“It is a myth that poverty in Africa is falling because of aid or redistribution. It is falling because of economic growth.”
– Xavier Sala-i-Martin
Os conceitos de pobreza e de pobre estão etimologicamente ligados mas são, em boa verdade, semanticamente diferentes. A pobreza é um estado limiar absoluto que pode ser definido e quantificado. Na Europa, definimos pobreza como alguém que não tem uma habitação e alimentação. Há quem estenda o conceito um pouco mais e incorpore o acesso a cuidados de saúde e de educação. Em África, ter um tecto de palha e alguma comida já exclui muita gente da pobreza. Independentemente de quantidade de condições mínimas que perfazem a definição, ela está minorada e bem definida.
Já a definição de pobre é um conceito relativo que só existe por comparação. Se, sucedendo-se uma catástrofe que reduzisse a nossa existência ao consumo de um côco por dia, a miséria material seria indesmentível, mas tornar-se-ia impossível afirmar que alguém era mais pobre que outrém. Igualdade plena na miséria.
Esta diferenciação é o mote para evidenciar a dicotomia que separa, mais do que liberais e socialistas ou autoritários e libertários, a esquerda da direita. O apanágio da esquerda é, porque a história assim o evidencia e os textos de Marx ou Lenine não o desmentem, a sacralização da igualdade, independentemente da sua condição material absoluta. A preocupação da esquerda não é com a existência de pobres, é com a existência dos ricos. Os latifundiários e os donos do capital do século XIX. É, em última análise, uma comparação que lhes parece artificialmente injusta.
A preocupação dos estudiosos de esquerda sempre foi com a redistribuição e, recentemente, com o estado social. Marx, ele próprio, assumiu que a industrialização que permitia o salto para o socialismo era melhor preparada pelo capitalismo. Era esta a dialética que antecedia o objectivo último: a igualdade.
Já a direita tem e deverá ter uma percepção radicalmente diferente da filosofia da miséria. O problema não é a existência de pobres, mas a miséria da pobreza. E, para isso, tem apoiado aquele que é o sistema económico que mais beneficiou e ajudou a erradicar a pobreza — o capitalismo. É o estado absoluto de miséria que tem de ser combatido. É criar as condições que potenciem a prosperidade. E o garante desse objectivo é o verdadeiro crescimento económico, não aquele paulatinamente urrado por quem acha que crescer é contrair défices orçamentais. Nada garante mais crescimento económico do que mercados livres e com pouca distorção do Estado.
Um dia, contrariamente à tese de Malthus, o crescimento económico permitirá alcançar níveis de produtividade e de riqueza nunca antes vistos. Aí, pobreza será só ter um carro e duas casas. Aí, a esquerda continuará a gladiar-se contra os ricos que já fazem viagens a Marte, enquanto existem “pobres” que permanecem na Terra.
Texto muito interessante e com o qual concordo em alguns pontos. O ponto de grande discordancia e’, sem duvida, este: “Nada garante mais crescimento económico do que mercados livres e com pouca distorção do Estado.”
Este e’ um grande problema, sem solucao. Quanta “distorcao do estado” e’ precisa para “optimizar” os mercados livres? Quao “minima” precisa ser a distorcao?
Daqui vem um segundo problema, igualmente, sem solucao: mesmo admitindo que se conseguiria determinar, por um qualquer processo miraculoso, quao minimo precisa ser o estado para que este so produza uma distorcao ‘optima’, como se manteria esse estado minimo? Como se consegue que um monopolio territorial de coercao, deixe de crescer? Nao vai la com “constituicoes”: Sao apenas papeis escritos; nao vai la com a tanga da “separacao de poderes”: a todos os poderes so interessa crescer e, quando em conflito, so lhes interessa os seus interesses (o TC e’ um exemplo claro). Existe alguma outra maneira? Nao me parece.
E’ dificil vencer o bias do estado. Esta entranhado na cabeca das pessoas. Mesmo quando se comeca a compreender que so a liberdade e o free trade e’ o caminho do progresso e a aparente necessidade do estado comeca a desaparecer das cabecas e o monstro vai ficando mais pequeno, ainda resta esse pequeno monstrinho, o do estado minimo, que muitos nao se conseguem livrar. E la se fica com a ideia que o mundo sera muito melhor, desde que o monstrinho fique pequeno. Custa matar o monstro mas, uma vez morto, e’ um admiravel mundo novo. Cumprimentos, amigo MAL! 🙂
Excelente post. O capitalismo conseguiu transformar a habitual pergunta anterior ao século 19 “Porque existem ricos?”, em “Porque existem pobres?” actualmente. Isso é uma enorme transformação.
