Ainda sem estarmos a par de pormenores acerca da mudança noticiada a respeito da educação, muito se tem escrito, nos últimos dias, acerca do designado “cheque-ensino”. Contudo, é um tema que está longe de se esgotar e julgo que existem aspectos que continuarão a merecer uma reflexão continuada, com “prudência e caldos de galinha”, e que não negligencie as especificidades portuguesas, nem fique aprisionada nelas. Um reflexo de que existe ainda muito por clarificar é o facto de existirem dois interessantes grupos de oposição ao cheque-ensino (sem desmerecer a presença de outros tantos): o grupo daqueles que esperneiam por acreditarem estar em curso um malévolo plano de desmantelamento do ensino público; e o grupo dos que consideram estar em presença de um golpe derradeiro que destruirá o ensino privado. Curioso antagonismo. Ou digamos antes que o amor à ideologia às vezes é cego. Posto isto, é possível que alguém não ande a perceber o problema de forma abrangente. Na pior das hipóteses, talvez a grande maioria das pessoas ande a julgar um modelo que desconhece, com base em vulgares mal entendidos, desinformação, e outros estarão a julgá-lo por simples teimosia, seja ela fundada em boas intenções (que também enchem o Inferno) ou por intencional desonestidade intelectual.
Não deixa de ser caricato que possa existir tanta incredibilidade dos que antevêem um contacto explosivo entre a sociedade portuguesa e qualquer réstia mínima de acesso à escolha. E não me estou a referir agora à atitude firme da esquerda que, inclusive, foi já muito bem descrita pelo João Cortez. Estes preconizam sempre o mesmo preconceito social de que o “pobre quando tem escolha fica baralhado”, como dizia uma amiga minha, em jeito de brincadeira. A tal incredibilidade caricata de que vos falo, reconhece-se na atitude daquelas pessoas que acreditam piamente numa única solução satisfatória. Essa solução seria a abolição de toda e qualquer comparticipação pública ao ensino e a simultânea desestatização em absoluto. Uma vez que acredito ser provável isso vir a acontecer somente quando a superfície da Terra for atingida por um meteorito capaz de extinguir a vida humana – altura em que a existência de escolas deixará de se justificar – passo a merecer ser incluída na categoria de socialista, ou de “liberal socialista”, se bem entendo. Que a alternativa do cheque-ensino não é uma solução perfeita parece-me evidente; mas o orgulho de rejeitar modelos de alguma praticabilidade comprovada, que contribuam para imprimir alguma mobilidade e concorrência no sistema, inviabiliza qualquer tentativa de combater os tumores que persistem no ensino em Portugal. A inacção perfeccionista nem sempre é boa conselheira.
Segundo o grupo de pessoas que teme o desaparecimento do ensino privado, aqueles que defendem o cheque-ensino estão a ser enrolados pela falsa ideia de que o Estado é bom gestor. Chegamos aqui à raiz do problema. Se concordamos que a intervenção do Estado é perita em favorecer ineficiências ao ritmo da sua própria expansão e burocratização, parecemos destoar quanto ao remédio para a solução. Os maus resultados são potenciados pelas tendências arreigadas na nossa administração pública e não no cheque-ensino em si mesmo. Se algo contribuirá para a suposta ineficácia da mudança (e é plausível abrir essa hipótese), será a falta de coragem em delegar autonomia curricular, administrativa e quebrar com o modelo de financiamento centralizado, ao gosto dos interesses “à sombra da bananeira”. Na década de 70, constatava Philippe Schmitter, na sua análise sobre o corporativismo e as políticas públicas durante o Estado Novo: “Umas das outras características de Portugal era a centralização sistemática dos recursos governamentais. Além disso (…) a sua centralização não apresentava quaisquer indícios de diminuir.” (SCHMITTER, 1999: 152) É desanimador chegarmos a 2013 e continuarmos com semelhantes indícios no horizonte. E isto poderá induzir algumas pessoas à tentação de constatarem uma fatalidade centralista associada ao povo português. Longe de promover a aceitação do centralismo burocrático, ignorando os danos concretos que tem causado, devemos tornar bem evidente a sua relação com o aumento das despesas.
