Esgotado até à exaustão o clamor da “espiral recessiva”, o novo arremesso é agora o do “empobrecimento do país“. A questão é, uma vez mais, abordada com a ligeireza que o discurso vago, demagogo e populista assim exige.
Para desmontar o argumento, façamos um pequeno exercício. Desconte-se a taxa de crescimento do endividamento externo líquido à taxa de crescimento do Produto Interno Bruto. Coincidentemente, o valor base da dívida externa em 1998 é muito próximo do valor base para o PIB em 1997 (DEL = 100.062 M€, PIB 101.146M€ a preços correntes), pelo que permite efectuar esta comparação directa. Admitindo que a maior parte do endividamento externo líquido é imediatamente injectado na economia doméstica (e não utilizado para arbitragem ou outras operações financeiras) sob a forma de consumo ou investimento, então é fácil perceber que uma parte muita significativa do crescimento económico dos últimos anos foi ilusória, apenas resultante do endividamento.
É fácil perceber porque assim o é. Quando nos endividamos e compramos uma casa, a nossa riqueza líquida continua exactamente igual. No activo entra um imóvel, no passivo entra um empréstimo e o balanço mantém-se inalterado. Embora, aparentemente, tenhamos mais, é puramente ilusório. Ao valor do imóvel desconta o pagamento do capital e dos juros, pelo que, excepto se o bem tiver tido um uso produtivo, a nossa riqueza é igual à do ponto de partida.
Assim sendo, não é sério falar de “empobrecimento do país” quando Portugal nunca foi, afinal, detentor da riqueza. Excepto, claro está, se tal endividamento tivesse uma produtividade marginal elevada. O que, olhando para as auto-estradas que arruinam a paisagem do país, não parece ser propriamente o caso.
O pior é se essa riqueza líquida for gasta na importação de de consumo.
Mário,
Na verdade, quando compra um imóvel não produtivo está a assumir responsabilidades SUPERIORES ao valor do imóvel. Irá ter de restituir o capital (suponhamo-lo igual ao valor) mais os JUROS (que são, para todos os efeitos, custos como seria o arrendamento ou como são os impostos sobre o património).
Quando compra um bem imóvel ou um automóvel ou um quadro de Miró compra também um monte de despesas de manutenção com o mesmo. São despesas de funcionamento, de manutenção e de segurança.
O problema da dívida é esta: estamos a restituir capital e pagamos juros e seguros de crédito e despesas de corretagem. Pior, a dívida há foi despendida para pagar funcionários a mais e miolos a menos. Não pode ser recuperada. passou a custos. Nada a justifica.
Com outra parte da dívida alguém fez rotundas e renovou rotundas, fez auditórios e renovou auditórios, construiu jardins e renovou jardins. E renovou decorações de gabinetes e voltou a renovar decorações dos mesmos gabinetes. Não há nada que responda por essa dívida, senão parte da última renovação. E mesmo isso não é líquido que se renove.
Agira usamos parte da dívida para pagar as PPP que entretanto entraram a pagamento. O património das PPP não é do Estado. Nada responde por essa dívida.
Em boa verdade, estamos lixados. Escolhemos o Sócrates e renovámos o Sócrates. Escolhemos Guterres e renovámos Guterres. Ao canto da sereia, despenhámo-nos contra as rochas.
Se o português tivesse consciência do que estes homens fizeram, atropelavam o direito internacional e, à força de leis ou de cacetes, declaravam cada um deles (e muitos do PS e alguns do PSD) persona non grata, procurados vivos ou mortos, mortos de preferência e vivos só em último caso.
Com estes tipos que nos lixaram, apenas a Rocha Tarpéia me vem ao miolo.
Há uma coerência no discurso do empobrecimento: se a dívida não era para pagar, tinhamos efectivamente enriquecido.
as auto-estradas que arruinam a paisagem do país
Não deixa de ser estranho (mas saudável) ver, num blogue de direita, a aceitação de que certos progressos económicos constituem, de facto, prejuízos ambientais (neste caso, na vertente paisagística).
Luís Lavoura,
Encontrará em muitos blogues de esquerda rosa-nula grandes laudos e enormes pleitos à construção de autoestradas, de ventoinhas errórlicas, e à ação do grande timoneiro Só-crá-trastre durante os anos da Grande Revolução Rodo-Cultural portuguesa.
Também é saudável?
Luís Lavoura, engana-se é a chamar “progresso económico” a algo impingido à força pelo Estado.
“Auto-estradas” !!… 🙂
Não me parece que as auto-estradas tenham sido “impingidas à força pelo Estado”. Foram desejadas pela esmagadora maioria dos portugueses e foram feitas por sucessivos governos democraticamente eleitos e legitimados.
Parece-me também muito dificil sustentar que as autoestradas não foram um “progresso” ….
Desde logo em termos de bem-estar, pelo menos de quem as utiliza directamente, e até de quem delas beneficia indirectamente (desenclavagem do interior e periferas, etc).
Também em termos economicos, na medida em que, facilitando as comunicações, permitem reduzir custos de contexto e aumentar produtividades.
Terão eventualmente algumas desvantagens e externalidades negativas (poluição do ar e sonora, descontinuidades territoriais, modificação da paisagem, etc). Mas, para além das mais objectivas serem relativamente contidas no contexto português, outras são demasiado subjectivas para poderem ser avaliadas em termos colectivos (é o casa da paisagem ; as auto-estradas também permitiram a “descoberta” de paisagens antes “invisiveis”).
Dito isto, o que é igualmente verdade é que o custo economico da construção de uma parte significativa das auto-estradas foi excessivo tendo em conta os beneficios que delas foram e estão sendo retirados (pelo menos pelas gerações contemporaneas, que as estão a pagar).