A esse respeito, recomendo o excelente “Equality as a Moral Ideal”, de Harry Frankfurt (disclaimer: o nome é enganador quanto ao posicionamento do autor, expresso neste e noutros artigos).
Era um dos textos que costumava discutir com os alunos na cadeira de Filosofia do Direito, e julgo não estar errada se disser que era um dos que mais interesse suscitava na audiência.
De resto, no estado social, a definição de “pobre” é meramente burocrática e, em consequência, arbitrária. Por exemplo, actualmente, há cerca de 50 milhões de americanos (15 em cada 100, mais que toda a população espanhola…) que são beneficiários de vales-refeição (food stamps). Thomas Sowell, escrevendo há dias na Townhall, sob o título Minimum Wage Maddness, aborda esta questão fazendo notar, por exemplo, que 80% daqueles beneficiários têm ar condicionado nas suas casas. (Proporciono uma tradução do artigo de Sowell aqui.)
Acrescento que o “conflito” entre as duas “pulsões” é vital para o equilíbrio de forças, e por isso mesmo vital também para o desenvolvimento. Capitalismo livre, leve e solto, corre o risco de corromper o sistema com a mesma acutilância que o domínio político de “esquerda” o faria. Por outro lado sabemos também que o capitalismo depende necessariamente e cada vez mais do consumo de massas. É por isso que se vendem mais utilitários que lamborghinis. É tudo um ciclo. A questão está em como criar um ciclo harmonioso… Em essência – apesar da “ganância” (compreensível) de alguns – “o capitalista” detesta pobres, e deve tem em vista o seu extermínio…
Pingback: Mário Amorim Lopes sobre a Evolução da Dívida Americana | Ricardo Campelo de Magalhães
Lembremos que as escolas de Dar es Salam, Franz Fanon e quejandos e as utopias esquerdistas que grassaram por África levaram a uma redução da produção de alimentos de 50% em muito poucos anos. A esquerda é o rosto da miséria e fome africana que desgraçõu o continente após a “descolonização” e colonização pela URSS.
Fico contente que os leitores d’O Insurgente tenham percebido o âmbito do texto. Os comentários a este texto no Facebook foram diametralmente diferentes, juntando falácias e argumentos raquel-varela-style do tipo “Há quem ganhe $2/dia”. Não perceberam patavina.
O importante disto é mostrar que a grande preocupação económica da esquerda sempre foi a assimetria entre uns e outros. A desigualdade. A preocupação da direita deverá ser hoje e sempre o crescimento e progresso económico e criação de riqueza, para subir os limiares absolutos de pobreza. Para que amanhã ser pobre seja somente ter 1 carro.
Obrigado aos astutos comentadores.
Muito bom. Claro, conciso e fácil de ler. Vou partilhar e reter na memória, para quando a malta do zeitgeist me chatear.
A esquerda não quer saber, nem se preocupa, porque existem pobres, julga que basta despejar-lhes dinheiro (extorquido aos ricos) em cima que eles desaparecem por milagre; enquanto a direita tem uma abordagem radicalmente diferente ao tentar perceber a razão da pobreza, qual a sua causa e ouvindo aqueles que dela padecem. Jamais ouvirão um burocrata tipo Sachs perguntar a um pobre o que ele deseja realmente ou quais as suas prioridades…
Outra coisa que me parece que a esquerda jamais vai perceber é que os ricos e “porcos capitalistas” não querem o extermínio dos pobres, como diz um comentador acima, quer sim que os pobres deixem de o ser e tenham mais dinheiro para gastar nas coisas dos ricos.
“Para que amanhã ser pobre seja somente ter 1 carro.”
Só por curiosidade, já pensou no que é que isto implicaria em termos ambientais? É que se ser pobre é ter só um carro, é de admitir que a maioria das pessoas tenha dois e muitas tenhas três ou mais. Se passamos dos carros para as motos, casas, barcos, televisões, telemóveis, computadores etc etc às dúzias em cada família, onde é que há recursos naturais para produzir tudo isto, mantê-los em funcionamento e tratá-los no fim da sua vida útil (cada vez mais curta, diga-se de passagem)?
E por favor, não me diga que o mercado livre vai solucionar o problema…
“quantos pobres são precisos para fazer um rico?” já dizia o Garrett.
Este texto é ciclópico. Esquece a dimensão global do problema. E a dimensão global do capitalismo. Esquece que a base produtiva do capitalismo está nas sweat-shops da China e do Sudeste Asiático, que a origem das riquezas e matérias primas (por ex: petróleo) vem de países sub-desenvolvidos com enormes assimetrias sociais.
Eu não me importava de ser “pobre” nos EUA… (aposto que nem o Mário, nem ninguém aqui se importava). Tramado, tramado era se fosse pobre na China e ter de viver em Kowloon. Isso é que era do Diabo.
