Estudar ou não estudar?

Este meu post a discutir a oportunidade – nenhuma – da Juventude Popular introduzir a discussão de voltar a colocar a escolaridade obrigatória no 9º ano gerou debate aceso no facebook e vou voltar ao tema. Eu não tenho qualquer habilitação em pedagogia para preferir o 12º ano ao 9º ano, tenho mais que fazer do que ir buscar números sobre isto, mas o Helder disse-me, e muito bem, que como empregadora tenho opinião sobre o assunto e, assim, é como empregadora, e com a minha experiência de empregadora – além de como mãe e das expetativas que, como mãe, tenho para os meus filhos (e não me parece bem opinar que outras mães devem ter expetativas mais comezinhas para os seus filhos do que eu tenho para os meus) – que vou opinar aqui sobre a escolaridade obrigatória.

E, como empregadora, começo por dizer que não vejo qualquer vantagem em contratar um rapaz de 16 anos com o 9º ano em vez de um rapaz de 20 com o 12º (e entre um de 20 anos com o 12º e outro com o 9º ano, também prefiro o que fez 12 anos de escolaridade). Isto mesmo para tarefas básicas e pouco especializadas, como alguns trabalhos de armazém; afinal é sempre conveniente saber contar, conseguir seguir e (se for pertinente) alterar os percursos sugeridos pela folha de computador, saber entender as tabelas que são as encomendas dos clientes, ter capacidade de orientação num armazém que é grande, entender e seguir os procedimentos corretos que minimizam erros, ter ginástica mental para adotar procedimentos que poupem tempo nas alturas de pico de atividade, e por aí adiante. Claro que um homem de 50 anos com 35 de experiência, que quase não estudou, é provavelmente mais produtivo do que o de 20 com o 12º ano, com um ano ou dois ou, nesta altura acontece muito, nenhum de experiência. Mas entre dois rapazes novos, mais anos de escolaridade são sempre preferidos por nós.

Também tenho a dizer que aquela ideia do rapaz fura-vidas que não tem jeito para estudar mas é ótimo para trabalhar é uma ideia muito bonita, mas existe em filmes e livros, que eu nunca me cruzei com nenhum caso desses. Pelo contrário, já trabalhei com muita gente, muitos até com o 12º, que considero uma pena e um desperdício não terem estudado mais. Não o fizeram ou porque necessitaram de começar a trabalhar cedo ou porque vêem de meios com pouca escolaridade onde a vontade de tirar um curso superior é visto como excentricidade. Mas têm capacidades para isso e, se o tivessem feito, veriam à sua frente possibilidades muito mais vantajosas de carreira. Nunca vi nenhum caso em que pensasse ‘coitado do rapaz, lá tem que continuar na escola, que tempo perdido’ e vi muitos casos em que pensei ‘que pena não ter podido ou querido continuar a estudar’.

Ninguém está a defender que se deve obrigar um maior de 18 anos a continuar a estudar se ainda não conseguiu chegar ao 12º ano. Mas não considero que antes disso os adolescentes devam ter possibilidade de tomar uma decisão com potencial tão prejudicial e provavelmente irreversível como esta de deixar de estudar. Dir-me-ão que os pais estão habilitados a tomar essa decisão pelo adolescente. Ora penso que atualmente é muito lesivo das perspetivas profissionais de um jovem com aproveitamento escolar que seja obrigado pelos pais (mesmo que por necessidades financeiras da família) a abandonar a escola, pelo que os pais não devem poder tomar essa decisão – tal como não podem tomar decisões igualmente lesivas como educar através de espancamentos frequentes, prescindir de alimentar os filhos ou vaciná-los ou tratá-los quando doentes, um largo etc. Neste argumento, de resto, nem faria sentido qualquer escolaridade obrigatória. O rapaz, afinal, não tem aproveitamento? Pois bem, não sei resolver todos os males do mundo, mas posso dizer que um rapaz sem aproveitamento também não é uma contratação apelativa para a minha empresa. Talvez seja melhor oferecer-lhe alguma via de ensino profissionalizante que lhe dê os rudimentos de uma profissão antes de chegar ao mercado de trabalho.

