como estiveram lá o tempo máximo a meu conselho exactamente porque achava (e acho) que só lhes fazia bem (e fez) .
    Era curioso saber se passou por algo similar mas escusa de responder .

  12. “Sr ou Srª. BZ, que idade tinha em 1974?”

    Qual a relevância para o que escrevi?
    PS: fez-me lembrar a célebre pergunta de Baptista Bastos sobre “onde estava você no 25 de Abril?” 😀

  13. Ricardo Pires

    BZ, baza que tu nao tesn estaleca para isto. Os apelos para que um governo caia sao comuns em muitas democracias saudáveis. A democracia nao se esgota nas urnas companheiro. Se fores a ver bem, quem anda a impor as coisas é o proprio governo, as tentativas da violacao da constituicao, o descrepancias entre o programa eleitoral e aquele que está a ser aplicado. Ja te perguntaste da legitimidade de um governo candidatar-se com um programa e aplicar outro? Nao será por isso lícito pedir-se para que o governo caia? Será isso necessariamente sinónimo de se querer “impor uma pauta ideológica”?. A imposicao em democracia vem por via de um golpe de estado, nao por via do discurso, vem por via de tentativa de violacao da constituicao coisa que este governo se tem *pautado*. Estás no teu direito de nao gostar de quem fala e de dizeres o que pensas, aproveita bem a democracia antes que o Mário Soares, o Vasco Goncalves, os restantes membros da A25A e todos os milhoes de Portugueses insatisfeitos com o governo ta tirem! Cumprimentos!

  14. Fernando S

    Ricardo Pires,
    Este governo não violou a Constituição. Todas as decisões do Tribunal Constitucional foram aplicadas.
    Nas “democracias saudáveis”, onde há instituições que dão substancia ao principio da separação de poderes, o que é normal é que cada instituição faça a sua parte, a mais não sendo obrigada. É “comum” as instituições de fiscalização da constitucionalidade pronunciarem-se a desfavor de propostas do executivo.
    É verdade que “a democracia não se esgota nas urnas”. Mas ainda mais verdade é que a democracia não se faz sem as urnas.
    Numa “democracia saudável” é frequente que as oposições “apelem” para que um governo “caia”. Mas apenas de acordo com as regras e procedimentos previstos na Constituição.
    O governo actual tem uma maioria no Parlamento e a confiança institucional do Presidente da Républica. Nada na actual Constituição justificaria sequer uma decidão excepcional do Presidente da Républica no sentido de demitir um governo com uma confortável maioria no Parlamento. O que a Constituição prevê é que tal pode acontecer apenas se estiver em risco o regular funcionamento das instituições democráticas. Não é manifestamente o caso. Nem sequer a falta de confiança politica é justificação para que o PR demita um governo maioritário.
    O governo actual tem por isso toda a legitimidade democrática para governar até ao fim da legislatura.
    O que não é democrático, ainda menos “saudável”, são os apelos para que o governo seja demitido pela força (“à paulada”, dizem alguns). O que são estes apelos senão intimidações e incitações em vista de um “golpe de estado” ?… Um “novo 25 de Abril”, dizem sempre os mesmos. O que é em si um contra-senso porque o “25 de Abril” simboliza o inicio da democracia e não o seu fim.
    De resto, o “discurso” do Ricardo Pires é desajeitadamente hipócrita, “gato escondido com rabo de fora”. Dando lições de “democracia saudável” e de respeito pela Constituição, acaba precisamente com uma frase final que é uma descarada apologia do fim da democracia e do não respeito pela actual Constituição.

  15. «Um “herói” morto é sempre muito conveniente. Porém a questão reside em saber de que lado estaria ele se a morte o não tivesse levado. Deixemos-nos de tretas…»

    A autobiografia de Salgueiro maia alude às perseguições que sobre ele zurziram depois do 25 de Abril por parte de grupos da extrema-esquerda e do Partido Comunista.

  16. Fernando S.,

    «A liberdade de expressão e o pluralismo partidário são um bem em si»

    O pluralismo é um bem em si. O pluralismo partidário é em si mesmo uma limitação ao pluralismo.

    «Tirando o desemprego, que aumentou sobretudo nos ultimos 15 anos, a maior parte dos outros indicadores de bem-estar eram então menos bons : menor rendimento per capita, mais pobreza, mais população emigrada, pior saude, etc.»