Depois, reduzir o problema a uma dicotomia direita/esquerda… como se estas coisas vivessem em frasquinhos separados num laboratório qualquer… como se não houvesse capitalismo de esquerda nem socialismo de direita. Nem nunca houve.
E finalmente, a ideia de que ter um carro é sinal de riqueza… é tão à novo rico do século XIX.
jhb, pronto, para satisfazer o seu capricho green, leia “um carro movido a energias renováveis e não-poluente”, fruto, claro está, do progresso tecnológico proporcionado pela competição, iniciativa individual, inovação e tudo mais, características geralmente proporcionadas por… um mercado livre.
E se o assusta a ideia de associar um carro a sinal de riqueza, escolha outro qualquer objecto material que considere apropriado. Não invalida a tese.
frank1971, qualquer dicomotia esquerda/direita será sempre redutora. Dicotomia que até tento evitar. Identificar alguém como liberal ou socialista, conservador ou progressista é uma qualificação bem mais exacta.
Mas isso não invalida que séculos de história nos mostrem que as preocupações dos pensadores e estudiosos de esquerda sejam sempre sobre os mesmos temas: a redistribuição, o estado social, a desigualdade e raramente sobre o motor de crescimento económico. Aliás, é engraçado olhar para a literatura e ver como economistas assumidamente de esquerda pegam em modelos de crescimento económico, introduzem os pressupostos que acham convenientes, e mostram que a desigualdade prejudica o crescimento. Algo que está, refira-se, por provar.
jhb, no tempo dos reis, grandes áreas de terreno eram deixadas intocáveis. Os altos cargos diziam que não se podia aproveitar esses terrenos para cultivar e dar sustento aos pobres. pois isso iria ser desastroso a nível ambiental. Essa história não é nova.
frank1971, socialismo de direita não existe, nem capitalismo de esquerda. A dicotomia direita/esquerda actual surgiu quando os socialistas soviéticos se intitularam de ‘esquerda’.
Porque razão as pessoas que não sabem o que capitalismo é, falam de insustentabilidade ambiental e de os ricos serem ricos devido à existência dos pobres? Afinal, digam-me o exemplo de um país desenvolvido que não tenha passado pelas chamadas sweatshops.
Carlos,
como chama às “economias” planificadas de Hitler, de Mussolini, de Salazar ou de Franco? e sim, estou a pensar nas palavras de Hayek…
E como descreve o sistema de gestão hierárquica e autoritária, baseado na maximização do “lucro” a partir da exaustão de recursos humanos e naturais, que Lenine implementou na URSS a partir de 1918?
E o modelo social-democrata, escandinavo e alemão, pós WWII? Capitalista? Marxista?
O que é o capitalismo? é o Diabo! Claro 🙂
A verdade é que passados séculos de filosofia e de história económica ainda não descobrimos como evitar a pobreza, os pobres e as sweat-shops. Porque será? somos estúpidos? é isso?
Não precisa de responder, eu sei que não somos estúpidos.
Mário,
é bem verdade que os modelos “científicos” e ideológicos (sejam de esquerda ou de direita ou liberais ou socialistas ou…) manipulam os pressupostos como bem lhes convém. (tipo FMI: a análise: o rato está gordo; a receita: cortar as pernas ao rato; o resultado: o rato deixa de se movimentar para ir procurar o queijo; a conclusão: o rato sem pernas deixa de gostar de queijo). Mas, a verdade é que as sociedades mais igualitárias (mais livres e mais democráticas) têm melhores índices históricos de desenvolvimento económico e social, que as sociedades mais desiguais. Basta olhar para as diferenças entre norte e sul na Europa, e o momento histórico em que essas diferenças começaram a pender mais a favor do norte.
frank1971 e jhb, o modelo capitalista só trouxe realmente desgraças. Os USA que após uma severa guerra civil adoptou esse modelo económico, com base na liberdade e meritocracia para quem na vida quer vencer, só tornou o mundo mais pobre, nada trouxe de bom à população, claro excepto a electricidade, os caminhos de ferro, telefone, o carro, gasolina, etc, mais tarde computadores, internet,… (que durante séculos de feudalismo nada se fez)
enfim…
Como nos esquecemos depressa das raízes daquilo que já damos como adquirido. Como isto me faz lembrar o Life of Brian:
“All right, but apart from the sanitation, medicine, education, wine, public order, irrigation, roads, the fresh water system and public health, what have the Romans ever done for us?”
frank1971, em boa verdade, nós já temos algumas pistas de como acabar com a pobreza. Tudo começou com a criação e acumulação de capital e com a livre transação de bens e serviços. Nunca houve tão pouca gente no limiar de pobreza (embora ainda haja muita!) como agora.