Não se trata apenas do custo directo de construção e manutenção das auto-estradas.
No fim de contas, também uma parte dos custos da crise e da actual austeridade resultam do facto de terem sido feitos investimentos, como os das auto-estradas, que pesaram fortemente sobre as finanças publicas e que, não tendo um retorno suficiente e em tempo util, contribuiram para um forte e rapido desequilibrio das mesmas.
Digamos que uma parte dos recursos aplicados nas auto-estradas poderiam ter sido utilizados de outro modo (incluindo a … não utilização ou poupança), com maiores ganhos de produtividade e bem-estar para o pais.
As auto-estradas, ou pelo menos o excesso de auto-estradas, são um “progresso” que está, e vai continuar, a custar bem caro aos portugueses !
Fernando S,
Uma auto-estrada só é um progresso quando as outras vias de comunicação estão saturadas ou são lentas. Ora, no caso da A23, esta nunca foi necessária. Bastava requalificar o IP2 com variantes às cidades. O IP2 nunca esteve nem perto da saturação.
E o facto é que hoje podemos ouvir cantar os pássaros no meio da A23, entrecortado este prazer de quando em quando por um veículo qualquer, normalmente do Estado ou das transportadoras de passageiros.
Francisco,
Referi-me às auto-estradas em geral.
A A23 não era certamente uma prioridade.
Outras vias, em zonas urbanas ou com forte densidade populacional, sobretudo no litoral, ligando o Norte ao Sul, foram efectivamente um progresso no sentido que o Francisco indica.
Eu até admitiria que certas auto-estradas menos urgentes, como a A23, tivessem sido construidas como meio de desenclavagem do interior ou de valorização de zonas com potencial turiscos, por exemplo, desde que o modo de financiamento fosse fundamentalmente e efectivamente privado (incluindo os riscos e os custos da respectiva exploração) e que uma eventual componente publica nacional fosse compativel com finanças publicas equilibradas.
O nosso problema não é termos auto-estradas a mais mas sim termos economia a menos !
…. e Estado a mais !…
“aceitação de que certos progressos económicos constituem, de facto, prejuízos ambientais (neste caso, na vertente paisagística).” Ui … que cérebro!
O boneco permite comparação para o ponto de partida, tendo em conta que depois pib e DE crescem a taxas diferentes não poderia fazer a mesma comparação em pontos de partida diferentes ou um calculo semelhante para outros estados, portanto não serve de nada. Repare que 30% de aumento da DE num ano equivalem a 36000M€ noutro 11000M€ equivale a 3% quando se fosse valida a comparação e a escala fosse a mesma deveria corresponder a 13% e 10% respectivamente. Ou seja um problema de escala como vi aqui uma crítica feita nesta blog há dias. Seria mais útil se viesse expresso na mesma escala, ou seja em percentagem do PIB.
Miguel Cabrita, eu comparo taxas de crescimento, que são grandezas homólogas. E faço-o, obviamente, partindo da mesma base (100MM€ em 97/98). Seria análogo a comparar a taxa de crescimento do consumo e do investimento. São grandes diferentes, com diferentes valores em nível, mas a comparação percentual entre elas é possível através das suas taxas de crescimento. O que isto mostra é que o endividamento externo cresceu muito mais rápido do que o PIB e que, se descontarmos a cada ano o efeito desse crescimento da dívida no crescimento do PIB, o crescimento do produto seria (muito) menor.
Ainda assim não sei como é que você depois subtrai coisas que se reportam a grandezas que vão sendo crescentemente diferentes somente a partir de um ano base onde “coincidentemente” os valores são semelhantes Se não fossem como é que fazia?? Não é possivel, somente com um valor de crescimento de dívida como percentagem do PIB você pode subtrair um do outro, e ainda assim isso ser suficiente para validar o seu ponto de vista, ou não?
Ou então usa uma base cem para o ano que pretende e não usa taxas de crescimento nominal do PIB. Por favor.
Comparando taxas de magnitude diferente, é necessário atender ao factor exponencial de cada uma. O problema fica resolvido se logaritmizar as diferentes taxas do seu gráfico e depois fizer a diferença entre elas.
Miguel, eu subtraio as taxas de crescimento, não subtraio os valores em nível. Não existe nenhum impedimento a fazê-lo. O que não poderia fazer é pegar na diferença das taxas e usá-lo para calcular o valor em nível, coisa que aqui não é feita.
hustler, o PIB cresce a taxas exponenciais pelo que a taxa de crescimento entre dois anos deve ser calculada com logaritmos ln(P1/P0)/2. No entanto, como o período em análise é curto (15 anos) é seguro aproximá-lo a crescimento linear. No caso da dívida, não cresce necessariamente a taxas exponenciais pelo que a forma de calcular a taxa de crescimento pode variar (eu assumi crescimento linear porque se nesses 15 anos aproxima-se +- a linear).
O crescimento linear é logaritmizável e estes logarítmos poderão ser obtidos através das variações das taxas de crescimento acumuladas.
Ou em alternativa dar-lhes como referência o valor sobre o qual se faz a comparação, neste caso o PIB, pelo que para cada montante absoluto de aumento de dívida divide pelo valor absoluto do PIB e desse resultado que reflete o aumento em relação à grandeza que quer comparar (o PIB) já pode obter resultados que não sejam suscéptiveis de dúvida e com eles fazer as comparações que quiser. Nunca comparar coisas que em montantes reais divergem logo após o primeiro ano que quer comparar. Para isso teria de atribuir uma base cem a cada um para o seu ano base e em preços constantes do ano base tanto de PIB como de DE fazer a comparação. Nunca comparar duas coisas só porque têm valores semelhantes a partir do ano base, tanto mais apenas porque “coincidentemente” a nossa fonte dos dados apenas dos dá dados a partir daí.