    O Carlos Guimarães Pinto fez uns gráficos exemplares há uns dias atrás. A democracia abrileira não inverteu nem acelerou a natural evolução que desde os anos 50 se tinha verificado em Portugal.

    «Nas “democracias saudáveis”, onde há instituições que dão substancia ao principio da separação de poderes, o que é normal é que cada instituição faça a sua parte, a mais não sendo obrigada. É “comum” as instituições de fiscalização da constitucionalidade pronunciarem-se a desfavor de propostas do executivo.»

    Isso é a definição de República. Reparando que sou democrata, até que melhor regime possa ser concebido, a democracia e a vontade da maioria do povo têm de ser refreadas por preceitos constitucionais que protejam o cabrito de ser comido por dois lobos. A democracia não se expressa nas urnas porque os partidos políticos actuais a capturaram e a moldam a seu intento. Ou antes, os que capturaram os partidos políticos moldam a democracia que temos para servir os seus próprios interesses.

    Estamos incomensuravelmente melhor hoje, com liberdade de expressão e de opinião, que estivemos em qualquer ponto da nossa história. Estamos infelizmente com uma carga aos ombros, corrigindo erros económico-financeiros do passado recente, e não me parece que essa canga se vá aligeirar nos tempos próximos.

    Apesar disto, tenho a impressão de que o governo presente, em modo de irresponsabilidade eleitoral, irá retomar em breve o regabofe guterrista e dizer às pessoas «consumam, consumam, que isso vos fará felizes e contentes, e não haverá amanhã!» Deitará tudo a perder.

  17. Fernando S

    Francisco,

    Muitos assuntos que dariam pano para mangas… 🙂
    Rápidamente …

    Não conheço nenhum pluralismo politico ao nivel de um pais sem partidos. A liberdade inclui a de cidadãos se organizarem em partidos. A partir daqui podem-se naturalmente discutir diferentes possibilidades de organização institucional da democracia, incluindo os sistemas eleitorais. A experiencia historica mostra que há diferentes soluções e que nenhuma é perfeita. O que é certo é que nenhuma seria viável e minimamente eficiente sem que os partidos tivessem um papel central.
    A democracia directa, sem partidos, foi dempre algo de muito efémero, temporário, em processos insurreccionais e revolucionários. Os partidos ou facções existem já ou organizam-se quase imediatamente. O que acontece é que uma das facções se impõe, neutraliza as outras pela força e pela violencia. Acaba-se o “directo” e o resultado é tudo menos “democracia”. Do meu ponto de vista, uma democracia relativamente “liberal” não é compativel com as revoluções e a suposta “democracia directa” que parece existir em certos momentos. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu durante a “revolução francesa”. Veja-se inclusivamente o que aconteceu em Portugal a seguir ao “25 de Abril”, durante o PREC, com as diferentes “comissões”, “comités”, “assembleias”, etc. Foi preciso o “25 de Novembro” para assegurar a democracia representativa, centrada nos partidos. No fim de contas, é preferivel que os partidos existam à luz do dia e intervenham na vida politica de acordo com regras constitucionalmente estabelecidas.

    Quanto à comparação dos indicadores antes e depois de 1974, eu não disse nada de diferente do que mostram os gráficos do CGP : existiu continuidade, sem “inversão” nem acelaração”, na evolução antes e depois.

    Quanto à qualidade da “democracia” actualmente existente em Portugal, em particular no que se refere à arquitectura institucional prevista na actual Constituição (deixemos aqui de lado o resto), posso reconhecer que existem imperfeições e possibilidades de melhorias. Mas parece-me errado questionar o essencial e dizer que os partidos impedem a “manifestação” da democracia. Com esta posição o Francisco, mesmo sem querer, acaba por reconhecer alguma justificação àqueles que consideram que o actual governo não é legitimo e deveria ser deposto por qualquer meio.