Se o cheque-ensino estiver enquadrado nos mesmos incentivos monolíticos da política autárquica do betão, da planificação curricular definida centralmente, da aprendizagem acomodada ao laxismo no desempenho, e da perpetuação do ensino obrigatório alargado, com vista em criar “carne para canhão” uniforme, então, neste caso, existem razões para temer aumento dos gastos, multiplicação de reivindicações igualitaristas e intromissão nas escolas privadas. Porém, este risco deve ser imputado às pressões nacionais do costume e não a um modelo de ensino alternativo em que os custos do ensino são bem espelhados na prática e em que a vontade dos pais influencia até a escolha de professores e da oferta lectiva. O cheque-ensino não foi pensado para uniformizar oferta, amalgamar alunos, desresponsabilizar pais, professores e nem para multiplicar gastos. O ensino português é que prefere manter este padrão de comportamento e conservar os vícios de sempre. É impossível um mau terreno dar boas colheitas.
A privatização da EDP também ia dar liberdade de escolha e baixar os preços.
E aos insurgentes que se julgam (ahahahahah) tão independentes basta acenar com palavras como “privatização” que imediatamente estão de acordo – e os outros é que são movidos por ideologia…
Acrescento que a ideia do cheque-ensino nem é nova em Portugal.
Veja-se a legislação de 1980, ainda em vigor (sim, ainda em vigor):
Decreto Lei 553/80, de 21 de Novembro
Click to access dl_553_80.pdf
Public and Private Schools – Estudo da OCDE
Este é um interessante estudo elaborado pela OCDE, a respeito dos resultados do
Este é um interessante estudo elaborado pela OCDE, a respeito dos resultados do financiamento público às escolas privadas:
Click to access 50110750.pdf
As escolas são muitas e variadas , quando se fala de “escola privada” não se está a falar de uma espécie de monopólio institucionalizado , ainda que os habilidosos do costume queiram levar a conversa para aí .
Além disso há escolas no pais inteiro e não só nas grandes cidades , mas vá-se lá esperar que a maioria dos habitantes dos grandes centros urbanos se preocupem alguma vez com os outros que não têm acesso diversificado a quase nada , nunca se preocuparam .
Uma das coisas que quem comenta estas coisas devia “jurar sob palavra” é que tem filhos a estudar ou , sendo mais idoso , tem netos a estudar .
A não ser assim é só conversa ideológica ou de conveniência “material” , não ajuda ninguém a
resolver problema concreto nenhum .
Se for para fingir que se muda alguma coisa para manter tudo na mesma, não vale a pena o alvoroço.
O cheque ensino só pode mudar o paradigma actual se for levado a sério e implementado com uma descentralização da gestão escolar e uma significativa redução da interferência do Ministério da Educação.
O cheque ensino pode mudar os incentivos negativos que se instalaram retirando o poder aos burocratas e aos interesses que dominam o sistema, passando o poder para os alunos e os pais.
As escolas pagas pelo Estado partem com uma vantagem substancial para um sistema de concorrência – Estão no mercado em monopólio, já têm as estruturas físicas pagas, os alunos já lá estão e beneficiam da inércia à mudança.
As que perderem os seus clientes por má gestão, maus serviços e incompetência merecem-no.
As que souberem aproveitar a oportunidade para melhorar, em concorrência, só terão a ganhar e os alunos e o país também.
“pobre quando tem escolha fica baralhado”, como dizia uma amiga minha, em jeito de brincadeira.”
Quem? A Cristina Espírito Santo?
O que significa essa imagem de uma criancinha descalça?
Caro Pedro, obrigada pelas sugestões.
jhb, não lhe digo o nome da minha amiga mas a ideia com que utilizei a frase era a de ridicularizar aqueles que julgam que as pessoas menos abastadas não têm capacidade de fazer escolhas sem a ajuda do governo. Tenho de explicar tudo bem explicadinho como se fosse para a Cristina Espírito Santo perceber.
EMS, é de William-Adolphe Bouguereau e chama-se “The Difficult Lesson”(1884). É Portugal a tentar aprender a deixar de ser centralista. Está complicado.
Achei este comentário
“A privatização da EDP também ia dar liberdade de escolha e baixar os preços.”
divertidíssimo, tamanha a parvoíce. Em primeiro lugar, a liberdade de escolha viria não da privatização, mas da liberalização do mercado. Ora, como tal não aconteceu (operações de cosmética não contam), a masturbação mental praticada pelo autor do tal comentário não passa disso mesmo — masturbação. Convinha é que a praticasse com mais recato.
Sem contar com os preços subsididados e depois o estalinismo das energias “verdes” subsididadas…
O Gonçalinho como é um idiota consumado, facto visível pelo tipo de resposta que dá ao meu comentário, indiciando aí mesmo o que lhe vai na cabeça enquanto escreve, não percebe que o problema que está sugerido no meu comentário é exactamente o que ele refere – que esta privatização do ensino cumpra tanto os objectivos a que se propõe como cumpriu a privatização da EDP.
Gente burra. Fosga-se.