Fernão Magalhães, a sua referência aos Monty Python é interessante, e por pouco escapava-me a ironia da mesma. Como referiu, e bem, o capitalismo foi o sistema económico que mais prosperidade trouxe à humanidade. Ainda não resolveu todos os seus problemas, é verdade, mas é incomensuravelmente melhor que qualquer outro idealizado ou implementado.
Acho que o Fernão Magalhães levou demasiado à letra a minha ironia sobre o Diabo… 🙂
É claro que o capitalismo tem os seus méritos. Até o Marx os gabava… hahahaha.
E é verdade que o capitalismo é o sistema mais responsável pela prosperidade da humanidade… no seu conjunto… em média certo? 😉
É que, “a electricidade, os caminhos de ferro, telefone, o carro, gasolina, etc, mais tarde computadores, internet…” ainda está longe (muito longe) de chegar a toda a humanidade…
Ainda assim, acredito na “livre transacção de bens e serviços” tenha consequências positivas e benéficas. No entanto, a “acumulação de capital” por si só, é uma ideia assim à Tio Patinhas…
Entretanto na América:
frank1971, lá por o mundo ainda não ser perfeito e ainda existir pobreza, isso não é prova de que o capitalismo falhou. É preciso contextualizar. Desde que o capitalismo surgiu e foi adoptado, as coisas melhoraram? Sim, e muito. E entre países capitalistas e socialistas, quais se saíram melhor? Os primeiros, enquanto os segundos regrediram durante décadas (vide RDA, que ainda hoje recebe biliões da Alemanha!)
Também me assusta essa atual aproximação ao feudalismo nos USA, mas depois vejo um povo orgulhoso por ter um jogador que ganha ~1000 vezes mais que o salário médio nacional,…
Mesmo assim há muitos que fogem do seu país para irem para os USA, pois apesar de terem no seu país uma distribuição mais equalitária o problema é que também não há nada para distribuir. Não há sistema perfeito, mas há uns melhores que os outros 🙂
frank1971, vários factores são necessários para se acabar com a pobreza e atingir a riqueza. Há factores económicos e sociais. Mas a pergunta que se coloca é porque razão não olhamos para os países que tiveram grande sucesso em passar da pobreza para a riqueza e estudamos para os compreender. Eu encontro vários casos. EUA que passaram de uma colónia de 3ª categoria para o país mais rico do planeta (até à umas décadas), Argentina que desde a sua constituição dos anos 1860s se tornaram num dos países mais ricos a nível mundial até à década de 1930s (políticos acabaram com a prosperidade). A argentina tinha 70% da riqueza dos EUA nos anos 1930s e estava a aproximar-se. Dizia-se que esta iria ser os EUA da América do Sul. Hong Kong que na década de 1960s era uma vila principalmente constituída por pescadores tradicionais e agora é uma das regiões mais ricas do planeta. Com metade da área dos Açores, empregam 7 milhões de pessoas e têm um PIB de cerca de 1,5 o de Portugal inteiro. Ou Singapura que ainda é mais evidente. Os países nórdicos desde a segunda metade do século 19 que era dos países mais liberais do mundo. Tinham impostos e regulamentações mais baixos que os EUA entre 1940s e 1950s, assim como despesa pública também muito baixa, até iniciarem a experiência do estado social e terem um quase-colapso nos anos 90s. Ou então Botswana, mais recentemente:
E sweatshops são apenas uma fase no processo de transição da pobreza para a riqueza. Não há volta a dar, não se pode atingir a riqueza de um momento para o outro e se se forçar, vai acabar em asneira.
“Mas, a verdade é que as sociedades mais igualitárias (mais livres e mais democráticas) têm melhores “, igualdade(de resultados) e liberdade são dois conceitos opostos. Não pode defender os dois. Se der liberdade às pessoas, elas inadvertidamente vão sair desiguais, pois as pessoas são diferentes e têm diferentes prioridades.
Quanto ao seu vídeo, veja uma resposta:
Concordo com o Carlos.
Outra grande contradicao e’ confundir liberdade com democracia. A democracia e’ apenas mais uma forma de colectivismo obrigatorio. As sociedade mais prosperas nao o sao por serem “mais democraticas”, sao-no por serem mais livres. A liberdade nao e’ uma consequencia da democracia mas a democracia so existe porque primeiro houve liberdade. Tanto que todas as sociedades democraticas do presente sao menos livres do que eram ha 10, 20, 30, 50, 100 anos atras. A democracia, como qualquer forma de colectivismo, tende a engordar a custa da liberdade e e’ precisamente isso que continua a acontecer no mundo de hoje, ate’ ao dia em que o pessoal acorda e percebe que a liberdade ja’ era!
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