    Se percebi bem, concordo com algumas das coisas que diz nos dois ultimos parágrafos do seu comentário.
    Estamos hoje numa situação dificil, desde logo no plano economico e financeiro, por causa de todo um conjunto de erros de politica economica do passado, pelo menos até 2011, ano do inicio da aplicação do programa da Troika.
    Desde então a situação melhorou em alguns aspectos : o pais escapou à bancarrota imediata, o financiamento é agora menos problemático, a economia recomeçou a crescer em condições mais equilibradas e sustentáveis.
    Mesmo assim, é ainda manifestamente insuficiente, está muito por fazer, deveriamos continuar a fazer reformas e com alguma austeridade durante ainda algum tempo. Não sei exactamente por quanto tempo, até porque dependerá do que vier a acontecer, mas não será tão pouco quanto alguns imaginam ou desejam.
    Concordo que o actual governo não deveria ceder às tentações despesistas e facilitistas habituais em vésperas de eleições voltando a cometer os erros do passado. De resto, nem sequer é certo que, a acontecer, isso lhe permitisse ganhar os proximos desafios eleitorais.
    Vamos ver…

  18. Fernando,

    A democracia directa sem partidos existiu durante séculos nos sistemas saxónicos. Mas econheço-a impraticável na totalidade no dia presente, em sociedades incomensuravelmente mais complexas.

    Eu não sou contra partidos ou contra os partidos, ou contra alguns partidos. Mas reconheço que TODOS os actuais partidos foram capturados por aves raras como intelecto de um burro e a fineza de uma raposa, controlados (manietados até) pelo cacau de pessoas com a inteligência de serpentes e o carácter a condizer. Nisto aproximo-me do Fernando Ferreira, sem contudo cair na estultícia de recusar qualquer forma de governo.

    O governo é como sal na comida. Sem sal algum teremos deficiência de sódio. Sentir-nos-emos cansados e incapazes de foco intelectual. Teremos muita dificuldade em controlar os músculos, e dores musculares persistentes. Sal a mais, problema muito actual, provoca as doenças que conhecemos nos tempos modernos, onde uma pessoa normal come mais do dobro dos 5 gramas de sal que cada um deve tomar para funcionar correctamente.

    E tal como sal a mais, temos governo a mais. A má notícia é que podemos eliminar o sal em excesso da alimentação pela simples decisão individual, enquanto o governo impõe-se-nos pela força.

    Não me importo com partidos, nem que estes existam Acho até muito bem. Sou contra listas partidárias, o que é uma coisa particularmente diferente. Sou por círculos uninominais, tout court. Nada impede que os indivíduos que se candidatem nestes círculos pertençam a partidos ou cooperem com partidos ou sejam apoiados por partidos.

  19. Fernando S

    Francisco,
    Não vejo essa “democracia directa” dos “sistemas saxónicos” de que fala. Mas não sou um especialista. Quando muito, existiram certas formas em “pequenas” sociedades relativamente primitivas (nas saxónicas e noutras). Mas, fosse o que fosse, e como o Francisco também reconhece, desde há muito que estas formas não se aplicam às nossas sociedades.
    Quanto ao sistema eleitoral que propõe. Existem efectivamente paises com “circulos uninominais”, mais ou menos “tout court”. Teem vantagens e inconvenientes. Por sinal não evitam grande parte dos males que são imputados aos partidos (veja-se o Reino Unido). Não vou agora entrar por aqui, não me parece o mais importante. Pelo que percebi, o que parece ser mais especifico da sua proposta é a ideia de que uma maioria qualificada de eleitores de um determinado circulo poderia destituir o seu representante e eleger um outro … em qualquer altura, sem prazos eleitorais. É esta possibilidade que me faz dizer que o seu sistema se aproxima de alguns aspectos da democracia directa. Não creio que exista em lado nenhum, pelo menos ao nivel dos Parlamentos nacionais. Sobretudo, como já tive a ocasião de lhe dizer noutros comentários, esta “precaridade” do representante tornaria o sistema politico extremamente instável e, consequentemente, ineficiente. Por alguma razão a democracia representativa, com formas que foram sento experimentadas e evoluindo ao longo de séculos, preve multiplas mediações, incluindo prazos a serem respeitados em qualquer circunstancia. O que o Francisco defende é uma espécie de representatividade instantania ou sondagistica.
    Huuuumm !… Apetece-me dizer que … o “óptimo” é muitas vezes inimigo do viável e do razoável !

  20. Fernando S

    Um dos problemas nas nossas democracias é precisamente a tentação dos politicos e governantes de procurarem satisfazer os interesses e reivindicações imediatas de diferentes categorias de cidadãos, pensando em particular em ganhar eleições, deixando para segundo plano a necessidade de ter uma orientação de mais longo prazo. Ninguém quer ser “impopular”.
    Parece-me que o seu sistema agravaria ainda mais esta tendencia. Pior a emenda do que o soneto !

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