Por fim, posso dizer que já é escandaloso o nível de ignorância e de falta de preparação de grande parte da população ativa portuguesa. O que faz notícia nos jornais são os licenciados desempregados, trabalhando em call centers ou não conseguindo fugir aos recibos verdes. No entanto, muito mais dramática é a falta de formação de muitos que não vão conseguir nunca sair de empregos básicos mal remunerados, em sucessões de contratos a prazo porque, de facto, não têm competências necessárias que convençam uma empresa a ficar com eles como efetivos. Em suma, o que não faz falta, porque há muito, é oferta de trabalho pouco qualificada.

Acrescento: Tem piada (é forma de dizer, que não tem nada) que seja do partido de Paulo Portas – o único líder partidário que tem espaço nas suas mensagens, e inteligência para entender a relevância do tema, para falar da mobilidade social – que vem esta proposta de redução da escolaridade obrigatória.

11 pensamentos sobre “Estudar ou não estudar?

  1. Joana

    A meu ver, a escolaridade obrigatória devia ser reduzida, muitos alunos hoje em dia vão “passar os livros” para a escola. Repetem mais de duas vezes o mesmo ano de escolaridade, em alguns casos e muitos cursos como os CEF são uma perda de tempo. O aluno continua sem aprender e os professores, em vez de serem exigentes atribuem-lhes boas ou muito boas classificações. Em vez disso, os alunos podiam ganhar experiência ao trabalharem.

  2. Pingback: A escolaridade obrigatória no Mali e os capacetes dos peões | O Insurgente

  3. k.

    Gostei também!
    Um dos atrasos de Portugal é (e tem sido) a escolaridade e a formação – não entrando em pormenores de como esta deve ser provida (público ou privado, etc.).

    E isto paga-se a longo prazo; Ainda hoje temos uma taxa de analfabetismo gigantesca comparada com os congeneres Europeus; Certo, é actualmente concentrada em pessoas de 80 anos. Mas essas pessoas de 80 anos ainda trabalhavam, por exemplo, no inicio dos anos 90, quando a globalização estava a iniciar-se… num mercado global, se a próxima geração não tiver qualificações, não conseguirá competir, exceptuando em trabalho não qualificado (duh) – mas ai terá de competir com a China e África.. salários muito baixinhos.

    Portanto creio ser um dever dos governos certificarem-se que as novas gerações são dotadas de ferramentas que lhes permitam competir e diferenciar-se num mercado global – mais e melhor Educação passam por ai (e uma adequação ao que o mercado pede, mas isso também é outra historia).

  4. Pingback: Nem tudo o que parece é. – Aventar

  5. lucklucky

    Que tristeza.

    Acham natural e normal que é preciso ter 20 anos para ser um competente fiel de armazém.
    Pior, acham que todas as crianças são iguais para irem para a Escola Totalitária.

  6. HO

    “I can’t believe Nixon won. I don’t know anyone who voted for him!”

    Nós últimos anos houve vários estados americanos que aumentaram a escolaridade obrigatória; outros não o fizeram. Pode ser um bom laboratório para estudar o impacto desde tipo de legislação na mobilidade social, por exemplo. Para já, creio que pressupor um efeito positivo é meramente uma questão de fé.

  7. Helder

    “E, como empregadora, começo por dizer que não vejo qualquer vantagem em contratar um rapaz de 16 anos com o 9º ano em vez de um rapaz de 20 com o 12º (e entre um de 20 anos com o 12º e outro com o 9º ano, também prefiro o que fez 12 anos de escolaridade).”

    Eu prefiro um rapaz de 20 anos com 4 anos de experiência de trabalho. Não é essa a questão Maria João. Back to Facebook

  8. Rui Cepêda

    Em princípio uma maior preparação teórica e generalista é sempre de considerar. Mesmo não sendo o trabalho a realizar de grande exigência. No entanto a natureza deste é fundamental, bem como as qualidades da pessoa que se candidata e respectiva adequação à função que irá exercer. A experiência, se for positiva, também pode ser útil.
    De qualquer modo não vejo interesse em obrigar nenhum aluno a frequentar aulas que não lhe interessam e de onde não retira aproveitamento. Parece-me que o ensino pós 9º ano, em vez de obrigatório, deveria ser facultativo.
    Por sua vez as opções, a partir do patamar do dito 9º ano até ao 12º, teriam de ser adequadas às necessidades do mercado, sendo a escolha das disciplinas mais versátil.
    A atractividade do ensino técnico deveria também ser mais explorada e interligando-se como uma continuação da aprendizagem na fase seguinte, constituindo uma opção alternativa à universidade.
    Alguma coisa estará a ser feita neste domínio, creio.

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